A duas semanas do marco de um ano da maior tragédia socioambiental da história do Brasil, o Ministério Público Federal (MPF) denuncia 22 pessoas e quatro empresas – Samarco Mineração S.A, BHP Billiton Brasil, a mineradora Vale e a VOGBR Recursos Hídricos e Geotecnia pelo desastre que abalou o país ao matar 19 pessoas e deixar uma mancha de destruição na Bacia do Rio Doce até o Oceano Atlântico. Cabe agora à Justiça Federal acatar ou não a denúncia. Dos acusados, 21 foram enquadrados no crime de homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) pela perda de vidas no desastre de Mariana, na Região Central de Minas.
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Samarco critica MP por 'desconsiderar depoimentos' e afirma que não sabia de riscosVale reage a denúncia sobre Mariana e diz que agirá para comprovar inocênciaMPF denuncia 21 integrantes da cúpula da Samarco por homicídio qualificado Audiência termina com mais 15 acordos entre Samarco e atingidos por barragem Copam confirma multa de R$ 112 milhões à Samarco pela tragédia de MarianaSamarco apresenta planta do novo Bento RodriguesVale diz que retomada de operação da Samarco em meados de 2017 é viávelAposentada reencontra equipe que a salvou do mar de lama na tragédia da SamarcoTragédia em Bento Rodrigues: barragem de rejeitos se rompe em mineradoraJustiça aceita denúncia contra quatro empresas e 22 pessoas pela tragédia de MarianaCom dívidas vencidas, Samarco tem pedido de recuperação judicial na gavetaPresidente da BHP Billiton adia saída por desastre ambiental em MarianaNa lista de denunciados, o engenheiro sênior da VOGBR Samuel Santana Paes Loures é o único que não é acusado de homicídio. Ele e a empresa foram denunciados por crime contra a administração ambiental, acusados de emitir laudo e declaração enganosos sobre a estabilidade da Barragem do Fundão.
Recebida a denúncia, os acusados podem ir a júri popular e estão sujeitos a condenação a até 54 anos de prisão, além de multa, reparação dos danos ao meio ambiente e daqueles causados às vítimas. Pode ser o primeiro crime ambiental a ser julgado em um tribunal do júri no país.
AVISOS O procurador federal José Adércio Leite Sampaio disse que “as denunciadas sabiam dos acontecimentos e deram prioridade ao lucro, em detrimento da segurança”. Segundo ele, inquéritos das polícias Civil e Federal, além de documentos das empresas, foram os principais subsídios do trabalho. “A Barragem do Fundão pedia socorro e poderia se romper. Isso ficou mais claro a partir de 2014. As falhas foram verificadas e estavam em várias atas”, ressaltou. O procurador acrescentou que a partir de atas e documentos apresentados em reuniões foi listado o rol de acusados.
Ele destaca que os problemas começaram desde cedo, tendo a primeira paralisação ocorrido com apenas quatro meses de existência da barragem. E persistiram durante o tempo de operação da represa.
IMPROVISO Em 2012, pela velocidade e quantidade de alteamento (aumento da estrutura) da Barragem do Fundão, houve uma “solução caseira”, nas palavras de Sampaio, tendo sido encomendado a engenheiro recém-contratado pela Samarco a elaboração de projeto de recuo, em um “comportamento irresponsável”. “Em novembro, houve um grande buraco que fez com que tivessem que recuar ainda mais (cerca de 70 metros), e sequer houve projeto ou ele não veio a público em momento algum”, relata o integrante do MPF. “Isso demonstra a reiterada conduta da empresa em colocar esparadrapos estruturais em algo que deveria ter uma resposta contundente”, avalia.
A informação sobre o problema de 2012, segundo as apurações, foram reportadas em 2013 a grupo de consultores internacionais independentes denominado ITRB (International Tailings Review Board), um órgão de auditoria externa. Uma das recomendações foi para resolver rapidamente a questão. “A direção disse que resolveria no fim daquele ano, o que não ocorreu até o rompimento. Essa foi a gota d’agua”, afirma.
