Bonito de Minas, Chapada Gaúcha, Arinos, Urucuia e Montes Claros – Há dois anos, 7,2 mil mudas de buritis e outras espécies nativas dos brejos do cerrado viajaram 50 quilômetros em um caminhão, passando por trechos de difícil acesso na zona rural de Bonito de Minas, no Norte do estado.
Cultivadas por um produtor da região, elas foram plantadas por estagiários e alunos do mestrado de biologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) na Vereda do Buriti Grosso, degradada por projeto agrícola nas décadas de 1970 e 1980, que levou a seu secamento.
A área, onde parte dos buritis que não tombaram são hoje apenas caules secos de pé imitando postes de luz, transformou-se em um grande canteiro (foto no alto da página), alimentando a esperança de renascimento do brejo e, com ele, a recuperação dos mananciais e da fauna, especialmente dos pássaros, no trajeto rosiano.
O trabalho de recuperação é realizado pela Unimontes e o Ministério Público de Minas Gerais, com o apoio de uma empresa que adquiriu a área de 18 quilômetros na bacia do Rio Pandeiros, transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RNPN).
Entretanto, como outras iniciativas do tipo, que “longe em longe” vão tentando trazer de volta as veredas, é oneroso e exige muito esforço, ressalta a pesquisadora Maria das Dores Magalhães Veloso, a Dora, responsável pelo Projeto Vereda Viva, do Departamento de Biologia da universidade. “No princípio, houve uma mortandade considerável de mudas, mas depois a situação se estabilizou e o replantio foi possível”, relata. As plantas são monitoradas e seu crescimento é medido a cada seis meses.
A extinção do solo turfoso – formado de matéria orgânica – que ocorre quando uma vereda chega a um processo avançado de degradação torna ainda mais espinhoso o caminho da regeneração. “Mas imagino que dentro de 15 ou 16 anos a Buriti Grosso possa ser recuperada”, sonha Dora, lembrando que os rios da região são abastecidos quase que exclusivamente por águas de veredas.
Outras áreas de nascentes do Norte de Minas estão na rota do Vereda Viva. O projeto inclui mapeamento de brejos na região, desenvolvimento de projetos de restauração, identificação de processos de degradação e aplicação de medidas corretivas ou mitigadoras, explica Dora. Amante da natureza, ela comprou um terreno, com um grupo de amigos, apenas para preservar o Lago do Amor, nascente na bacia do Rio Pandeiros.
COMBATE À EROSÃO A esperança também se renova nos 11,13 mil hectares do Parque Estadual de Serra das Araras, no município de Chapada Gaúcha, onde é feito um trabalho de prevenção e combate à erosão. Apesar de o terreno abrigar 65 veredas, a empresa reflorestadora que era dona da área chegou a usar o degradante sistema de desmatamento “correntão” para suprimir a vegetação nativa e plantar eucalipto e pinus, conta o administrador da reserva, Fábio Melo Barbosa.
Resultado: o solo tornou-se arenoso, propenso à erosão. “Além de cercar as áreas, buscando a regeneração natural, fazemos o combate às voçorocas, com a contenção da areia. Isso ajuda a proteger as veredas”, explica.
Num exemplo de consciência ambiental, o produtor Américo Martins Filho cercou 1 mil hectares de sua propriedade, em Santa Cruz, ao lado de um pequeno núcleo urbano, com escola, posto de saúde e outros serviços, que fundou no município de Urucuia. “Na verdade, eu era fazendeiro convencional e agora estou retribuindo para a natureza uma parcela do que já tirei dela”, diz Martins Filho, que cobra maior atuação dos órgãos ambientais.
“Todos nós devemos ter consciência de que a árvore é o único ser vivo que não corre e não sabe pedir socorro quando é atacado”, diz ele.
PÁSSAROS EM RISCO A conservação das veredas representa ainda a preservação da fauna, especialmente as aves como araras, papagaios e periquitos, dependentes dos buritis para se acasalar, fazer seus ninhos e se alimentar. Não foi por acaso que o jagunço Riobaldo Tatarana fez muitas menções à cantoria de pássaros junto aos buritis.
As cenas encantam, mesmo onde há destruição, como os casais de arara-canindé se aproximando dos ninhais no alto dos pés de buriti flagrados pela reportagem do Estado de Minas em uma das veredas de Urucuia, que teve a sua cabeceira atingida por queimada.
Segundo o professor de botânica e pesquisador Santos D’Ângelo, do Departamento de Biologia da Unimontes, cerca de 260 espécies de pássaros recorrem às áreas úmidas das veredas para se reproduzir e buscar alimento. Arara-canindé, andorinha-do-buriti e o limpa-folha-do-buriti são alguns deles, cita o analista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Montes Claros Daniel Felipe Dias, especialista em pássaros. “Quando uma vereda é extinta, uma parte da fauna morre junto com ela”, afirma, ao ressaltar a importância de projetos de desenvolvimento sustentável no sertão.
“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe o homem humano. Travessia”, diz Guimarães Rosa, na voz do jagunço Riobaldo, no fim de Grande sertão: veredas. O estrago está feito, mas o caminho permanece aberto. Travessia para preservar a vida.
Monitoramento por satélite
Os danos provocados pelo fogo nas veredas aumentaram nos últimos anos e já podem ser observados por satélite, especialmente na região de Januária e Bonito de Minas, visitada pela reportagem do Estado de Minas e que é berço de importantes rios como o Pandeiros e o Peruaçu. De acordo com o supervisor regional do Instituto Estadual de Florestas (IEF) em Januária, Mário Lúcio Santos, somente entre julho e novembro de 2015, as queimadas devastaram 39 mil hectares na região e atingiram mais de 100 veredas.
Agonia em série
Desde domingo, o Estado de Minas vem mostrando a situação das veredas em 2,1 mil quilômetros do trajeto rosiano percorridos pela reportagem em 11 cidades. A primeira matéria abordou o impacto da degradação dos oásis do cerrado – provocada especialmente pelos incêndios criminosos – sobre as nascentes e rios. Na edição de segunda-feira, o EM contou o drama das famílias e pequenos produtores afetados pelo secamento das veredas. Ontem, mostrou a devastação dos brejos cortados por estradas construídas sem o devido cuidado.
Cultivadas por um produtor da região, elas foram plantadas por estagiários e alunos do mestrado de biologia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) na Vereda do Buriti Grosso, degradada por projeto agrícola nas décadas de 1970 e 1980, que levou a seu secamento.
A área, onde parte dos buritis que não tombaram são hoje apenas caules secos de pé imitando postes de luz, transformou-se em um grande canteiro (foto no alto da página), alimentando a esperança de renascimento do brejo e, com ele, a recuperação dos mananciais e da fauna, especialmente dos pássaros, no trajeto rosiano.
O trabalho de recuperação é realizado pela Unimontes e o Ministério Público de Minas Gerais, com o apoio de uma empresa que adquiriu a área de 18 quilômetros na bacia do Rio Pandeiros, transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RNPN).
Entretanto, como outras iniciativas do tipo, que “longe em longe” vão tentando trazer de volta as veredas, é oneroso e exige muito esforço, ressalta a pesquisadora Maria das Dores Magalhães Veloso, a Dora, responsável pelo Projeto Vereda Viva, do Departamento de Biologia da universidade. “No princípio, houve uma mortandade considerável de mudas, mas depois a situação se estabilizou e o replantio foi possível”, relata. As plantas são monitoradas e seu crescimento é medido a cada seis meses.
A extinção do solo turfoso – formado de matéria orgânica – que ocorre quando uma vereda chega a um processo avançado de degradação torna ainda mais espinhoso o caminho da regeneração. “Mas imagino que dentro de 15 ou 16 anos a Buriti Grosso possa ser recuperada”, sonha Dora, lembrando que os rios da região são abastecidos quase que exclusivamente por águas de veredas.
