Januária, Bonito de Minas, Chapada Gaúcha, Arinos, Urucuia – O buriti que se mira no espelho d’água vai se firmando mais e mais como um traço do passado retido na memória de antigos moradores, em fotografias e na bela imagem literária de Guimarães Rosa.
Sessenta anos depois do lançamento de Grande sertão: veredas, obra-prima do escritor, o cenário descrito pelo jagunço Riobaldo, que dá voz à trama, é bem diverso. A simples presença da palmeira já não é mais indício de água na imensidão do cerrado.
As veredas que mataram a sede do narrador da saga, de Diadorim e Zé Bebelo, hoje agonizam e perdem a capacidade de armazenar o líquido no período chuvoso para alimentar córregos e rios ao longo do ano, constatou o Estado de Minas.
No último mês, a reportagem percorreu 2,1 mil quilômetros em 11 municípios na rota dos personagens de Rosa no Norte e Noroeste de Minas Gerais para ver de perto a situação dos brejos, como é chamado pelos sertanejos esse importante ecossistema. O resultado dessa viagem, que incluiu passagens por locais de difícil acesso e entrevistas com dezenas de moradores e especialistas, será mostrado na série que o EM publica a partir de hoje.
O veredito é trágico. Setenta por cento das veredas estão ameaçadas de desaparecer em curto prazo, continuamente maltratadas pelas mãos do homem, revela a pesquisadora do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Maria das Dores Magalhões Veloso, a Dora, que há oito anos se debruça sobre o tema.
Praticamente todas já sofreram algum tipo de impacto e várias estão completamente secas, resultado de incessante degradação: desmatamento, queimadas, monocultura de eucaliptos, produção de carvão, abertura de estradas, projetos de agropecuária mal planejados, pisoteio do gado e assoreamento. Danos que deixam suas marcas nas dezenas de mananciais secos e no sofrimento de centenas de famílias, animais e aves.
Onde antes havia fartura, hoje falta água. As “macias terras, agradáveis”, na definição de Rosa, endurecem. Nem mesmo o início do período chuvoso, prenúncio de recuperação dos cursos d’água, guarda o mesmo significado nos 60 anos que separam o lançamento do livro e hoje.
Destruídas as veredas – que funcionam como uma espécie de esponja –, falta reservatório para reter a água da chuva e, numa liberação lenta, perenizar os rios, explica o analista ambiental do Instituto Estadual de Florestas (IEF) Jairo Wilson Viana, que monitora os brejos em Bonito de Minas.
“Qualquer processo degradante em veredas – fogo, abertura de estradas, pastoreio, agricultura no cerrado e na própria área do brejo – reduz o armazenamento de água, porque o solo turfoso, esponjoso, torna-se compacto e o líquido é escoado rapidamente, e não na hora certa, para o leito dos rios”, reforça Dora.
Jairo e Dora – a pesquisadora que integra o projeto “Vereda Vida”, desenvolvido pela Unimontes em parceria com o Ministério Público Estadual – acompanharam o Estado de Minas nas visitas à zona rural de Bonito de Minas. Com eles a reportagem percorreu cerca de 300 quilômetros no município, rompendo estradas em más condições, cheias de bancos de areia, acessíveis apenas por meio de veículos altos e com tração.
Na região, dezenas de veredas, como a sofrida Pindaibal (fotos acima), formam os cursos que deságuam no Rio Pandeiros, afluente do São Francisco. Citado na obra de Rosa, o Pandeiros concentra o chamado “pantanal mineiro”, considerado o mais importante berçário de peixes do Velho Chico.
“Esta região já teve muita fartura de água. Mas hoje os mananciais diminuíram muito por conta do secamento das veredas”, afirma Jairo. Segundo ele, há registros de que em 1956, ano da publicação de Grande sertão: veredas, o Pandeiros tinha uma vazão de 50 metros cúbicos por segundo (m3/s), que hoje foi reduzida para 8 m3/s. O pantanal do Pandeiros também sofreu uma drástica redução. Há 11 anos, tinha uma área alagada de 15 hectares, agora restrita a seis.
MENOS VAZÃO O problema ultrapassa o Norte e o Noroeste de Minas, atingindo também o Centro-Oeste do estado, onde o fotógrafo Beto Novaes flagrou uma vereda seca, em fazenda da cidade de Pompéu. O impacto atinge a água ao longo de toda a bacia do Velho Chico, o maior rio que nasce e deságua no território nacional, com 2,8 mil quilômetros de comprimento e área de 641 mil quilômetros quadrados, afirma Leandro Gabriel da Costa, secretário-executivo do Conselho Federal da Bacia do São Francisco. Ao longo da viagem, a reportagem viu ainda os sinais da destruição causada pelo inimigo mortal das veredas: o fogo.