‘OMISSÃO CRIMINOSA’ O procurador Eduardo Santos de Oliveira explicou que laudo da Polícia Civil comprova o modo violento como as pessoas tiveram suas vidas ceifadas. Os homicídios foram tratados como qualificados, segundo ele, por terem ocorrido de maneira torpe (a motivação, segundo ele, foi a “ganância da empresa por lucro”) e sem chance de defesa. O procurador Jorge Munhós de Souza, do Espírito Santo, acrescentou que “a tragédia só ocorreu por omissão criminosa e hedionda dos denunciados”.
Não há prazo para possível julgamento dos acusados, caso a Justiça aceite a denúncia. Os procuradores acreditam que a defesa dos denunciados vai protelar ao máximo a ação. Entre os acusados, seis são estrangeiros. Os procuradores informaram que é preciso aguardar qualquer ato relacionado a possíveis extradições, já que o Brasil tem acordo com os países dos quais os denunciados são originários.
Empresas criticam denúncia
A Samarco, a Vale e a BHP rebateram a denúncia do Ministério Público Federal. Em nota, a Samarco “refuta a denúncia do MPF, que desconsiderou as defesas e depoimentos apresentados ao longo das investigações (...) que comprovam que a empresa não tinha qualquer conhecimento prévio de riscos à estrutura”. “A segurança sempre foi uma prioridade na estratégia de gestão da Samarco.”
A empresa garantiu também que a estrutura era regularmente avaliada por autoridades e consultores internacionais representados pelo ITRB (International Tailings Review Board). Destacou, ainda, que a estabilidade foi atestada pela consultora VOGBR.
A Vale informou, também em nota, que adotará “medidas cabíveis perante o Poder Judiciário para comprovar sua inocência e de seus executivos e empregados”. Acrescentou que repudia a denúncia apresentada e reafirmou seu “profundo respeito e total solidariedade para com todos os impactados pelo trágico acidente”. A companhia avaliou que o MPF optou por desprezar “as inúmeras provas apresentadas, a razoabilidade, os depoimentos prestados em quase um ano de investigação que evidenciaram a inexistência de qualquer conhecimento prévio de riscos reais à Barragem do Fundão pela Vale, por seus executivos e empregados, e tenta, injustamente e a todo custo, atribuir-lhes responsabilidade incabível.”
“A Vale, como já sabido e comprovado, jamais praticou atos de gestão operacional na Samarco e tampouco na Barragem do Fundão”, diz a companhia. Segundo a empresa, seus executivos e empregados confirmaram que, como membros do Conselho de Administração e dos Comitês de Assessoramento da Samarco, nunca foram informados sobre quaisquer irregularidades e riscos.
“Muito pelo contrário, frise-se, sempre lhes foi assegurado que a Barragem do Fundão era regularmente avaliada, não só pelas autoridades (...) como também por um renomado grupo de consultores internacionais independentes denominado ITRB, e que toda e qualquer medida por eles proposta para a gestão da estrutura seguia as melhores práticas de engenharia e segurança, (...) tendo também a renomada consultoria VOGBR atestado a estabilidade da Barragem do Fundão”, destacou a Vale.
A BHP Billiton informou que repudia “veementemente as acusações contra a empresa e os indivíduos denunciados e irá apresentar sua defesa (...), prestando também todo o suporte na defesa dos indivíduos denunciados.”
A VOGBR foi procurada para se manifestar sobre a denúncia, mas nenhum representante da empresa foi localizado.