Outras áreas de nascentes do Norte de Minas estão na rota do Vereda Viva. O projeto inclui mapeamento de brejos na região, desenvolvimento de projetos de restauração, identificação de processos de degradação e aplicação de medidas corretivas ou mitigadoras, explica Dora. Amante da natureza, ela comprou um terreno, com um grupo de amigos, apenas para preservar o Lago do Amor, nascente na bacia do Rio Pandeiros.
COMBATE À EROSÃO A esperança também se renova nos 11,13 mil hectares do Parque Estadual de Serra das Araras, no município de Chapada Gaúcha, onde é feito um trabalho de prevenção e combate à erosão. Apesar de o terreno abrigar 65 veredas, a empresa reflorestadora que era dona da área chegou a usar o degradante sistema de desmatamento “correntão” para suprimir a vegetação nativa e plantar eucalipto e pinus, conta o administrador da reserva, Fábio Melo Barbosa.
Resultado: o solo tornou-se arenoso, propenso à erosão. “Além de cercar as áreas, buscando a regeneração natural, fazemos o combate às voçorocas, com a contenção da areia. Isso ajuda a proteger as veredas”, explica.
Num exemplo de consciência ambiental, o produtor Américo Martins Filho cercou 1 mil hectares de sua propriedade, em Santa Cruz, ao lado de um pequeno núcleo urbano, com escola, posto de saúde e outros serviços, que fundou no município de Urucuia. “Na verdade, eu era fazendeiro convencional e agora estou retribuindo para a natureza uma parcela do que já tirei dela”, diz Martins Filho, que cobra maior atuação dos órgãos ambientais.
“Todos nós devemos ter consciência de que a árvore é o único ser vivo que não corre e não sabe pedir socorro quando é atacado”, diz ele.
PÁSSAROS EM RISCO A conservação das veredas representa ainda a preservação da fauna, especialmente as aves como araras, papagaios e periquitos, dependentes dos buritis para se acasalar, fazer seus ninhos e se alimentar. Não foi por acaso que o jagunço Riobaldo Tatarana fez muitas menções à cantoria de pássaros junto aos buritis.
As cenas encantam, mesmo onde há destruição, como os casais de arara-canindé se aproximando dos ninhais no alto dos pés de buriti flagrados pela reportagem do Estado de Minas em uma das veredas de Urucuia, que teve a sua cabeceira atingida por queimada.
Segundo o professor de botânica e pesquisador Santos D’Ângelo, do Departamento de Biologia da Unimontes, cerca de 260 espécies de pássaros recorrem às áreas úmidas das veredas para se reproduzir e buscar alimento. Arara-canindé, andorinha-do-buriti e o limpa-folha-do-buriti são alguns deles, cita o analista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Montes Claros Daniel Felipe Dias, especialista em pássaros. “Quando uma vereda é extinta, uma parte da fauna morre junto com ela”, afirma, ao ressaltar a importância de projetos de desenvolvimento sustentável no sertão.
“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe o homem humano. Travessia”, diz Guimarães Rosa, na voz do jagunço Riobaldo, no fim de Grande sertão: veredas. O estrago está feito, mas o caminho permanece aberto. Travessia para preservar a vida.
Monitoramento por satélite
Os danos provocados pelo fogo nas veredas aumentaram nos últimos anos e já podem ser observados por satélite, especialmente na região de Januária e Bonito de Minas, visitada pela reportagem do Estado de Minas e que é berço de importantes rios como o Pandeiros e o Peruaçu. De acordo com o supervisor regional do Instituto Estadual de Florestas (IEF) em Januária, Mário Lúcio Santos, somente entre julho e novembro de 2015, as queimadas devastaram 39 mil hectares na região e atingiram mais de 100 veredas.
Agonia em série
Desde domingo, o Estado de Minas vem mostrando a situação das veredas em 2,1 mil quilômetros do trajeto rosiano percorridos pela reportagem em 11 cidades. A primeira matéria abordou o impacto da degradação dos oásis do cerrado – provocada especialmente pelos incêndios criminosos – sobre as nascentes e rios. Na edição de segunda-feira, o EM contou o drama das famílias e pequenos produtores afetados pelo secamento das veredas. Ontem, mostrou a devastação dos brejos cortados por estradas construídas sem o devido cuidado.