Jornal Estado de Minas

Alvo de impasse, casas tombadas na Rua Congonhas são consumidas pelo tempo

- Foto: Edésio Ferreira/EM/DA PressA falta de telhas permite que a chuva se infiltre pelas antigas paredes de tijolos. Galhos de árvores invadem os vãos de vigas de madeira apodrecida e vegetais que se enraízam entre as paredes contribuem com a destruição lenta das construções de mais de 80 anos. Enquanto o impasse entre a Secretaria Municipal de Regulação Urbana e a Construtora Canopus impede prever o destino das 13 casas tombadas pelo patrimônio municipal no Bairro Santo Antônio, Centro-Sul de Belo Horizonte, as edificações da Rua Congonhas, entre as ruas Leopoldina e São João Evangelista, vão sendo consumidas pelo tempo. Dentro dos muros altos que cercam o quarteirão, as pequenas casas que já serviram de locação para filmes e abrigaram o escritor mineiro João Guimarães Rosa aos poucos se tornam ruínas.

De acordo com a Fundação Municipal de Cultura (FMC), a propriedade dos imóveis ainda não foi transferida para a construtora justamente por não ter sido ainda definido que tipo de usos preservariam os bens tombados sem impactos, o que precisa ser determinado pelo município. Sem essa diretriz, a transferência da propriedade dos imóveis, pertencentes a dois irmãos, para a empreiteira não pode ser formalizada nem obras podem ocorrer. A última notificação sobre o estado precário das casas foi emitida pela prefeitura há três anos.

O entrave que lentamente corrói as casas já dura quatro anos e fez até com que a Canopus suspendesse seus projetos iniciais de instalar no local quatro torres de prédios residenciais de 27 andares, com quatro unidades habitacionais por andar. Segundo o departamento de marketing da empresa, apenas quando a prefeitura definir quais usos poderão ser dados ao espaço é que se decidirá que tipo de empreendimento será construído. “Enquanto isso, a Canopus mantém os tapumes que protegem as casas e faz controle de dengue, evitando que haja formação de poças para a reprodução do mosquito transmissor”, informou o departamento.


Os tapumes metálicos que cercam as construções desde 2014 foram erguidos e reforçados com rolos de concertinas (espécie de arame farpado com lâminas) para impedir que usuários de drogas invadissem e depredassem o local. Contudo, o abandono e as chuvas têm provocado o mesmo efeito. Vários telhados simplesmente ruíram por completo, outros parcialmente, permitindo que as construções desprotegidas sejam afetadas a cada tempestade. Folhas que caem das árvores entupiram as drenagens das calhas, impedindo que a água escoe. Muitas peças de madeira estão apodrecendo e empenando. Janelas e portas originais se estragam aos poucos. Na casa onde morou Guimarães Rosa, que já abrigou também o antigo Bar do Lulu, a janela aberta do segundo andar mostra que o cômodo superior não tem telhado e por lá os galhos de uma árvore que fica na frente da construção já ocuparam boa parte do espaço.

Quem passa pelas casas, trabalha ou mora na vizinhança critica o fato de há tantos anos os imóveis tombados se deteriorarem por trás dos muros.

“Da janela da minha casa dá para ver esses imóveis históricos se perdendo a cada chuva. Parece que foram colocados os tapumes só para que ninguém mais fique indignado ao ver as casas desabando aos poucos”, disse a dentista Maria Célia Porto, de 57 anos, que mora em um apartamento com vista para o casario. “Tem um vigia, tem cerca, tem arame farpado, mas está tudo caindo por dentro. Era bom antes, quando as casinhas tinham um comércio bonito e deixavam nosso bairro mais elegante; acabou tudo. Não precisamos de mais prédios, mas de áreas abertas para as pessoas, como era antes”, afirma o aposentado Juarez Antônio dos Santos, de 68.

“O problema não é só a dengue que a construtora que assumiu as casas diz que controla. Esse tanto de folhas e lixo acumulado podem conter os mosquitos transmissores da leishmaniose, que infecta cães e humanos. Enquanto tivermos essa situação de abandono, a vizinhança vai sofrer com esses perigos”, considera a veterinária Amanda Dias, de 36.

De acordo com a FMC, o estado de abandono dos imóveis foi denunciado em 30 de setembro de 2013. “Foi emitida a Notificação 1380558A, para manter em bom estado de conservação a edificação abandonada.

A ação fiscal está em andamento. Em 30 de outubro de 2013, o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte também notificou o proprietário (Notificação 38/2013) para que fossem tomadas as medidas cabíveis”. Nos últimos três anos, porém, nenhuma notificação foi emitida, apesar de a situação ser visivelmente grave.

Desmoronando ano a ano

Como se deu a degradação do casario tombado

2007
» O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte declara tombados os imóveis de números 487, 495, 503, 511, 519, 527, 539, 547, 553, 563, 571 e 579 da Rua Congonhas e 415 da Rua Leopoldina

2012
» Os proprietários das casas, dois irmãos, vendem os imóveis para a Construtora Canopus, que apresentou planos de um empreendimento habitacional com a conservação conjugada das casas

2013
» Antigos comerciantes que ocupavam as casas lutam na Justiça para permanecer, mas, um a um, perdem seus alvarás de funcionamento e deixam o local. Depois de vistoria, a Fundação Municipal de Cultura denuncia o estado de abandono dos imóveis. É emitida notificação aos proprietários para que mantenham a conservação das edificações. Ministério Público pede informações sobre o estado do local

2014
» Depois de usuários de drogas invadirem e depredarem o casario, a construtora ergue tapumes metálicos com rolos de concertina para impedir mais invasões

2015
» Movimento da sociedade civil tenta conseguir que a casa onde morou Guimarães Rosa seja usada como espaço cultural


SAIBA MAIS -Casas da Rua Congonhas

O casario tombado da Rua Congonhas se insere no processo de ocupação urbana do início dos anos 1930 ao fim dos anos 1940, em que diversas correntes estilísticas conviviam em Belo Horizonte. Caracterizam-se por representar uma forma de ocupação do bairro com imóveis de um pavimento e se destacam por formar um conjunto homogêneo. Na casa de esquina, número 415 da Rua Leopoldina com Rua Congonhas, viveu da adolescência até o casamento o escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967). Estão no perímetro de proteção do Conjunto Urbano Bairro Santo Antônio, que surgiu com a ocupação dos terrenos de duas fazendas contemporâneas ao Arraial do Curral Del Rey.

A porção oeste do bairro, que chega à Avenida Prudente de Morais, corresponde à parte da antiga Fazenda do Leitão. Já a porção leste, onde ficam as casas tombadas, se origina da antiga Fazenda do Capão. Os anos de 1970 marcaram a ocupação das partes mais elevadas do bairro, dando início ao processo de verticalização e adensamento.

.