A viagem tinha sido ótima, as companhias, melhores ainda, e o retorno a Belo Horizonte, sem problemas. Mas a funcionária pública aposentada Maria Elisa Ruas, de 80 anos, moradora da Savassi, na Região Centro-Sul da capital, não esperava um desembarque tão perigoso no Terminal Turístico JK, próximo à Praça Raul Soares, na mesma região. Logo depois de sair do ônibus que a trouxe de Aparecida (SP), na noite de domingo, e se dirigir à Rua Timbiras para pegar um táxi, ela enfiou o pé em um buraco na calçada, caiu com o rosto no chão e machucou uma das mãos. O resultado foi uma noite no hospital, dores que continuam por todo o corpo e, principalmente, muita indignação.
Enquanto se restabelece em seu apartamento, Maria Elisa conta que chegou a BH às 23h de domingo, depois de participar das homenagens a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, e assistir ao show do tenor Andrea Bocelli. “Foi tudo maravilhoso, havia muita gente, só que eu não esperava acontecer algo assim na chegada. Estava com sacolas na mão e acenei para um taxista, que, em vez de me ajudar com a bagagem, simplesmente mandou que eu entrasse no carro”, lamenta a aposentada, que depois do acidente teve de ficar sob os cuidados de um neurologista e de um ortopedista, foi submetida a uma série de exames e ganhou uma atadura na mão, além das manchas roxas.
“Talvez tenha que fazer uma cirurgia no nariz e estou preocupada com o olho, pois meu rosto está muito machucado. Fiquei com dor de cabeça, o pé dói, afinal bati com o corpo inteiro no chão”, diz Maria Elisa, inconformada com o descaso das autoridades com um lugar por onde transitam milhares de pessoas, especialmente idosos que viajam em ônibus de turismo. “Quero que todos saibam desta história, para que fatos assim não se repitam”, diz.
PEDRAS PORTUGUESAS No dia seguinte ao acidente, Maria Elisa levou a equipe do Estado de Minas ao local onde ocorreu a queda. Na calçada, continuam faltando muitas pedras portuguesas, em especial ao lado de uma árvore. Ao ver o cenário, a aposentada afirmou que, se fosse o caso, contrataria um pedreiro e mandaria arrumar o local, de forma a evitar que outras pessoas se machucassem. Ativa, praticante de ioga e com disposição diária para o exercício na bicicleta ergométrica, Maria Elisa queixava-se ontem de que o rosto ainda apresentava hematomas. “Estou com medo de estar com uma hemorragia, mas já fui ao médico e ele me tranquilizou.”
O gerente do Condomínio JK, Manuel Freitas, afirma que é feita a manutenção diária das calçadas, e, nesse caso específico, vai verificar a situação de imediato. Mas destaca que o poder público tem que fazer o serviço, e não se omitir, “já que não temos poder de polícia. “Hoje (ontem) mesmo comuniquei à Polícia Militar para que tome providências em relação ao trânsito de ônibus, muitos clandestinos, aqui no entorno. Eles estacionam em fila dupla, atrapalham o desembarque dos passageiros, enfim, é uma confusão diária, diante da qual a PM e a BHTrans precisam tomar providências”, disse. “Quando os fiscais da prefeitura passam e veem uma calçada faltando pedras portuguesas, devem comunicar e não ir multando”, criticou.
PERIGO As quedas são um dos maiores riscos para os idosos, muitas vezes pelas condições precárias das calçadas de BH, que abrigam verdadeiras armadilhas para pedestres. Segundo informações do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), houve, em 2015, atendimento a 13.108 pessoas com mais de 60 anos, sendo 3.666 por queda. A maior parte dos acidentes nessa faixa etária decorre das chamadas “queda da própria altura” (2.284), a exemplo de tropeços, seguindo-se escorregões (710), quedas de escada (397) e outros fatores, como atropelamento.
Atriz foi vítima
Em julho de 2013, a atriz Beatriz Segall de 90 anos, intérprete de grandes papéis, como a vilã Odete Roittman, na novela Vale tudo, também não hesitou em mostrar as marcas no rosto e denunciar a situação das calçadas no Rio de Janeiro (RJ). Ela ficou de molho por vários dias, depois de um tombo ao tropeçar em pedras portuguesas soltas em um passeio do Bairro Gávea, Zona Sul do Rio, onde ia assistir a uma peça de teatro. A situação resultou até em um pedido público de desculpas pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes.