Jornal Estado de Minas

Degradação das veredas complica a vida dos pequenos produtores

Esaú Santos mostra a madeira que já serviu de pinguela para atravessar terreno alagado - Foto: Solon Queiroz/Esp.EM/D.A PRESSBonito de Minas, Chapada Gaúcha, Urucuia, Arinos – Eles viviam com um certo conforto, tendo em seus terrenos – e até mesmo na porta de casa – água farta, que garantia a produção e o sustento. Atingidos pela degradação e secamento dos oásis do cerrado onde Riobaldo e seus companheiros se refrescam em Grande sertão: veredas, pequenos produtores do Norte e Noroeste de Minas perderam esse privilégio, substituído pelo flagelo, numa transformação radical em suas vidas.


O sertão se alarga. A crise hídrica se impõe às cidades, afetando a qualidade de vida da população e o desenvolvimento econômico. Mas são os pequenos produtores vizinhos dos buritizais, tema da segunda parte desta série de reportagens do Estado de Minas que marca a comemoração dos 60 anos de lançamento da obra-prima de Guimarães Rosa, os primeiros afetados diretamente pelo fim dos brejos. Sem água por perto, o sofrimento enfrentado por eles se repete de sol a sol.

Como o EM mostrou na edição de ontem, as veredas – responsáveis por reter a água das chuvas e alimentar os mananciais ao longo do ano – vêm sendo destruídas, sobretudo pelas queimadas, levando ao secamento das nascentes, no palco da trama rosiana.

A agonia das veredas sufoca o pequeno produtor. “Antigamente, aqui tinha muita água, fartura mesmo. Tinha até peixe. Hoje acabou tudo.
Só ficou areia”, testemunha o agricultor Esaú Ribeiro dos Santos, de 54 anos, sobre um pedaço de madeira que antes servia como pinguela para atravessar o córrego formado pela Vereda Almescla, no município de Bonito de Minas. “Atearam fogo na cabeceira da vereda. Depois do fogo, a água começou a diminuir, até acabar de vez há quatro anos”, relata o pequeno produtor.

A família de Esaú, que antes tinha água em abundância a 50 metros da casa, agora enfrenta um verdadeiro drama para ter acesso ao líquido. A mulher dele, Pedrelina Ribeiro dos Santos, é obrigada recorrer a um olho d’água – pequeno poço – que ainda restou em um ponto da vereda e, em seguida, caminhar cerca de 300 metros com uma lata d’ água na cabeça até a sua casa. É com ela que a família mata a sede e cozinha seus alimentos. Sem água, pobreza é agravada no sertão mineiro - Foto: Solon Queiroz/Esp.EM/D.A PRESS

Pedrelina conta que teve 12 filhos, dos quais cinco moram com ela e Esaú. Os outros, “mais velhos”, se casaram ou saíram para trabalhar. A família vive em uma casa coberta com palhas de buriti, em situação de extrema pobreza, agravada pela falta d’água.
“Assim não se pode produzir nada”, lamenta Esaú.

Tomar banho e matar a sede dos animais – cenas recorrentes nas veredas de Rosa – não é mais possível na Almescla. “Como a vereda perto de casa secou, tenho que levar os cavalos a uma distância de quatro quilômetros, no Rio Pandeiros, para dar água para eles, conta o pequeno produtor. “Ou então, temos que ir lá buscar a água no rio e, depois, dar água para os animais no balde”,  acrescentou. O mesmo percurso é feito pela família quando deseja um banho mais completo que o de balde no quintal de casa.

Vestígios de antigos plantios de cana-de-açúcar, feijão, mandioca e outras culturas de subsistência dão indícios dos motivos que levaram à degradação da Almescla. pequenos agricultores. Proibidos nas veredas, por serem áreas de preservação permanente, os cultivos são de difícil combate, comenta do técnico do Instituto Estadual de Florestas Jairo Wilson Viana, que defende a criação de alternativas de renda para pequenos produtores para que isso não ocorra.


Também no município de Bonito de Minas, a família de Isaura Pereira Santana, de 66, sofre as amarguras do secamento de uma vereda, a do Pindaibal, que garantiu água para a comunidade em seu entorno até 10 anos atrás, quando começou a secar levando consigo o córrego de mesmo nome. A “única salvação” da família é uma cisterna, de onde é água para beber e fazer comida.

No dia que recebeu a reportagem, no início de outubro, pingos de chuva encheram Isaura de esperança.

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