Sessenta anos depois do lançamento de Grande sertão: veredas, obra-prima do escritor, o cenário descrito pelo jagunço Riobaldo, que dá voz à trama, é bem diverso. A simples presença da palmeira já não é mais indício de água na imensidão do cerrado.
As veredas que mataram a sede do narrador da saga, de Diadorim e Zé Bebelo, hoje agonizam e perdem a capacidade de armazenar o líquido no período chuvoso para alimentar córregos e rios ao longo do ano, constatou o Estado de Minas.
No último mês, a reportagem percorreu 2,1 mil quilômetros em 11 municípios na rota dos personagens de Rosa no Norte e Noroeste de Minas Gerais para ver de perto a situação dos brejos, como é chamado pelos sertanejos esse importante ecossistema. O resultado dessa viagem, que incluiu passagens por locais de difícil acesso e entrevistas com dezenas de moradores e especialistas, será mostrado na série que o EM publica a partir de hoje.
O veredito é trágico. Setenta por cento das veredas estão ameaçadas de desaparecer em curto prazo, continuamente maltratadas pelas mãos do homem, revela a pesquisadora do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Maria das Dores Magalhões Veloso, a Dora, que há oito anos se debruça sobre o tema.
Praticamente todas já sofreram algum tipo de impacto e várias estão completamente secas, resultado de incessante degradação: desmatamento, queimadas, monocultura de eucaliptos, produção de carvão, abertura de estradas, projetos de agropecuária mal planejados, pisoteio do gado e assoreamento. Danos que deixam suas marcas nas dezenas de mananciais secos e no sofrimento de centenas de famílias, animais e aves.
Onde antes havia fartura, hoje falta água. As “macias terras, agradáveis”, na definição de Rosa, endurecem. Nem mesmo o início do período chuvoso, prenúncio de recuperação dos cursos d’água, guarda o mesmo significado nos 60 anos que separam o lançamento do livro e hoje.
Destruídas as veredas – que funcionam como uma espécie de esponja –, falta reservatório para reter a água da chuva e, numa liberação lenta, perenizar os rios, explica o analista ambiental do Instituto Estadual de Florestas (IEF) Jairo Wilson Viana, que monitora os brejos em Bonito de Minas.
“Qualquer processo degradante em veredas – fogo, abertura de estradas, pastoreio, agricultura no cerrado e na própria área do brejo – reduz o armazenamento de água, porque o solo turfoso, esponjoso, torna-se compacto e o líquido é escoado rapidamente, e não na hora certa, para o leito dos rios”, reforça Dora.
Jairo e Dora – a pesquisadora que integra o projeto “Vereda Vida”, desenvolvido pela Unimontes em parceria com o Ministério Público Estadual – acompanharam o Estado de Minas nas visitas à zona rural de Bonito de Minas. Com eles a reportagem percorreu cerca de 300 quilômetros no município, rompendo estradas em más condições, cheias de bancos de areia, acessíveis apenas por meio de veículos altos e com tração.
Na região, dezenas de veredas, como a sofrida Pindaibal (fotos acima), formam os cursos que deságuam no Rio Pandeiros, afluente do São Francisco. Citado na obra de Rosa, o Pandeiros concentra o chamado “pantanal mineiro”, considerado o mais importante berçário de peixes do Velho Chico.
“Esta região já teve muita fartura de água. Mas hoje os mananciais diminuíram muito por conta do secamento das veredas”, afirma Jairo. Segundo ele, há registros de que em 1956, ano da publicação de Grande sertão: veredas, o Pandeiros tinha uma vazão de 50 metros cúbicos por segundo (m3/s), que hoje foi reduzida para 8 m3/s. O pantanal do Pandeiros também sofreu uma drástica redução. Há 11 anos, tinha uma área alagada de 15 hectares, agora restrita a seis.
MENOS VAZÃO O problema ultrapassa o Norte e o Noroeste de Minas, atingindo também o Centro-Oeste do estado, onde o fotógrafo Beto Novaes flagrou uma vereda seca, em fazenda da cidade de Pompéu. O impacto atinge a água ao longo de toda a bacia do Velho Chico, o maior rio que nasce e deságua no território nacional, com 2,8 mil quilômetros de comprimento e área de 641 mil quilômetros quadrados, afirma Leandro Gabriel da Costa, secretário-executivo do Conselho Federal da Bacia do São Francisco. Ao longo da viagem, a reportagem viu ainda os sinais da destruição causada pelo inimigo mortal das veredas: o fogo.