Jornal Estado de Minas

"Espero que a punição seja justa", diz jovem agredido em boate de BH

Policiais cumpriram mandados de busca e apreensão nas casas de quatro suspeitos - Foto: Ramon Lisboa/EM/DA PressO inquérito que investiga o espancamento do estudante de medicina Henrique Papini, de 22 anos, na manhã de 7 de setembro, na saída da boate Hangar 677, deve ser concluído em, no máximo, 20 dias e pode resultar no indiciamento, por tentativa de homicídio, de dois suspeitos de envolvimento no caso: Rafael Bicalho, de 19, e Thiago Mota Vaz Rodrigues, de 20. Eles aparecem em um vídeo divulgado pela Polícia Civil agredindo o universitário. Os dois voltaram a ser ouvidos na manhã de ontem, assim como um colega deles. Desta vez, Bicalho admitiu ter dado mais do que “um chute” na vítima. Thiago nega participação na briga. Enquanto se recupera das agressões que resultaram em traumatismo craniano e várias lesões pelo corpo, a vítima diz esperar por punição justa. Ao falar ao Estado de Minas, Henrique Papini relembra o horror da violência, fala do seu estado de saúde e de sua visão sobre os agressores.

Na operação de ontem, mandados de busca e apreensão foram cumpridos nas casas de quatro envolvidos. Além das residências de Rafael e Thiago, a polícia esteve também nos endereços de Hélio Alberto Bora, de 19, e Felipe Alvim Gaissler, de 18, que também estavam na boate no dia da confusão, embora este último não tenha sido localizado, já que está viajando para o exterior.
Durante a ação policial, foram apreendidos celulares e roupas usadas pelos jovens no dia do crime. O material será periciado para encontrar vestígios de sangue e apontar comunicação entre os supostos autores.

Ao todo, foram cinco mandados de busca e apreensão – três no Bairro Belvedere e dois na região do Lourdes – e três conduções coercitivas cumpridas na manhã de ontem por equipes do delegado Flávio Grossi, da 4ª Delegacia de Polícia Civil do Barreiro, que investiga o caso. O primeiro imóvel visitado foi a casa de Hélio, na Rua Celso Porfírio Machado, no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Por volta das 6h30, o delegado e dois agentes chegaram ao local. O jovem, que ainda não havia prestado depoimento, teve o celular recolhido pelos policiais e foi levado para a delegacia.

Depois, os policiais seguiram pela mesma rua e chegaram até a casa de Bicalho. O jovem está sendo monitorado por tornozeleira eletrônica por causa de agressões contra a ex-namorada, que teria sido também o pivô da agressão contra Henrique Papini, na saída da Hangar. A garota não estava com Henrique na noite em que ele foi espancado, mas os dois estudam juntos em Barbacena e já tiveram um relacionamento amoroso.
Rafael não foi levado para a delegacia pelos policiais. Como foi apenas intimado, ele chegou ao local em um carro particular.

Outro alvo da polícia era Thiago, mas o cumprimento do mandado contra ele foi mais difícil. Segundo a Polícia Civil, os agentes estiveram em cinco endereços do jovem. Já Felipe não foi encontrado. Familiares e um advogado afirmaram que ele está viajando para a França.

O objetivo da ação, que recebeu o nome da casa de shows próxima ao local do espancamento, foi colher novas provas. “A Operação Hangar ocorreu com intuito de recolher roupas usadas no dia do crime e aparelhos telefônicos para identificar as comunicações entre os suspeitos”, explicou o delegado. Segundo ele, Papini e os quatro suspeitos estavam na boate na noite do crime, mas só se encontraram do lado de fora. Bicalho e seus amigos lanchavam na esquina próxima à casa de shows, quando o universitário passou perto deles.
Houve uma discussão. Eles seguiram o rapaz por cerca de 200 ou 300 metros e, em seguida, começaram as agressões.


Depois de vídeo, envolvido muda versão sobre crime


Imagens das câmeras de segurança de uma empresa, divulgadas pela Polícia Civil, mostram quando Henrique Papini aparece correndo e é seguido pelos agressores. De camisa branca, um deles, identificado como Thiago Rodrigues, dá um chute no universitário, que cai. Em seguida, outro, apontado como Rafael Bicalho, também aparece agredindo a vítima. Outro vídeo mostra o universitário caído na rua e sendo socorrido por amigos. Para o delegado, Thiago e Rafael Bicalho têm participação direta na agressão. “Foi um encontro ao acaso. Ele estava sendo ameaçado antes, mas não foi premeditado”, explica.

Ontem, os dois prestaram depoimento. Ao ser ouvido anteriormente pelo delegado, Bicalho afirmou que havia dado apenas um chute na vítima. Porém, ao ser questionado novamente, mudou a versão e confessou que deu socos e chutes no universitário.
“Inicialmente, Rafael só admitia ter dado um chute no Henrique Papini, o que não condiz com as falas de testemunhas. No laudo do IML (Instituto Médico Legal) ficou claro que a vítima teve várias lesões contusas na face, no crânio, no corpo, ou seja, indicativo claro de que não foi uma lesão só”, disse o delegado.

Thiago negou ter agredido Henrique Papini. Porém, a Polícia Civil conseguiu imagens dele no dia depois do espancamento em que aparece com uma bota ortopédica. “Ele negou e falou que a lesão já existia anteriormente”, explicou o delegado. Ele levou um tênis que estaria usando no dia do crime para ser analisado.