Onda de acusações
Procuradores denunciam 26 pessoas físicas e jurídicas por desastre
- Dessas, 21 são acusadas por homicídio qualificado com dolo eventual (quando se assume o risco de matar)
- Além disso, são acusados de crimes de inundação, desabamento e lesões corporais graves, todos com dolo eventual
- Denunciados respondem ainda por crimes ambientais, os mesmos imputados às empresas Samarco, Vale e BHP Billiton
- Samarco, Vale e BH Billiton vão responder por nove tipos de crimes contra o meio ambiente, de poluição a delitos contra a fauna e a flora, contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural
- Samarco e Vale também são acusadas de três crimes contra a administração ambiental. No total, as três empresas vão responder por 12 tipos de crimes ambientais
- A VOGBR Recursos Hídricos e Geotecnia Ltda. e o engenheiro sênior da empresa Samuel Santana Paes Loures são acusados de crime contra a administração ambiental, por apresentar laudo ambiental falso
A DENÚNCIA
- O MPF lista os problemas ocorridos na Barragem do Fundão e omissão dos denunciados em relação às decisões desde o licenciamento do empreendimento. Segundo a denúncia, os acusados sabiam dos riscos e deram prioridade ao lucro, em detrimento da segurança
- Para a força-tarefa, as investigações mostraram que os denunciados sabiam dos riscos de rompimento da barragem e, em vez de paralisar seu funcionamento, continuaram operando-a de forma irresponsável
- A ação indica que não foi dada a devida importância às comunidades do entorno e que as decisões tomadas foram inconsequentes até mesmo com os funcionários da mineradora. Considera que a empresa não ofereceu treinamento adequado aos empregados e aos membros da comunidade para situações críticas. Também não tinha, para casos de emergência, sirenes ou avisos luminosos
- A Samarco não prestava as informações completas aos órgãos de controle – inclusive os da própria empresa –, nem seguia plenamente as recomendações técnicas de segurança que deles recebia
- A Samarco não seguiu recomendações do Manual de Operação, elaborado em 2007, revisado em 2012 e que deveria ser revisto a cada dois anos – o que não foi feito
- A carta de risco, uma espécie de protocolo de checagem da barragem, também estava desatualizada
- O MPF identificou nas investigações documento interno da Samarco que previa, em caso de rompimento da barragem, a possibilidade de provocar de duas a 20 mortes, dano ambiental grave e paralisação das atividades por até dois anos
Denunciados
EMPRESAS
» Samarco Mineração S/A
» Vale S/A
» BHP Billiton Brasil Ltda
» VOGBR Recursos Hídricos
e Geotecnia Ltda
PESSOAS FÍSICAS
1 - Ricardo Vescovi de Aragão, diretor-presidente afastado da Samarco
2 - Kleber Luiz de Mendonça Terra, diretor de Operações e Infraestrutura da Samarco
3 - Germano Silva Lopes, gerente-geral de Projetos Estruturantes da Samarco
4 - Wagner Milagres Alves, gerente-geral de Operações de Mina da Samarco
5 - Daviely Rodrigues Silva, gerente de Geotecnia e Hidrogeologia da Samarco
6 - Stephen Michael Potter, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale (britânico)
7 - Gerd Peter Poppinga, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale
8 - Pedro José Rodrigues, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale
9 - Hélio Cabral Moreira, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale
10 - José Carlos Martins, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da Vale
11 - Paulo Roberto Bandeira, representante da Vale na Governança da Samarco
12 - Luciano Torres Sequeira, representante da Vale na Governança da Samarco
13 - Maria Inês Gardonyi Carvalheiro, representante da Vale na Governança da Samarco
14 - James John Wilson, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton (sul-africano)
15 - Antonino Ottaviano, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton (australiano)
16 - Margaret MC Mahon Beck, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton (norte-americana)
17 - Jeffery Mark Zweig, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton (francês)
18 - Marcus Philip Randolph, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton (norte-americano)
19 - Sérgio Consoli Fernandes, integrante do Conselho de Administração da Samarco por indicação da BHP Billiton
20 - Guilherme Campos Ferreira, representante da BHP Billiton na Governança da Samarco
21 - André Ferreira Gavinho Cardoso, representante da BHP Billiton na Governança da Samarco
22 - Samuel Santana Paes Loures, engenheiro sênior da VogBR