Jornal Estado de Minas

Queimadas criminosas acabam com as veredas no cerrado mineiro

Área de vereda foi transformada em pasto, prejudicando nascentes - Foto: Solon Queiroz/Esp.EM/D.A PRESSBonito de Minas, Chapada Gaúcha – Sessenta anos depois de sua criação, os zebebelos e os hermógenes seguem se enfrentando sob o sol nas páginas de Grande sertão: veredas, imortalizados pela maestria de Guimarães Rosa.

Fora delas, parte do cenário real – os oásis do cerrado – se perde para sempre, consumido pelo fogo. No centro da devastação, o homem, patrocinador das queimadas criminosas, numa guerra sem vencedores.

A destruição da vegetação da vereda permite a formação de pasto, um benefício imediato e passageiro, mas destrói as nascentes, um prejuízo permanente, explica o técnico do Instituto Estadual de Florestas (IEF) Jairo Viana.


A guerra é dura. Em Bonito de Minas, o Estado de Minas presenciou o combate ao fogo na Vereda da Ema, em 4 de outubro, numa ação que durou quatro dias e envolveu equipes de brigadistas com apoio de um avião do Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Previncêndio) do IEF (foto acima).

“Uma vereda da região ficou queimando 128 dias e o fogo só se apagou depois que choveu”, conta Viana, ao explicar que as chamas atingem não apenas os buritis, mas também a turfa, a matéria orgânica acumulada no subsolo, a quatro ou cinco metros de profundidade. “Para extinguir o fogo abaixo da superfície é preciso que o solo fique encharcado e só a chuva pode fazer isso”, completa.

Os prejuízos são imensos. A queima da turfa leva ao secamento da vereda.

Somente no incêndio presenciado pelo EM, foram queimados 178 hectares ao longo de 2,5 quilômetros da Ema, que tem quilômetros de extensão. Em outro ponto da mesma vereda, localizado abaixo de uma barragem, uma área exibe sinais de queimada ocorrida há dois meses, que devastou cerca de 145 hectares. Agricultor Joaquim Barbosa lamenta situação das veredas e se recorda de um tempo em que a água era abundante na região de Bonito de MInas - Foto: Solon Queiroz/Esp.EM/D.A PRESS

No local foram vistos bois se alimentando de capim-gordura, espécie nativa nas veredas, que brota após o fogo. “Infelizmente, produtores ateiam fogo na vegetação para depois usar o broto do capim para alimentar o gado.

O problema é que eles conseguem o pasto, mas destroem para sempre as nascentes”, diz o técnico, salientando que “99% das queimadas nas veredas da região são criminosas”. Outro impacto ambiental é provocado pelo pisoteio do gado, que entope as nascentes, destaca.

SEM ESPERANÇA A degradação gerada pelas queimadas é visível na região de Pandeiros, também no município de Bonito de Minas. Em veredas que já ocuparam grandes áreas inundadas, hoje há buritis mortos, vegetação seca e chão esturricado.
Na Vereda da Capivara, que se estende por 6,5 quilômetros, a água secou há 10 anos.

“Ela perdeu toda  a sua caracterização. O solo foi totalmente modificado após um processo intenso de degradação provocado pelas queimadas”, afirma a pesquisadora Maria das Dores Magalhães Veloso, a Dora, do Departamento de Biologia da Unimontes, que acompanhou a reportagem ao local, de difícil acesso. Só é possível chegar até a Capivara em carro alto e de tração, pelo meio do mato, devido à falta de estradas.

Em quatro dias, fogo consumiu 178 hectares da Vereda da Ema - Foto: Solon Queiroz/Esp.EM/D.A PRESS
O solo turfoso da vereda tornou-se arenoso após sucessivas queimadas. No lugar que já foi ocupado por buritis e a gramínea característica das nascentes, hoje são vistas plantas do cerrado. “A vereda está totalmente antropizada. Primeiro foi a ocupação das terras pelo homem. Depois, vieram as queimadas, seguidas da criação de gado.
Dificilmente vamos reverter a situação”, lamenta a pesquisadora.

Ainda no município de Bonito de Minas, a vereda do Pindaibal, que forma o córrego de mesmo nome, já foi cheia o ano inteiro. Agora, a fartura de água faz parte da história mostrada em fotos guardadas pela unidade do IEF do município. A vereda está completamente seca ao longo dos seus 18 quilômetros de extensão.


“É de cortar o coração da gente”, lamenta o agricultor Joaquim Barbosa dos Santos, de 67 anos. Sem nunca ter lido livros, Joaquim acaba confirmando que conheceu o “antigo brejo cheio d’água” no mesmo período do lançamento da obra-prima de Guimarães Rosa, que descreve a fartura hídrica da região naqueles tempos.

“Conheço esta vereda há 60 anos. Antigamente, era só água e brejo. Ninguém passava a pé, e cavalo só atravessava nadando. Isso aqui era um pântano com 10 metros de profundidade. Tinha lugar em que a água chegava a 800 metros de largura”, descreve o agricultor, debaixo de uma ponte no leito vazio do Pindaibal, que cinco quilômetros adiante alcança o Rio Pandeiros.

“Aqui tinha muito peixe”, diz Joaquim Barbosa, lembrando que a vereda Pindaibal começou a secar há 10 anos. O agricultor afirma que os danos ambientais foram provocados por empresas agropecuárias que fizeram plantios de arroz, reflorestamentos e criação de gado na região nas décadas de 1980 e 1990.
Segundo ele, as firmas desmataram as áreas de cerrado e drenaram os brejos. Há cerca de 15 anos, abandonaram os projetos sem reparar os danos que causaram.

Na comunidade de Aldeia, perto do distrito de Serra das Araras, no município de Chapada Gaúcha, o agricultor Joaquim Lopo de Oliveira lamenta o quadro do Rio da Catarina, situado próximo a várias veredas e que, muito assoreado, ficou praticamente seco na maior parte deste ano. “É triste ver  as veredas secando enquanto a gente passa dificuldades pela falta d água.”

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