- Foto: Facebook/Reprodução

Ao EM, Henrique Papini contou que saía da boate na companhia de um amigo e que se dirigia para pegar um táxi de volta para casa quando foi surpreendido pelos agressores. “Eles me pegaram pelas costas. Fui derrubado a primeira vez. Consegui me levantar, mas me derrubaram de novo e começaram a chutar minha cabeça. Foi tudo muito rápido e eu logo fiquei desacordado. Vi que ele (Rafael) estava com amigos.
Mas não sei se eles eram quatro ou cinco, ao todo”, lembra o jovem.

O inquérito está em sua fase final. Segundo o delegado, Rafael Bicalho e Thiago devem responder por tentativa de homicídio. “Até o presente momento, há indicação de tentativa de homicídio dos dois. O inquérito deve ser fechado em 10 a 20 dias, no máximo”, comenta Flávio Grossi, que completa: “Os outros estão dentro da mecânica no crime, mas a participação deles ainda tem que ser individualizada”.

Advogados dos suspeitos abordados pela reportagem do Estado de Minas no local informaram que não iriam se posicionar sobre o caso.

ENTREVISTA

"Espero que a punição seja justa, de acordo com a gravidade do que fizeram"

Henrique Figueiredo Papini de Moraes, de 22 anos, vítima de espancamento na saída da boate Hangar 677, em 7 de setembro, quando foi agredido por jovens


Como está o seu processo de recuperação?

A meningite que tive, em decorrência do traumatismo craniano, já está curada. Mas estou com perda completa de audição no ouvido esquerdo por causa do sangue que está coagulado lá dentro e terei que fazer um tratamento para isso, futuramente. Também estou com perda de movimento na metade do rosto em função do espancamento.

E como fica o fator emocional?

Estou bem. Tento evitar pensar nisso e estamos deixando nas mãos da Justiça. Estamos acompanhando os desdobramentos, claro. Isso é inevitável, porque as pessoas me marcam e também a meus familiares, no Facebook, mandam informações no WhatsApp. Mas tento evitar.

Você tem lembranças do dia da agressão?

Até o momento em que me agrediram, eu me lembro de tudo.  Estava saindo com um amigo para pegar um táxi, de volta para casa. Eles me pegaram pelas costas. Fui derrubado. Consegui me levantar. Não vi ninguém direito, porque foi tudo muito rápido. Mas vi que era muita gente. O vídeo e as testemunhas mostram e contam. Não sei se eles eram quatro ou cinco ao todo. Eles me derrubaram de novo e começaram a chutar minha cabeça. Foi tudo muito rápido e eu fiquei desacordado.

A moça que teria motivado a agressão estava com você?

Não. Ela é ex-namorada do Rafael e nós nos conhecemos em Barbacena, onde “ficamos”. Ele descobriu e ficou com ciúmes.

Qual é seu sentimento em relação aos agressores?

Acho que como há um certo pensamento de impunidade de modo geral na sociedade, as pessoas acham que nada vai acontecer. No caso do Rafael, inclusive, porque ele já fez outras vezes. Acha que não vai ter consequências.

O que você deseja que aconteça daqui para a frente?

Espero que eles paguem o preço e que até fiquem presos, se for o caso. Espero que a punição seja justa, de acordo com a gravidade do que fizeram.

Como sua família está reagindo diante de toda essa história?

Agora, o clima melhorou um pouco na minha casa, mas no início estava bem pesado.

Você já retornou à sua vida normal?

Ainda não. Ainda estou sob observação médica. Vou voltar para Barbacena, para a universidade. Está tendo aula e eu não tranquei o semestre, mas não sei ao certo que dia vou poder voltar.

CRONOLOGIA DO CASO


7 de setembro – Na madrugada do Dia da Independência, o estudante de medicina Henrique Figueiredo Papini de Moraes, de 22 anos, estava em companhia de um amigo na casa de eventos Hangar 677, no Bairro Olhos D’água, Região do Barreiro, em Belo Horizonte.  Na saída, foi surpreendido pelo ex-namorado de uma jovem com a qual teve um relacionamento amoroso e colegas do rapaz, que espancaram o estudante. Henrique sofre traumatismo craniano e de face e é internado em coma.

- Polícia Civil abre inquérito para apurar o caso. Rafael e amigos prestam depoimento ao longo da semana e polícia começa trabalho para coleta de provas e análise de imagens.

10 de setembro –
Henrique teve alta, mas voltou a ser internado seis dias depois por apresentar um quadro de meningite traumática, devido ao traumatismo craniano e outros ferimentos.

16 de setembro –
Rafael Bicalho foi preso por violência doméstica contra uma ex-namorada, que dispunha de medida protetiva contra ele e havia se relacionado com Henrique Papini

24 de setembro –
Rafael foi solto depois de uma audiência com sua defesa, mas com monitoramento por tornozeleira eletrônica.

10 de outubro –  Polícia Civil desencadeia Operação Hangar e cumpre três mandados de condução coercitiva e cinco de busca e apreensão contra envolvidos no espancamento. Durante a ação policial, foram apreendidos celulares e roupas usadas pelos jovens no dia do crime.

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