Jornal Estado de Minas

Morte de menino por febre maculosa em BH completa 30 dias sem solução para contágio da doença

A morte do estudante Thales Martins Cruz, de 10 anos, vítima de febre maculosa depois de ter contato com carrapatos no Parque Ecológico da Pampulha, em Belo Horizonte, completa hoje um mês sem que haja uma solução à vista para a ameaça. Além disso, as poucas ações adotadas recebem críticas de especialistas, havendo mesmo quem atribua a elas o agravamento do problema. A expectativa é de que medidas mais concretas de enfrentamento sejam divulgadas quinta-feira, quando representantes de órgãos ambientais e de saúde se reúnem novamente, na Promotoria do Meio Ambiente, para discutir a situação. Transmitida  pelo carrapato-estrela, a doença tem mais dois casos confirmados e outros quatro sob investigação na capital.


No encontro, um grupo intersetorial criado para estudar a febre maculosa no entorno da Lagoa da Pampulha apresentará sugestões para fazer o controle do parasita, assim como da fauna no entorno – representada principalmente por capivaras, cavalos, cães e gatos. As ações adotadas até o momento, além de não solucionar a questão, não têm consenso entre estudiosos. Enquanto isso, especialistas na doença e defensores dos animais cobram celeridade do município no enfrentamento do problema. Alguns defendem, com urgência, o manejo populacional dos roedores, considerados os principais depósitos dos carrapatos. Outros acreditam que a solução é a retirada de todas as capivaras da região da Pampulha e um controle constante para evitar seu reaparecimento.

O professor Tarcísio Antônio Rêgo de Paula, do Departamento de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa, responsável por um programa que conseguiu diminuir a população de capivaras e de carrapatos-estrela no câmpus da instituição da Zona da Mata, é um dos convidados para a audiência de quinta-feira.
Ele apresentará informações sobre a ação de controle populacional dos roedores por meio de vasectomia em machos e de ligadura em fêmeas. “Deixaram de se reproduzir e houve morte natural ao longo do ano. Hoje, se a gente tiver quatro ou cinco capivaras é muito”, disse.

O especialista considera “desastrosa” a retirada de 52 capivaras da orla da Lagoa da Pampulha, em setembro de 2014, como parte de um plano de manejo autorizado pelo Ibama. Na ocasião, os roedores foram levados para dois recintos separados no parque ecológico. Exames feitos pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) apontaram que 28 deles eram portadores da bactéria Rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa.

“Realmente, já passou da hora de se fazer alguma coisa, há um ano atrás. Inclusive, a morte desse menino pode estar ligada ao recolhimento das capivaras. Ao removê-las, colocaram em risco muito mais as pessoas, pois retiraram uma fonte de alimento dos carrapatos e deixaram uma população de parasitas famintos no chão”, disse o professor.
“Foi uma ação desastrosa, tanto do ponto de vista ecológico quanto sanitário e ambiental. Simplesmente prenderam as capivaras, morreram mais da metade delas e depois as soltaram estressadas e cheias de problemas. Isso pode ter desencadeado esse surto que está acontecendo agora”, acredita o professor.

LENTIDÃO Para a fundadora do Movimento Mineiro pelos Direitos dos Animais, Adriana Araújo, desde a década de 1930 há estudos comprovando que Belo Horizonte é região endêmica para o carrapato-estrela. “A prefeitura esperou acontecer uma morte para tomar providência”, reclama. Ela sustenta que, nas audiências públicas para discutir a questão das capivaras na Pampulha, a administração sempre demonstrou mais preocupação com os roedores atacando os jardins de Burle Marx – pensando no título de patrimônio mundial da Unesco – do que propriamente com a presença do carrapato-estrela e a ameaça da febre maculosa. “Houve uma audiência em que a prefeitura mandou o secretário de Cultura, e não o da Saúde”, denuncia.

Adriana está entre os que defendem a permanência das capivaras na Pampulha como barreiras biológicas ao avanço da doença. “Na Universidade de Viçosa, o Ibama retirou as capivaras a mando da Reitoria e os carrapatos começaram a migrar para os prédios, que precisaram ser interditados. Foi aí que surgiu o professor Tarcísio e resolveu o problema.
As capivaras permaneceram como barreiras de proteção. Os carrapatos vão para elas e nelas se faz o combate”, defende.

Ela sustenta que, se houver retirada dos roedores da Pampulha, os carrapatos podem migrar para vários outros hospedeiros. “A orla da Pampulha é rodeada por haras, hípicas e tem média de 250 carroceiros, conforme números da própria prefeitura. O cavalo é hospedeiro mais frequente do carrapato-estrela do que a capivara”, completa Adriana, lembrando que o foco do combate à doença não podem ser os hospedeiros, mas o próprio parasita.



Mobilização em secretarias

A Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura informou que foi feita uma reunião na sede do Ibama em Belo Horizonte, com representantes do Ministério Público, da Fundação Zoo-Botânica, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, da Sudecap e do setor de Zoonoses, em que ficou decidida a formação de um grupo de trabalho envolvendo esses órgãos para a elaboração de um plano de ações conjuntas de combate ao carrapato-estrela em toda a orla da Pampulha e de manejo da fauna local.

“Inicialmente, a prefeitura avalia a possibilidade de inclusão das ações de combate ao carrapato-estrela e de manejo das capivaras em processo licitatório que está em andamento pela Sudecap, cujo objeto é a contratação de serviços especializados para a realização de monitoramento ambiental e de qualidade das águas na bacia hidrográfica da Lagoa da Pampulha”, informou a Secretaria de Obras.

Já a Secretaria Municipal de Saúde deve divulgar hoje o resultado de exames feitos na região para determinar a incidência do carrapato-estrela. Vários locais foram visitados para coleta do transmissor da febre maculosa. Uma das medidas que deverão ser tomadas é a interdição de áreas infestadas. Ainda de acordo com a Saúde, o relatório indicará as ações a serem adotadas.

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