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Estado de Minas

Combinação de fatores agrava a ameaça de dengue em Minas

Antes mesmo que se termine de contar todos os mortos na pior epidemia da história, Minas se vê diante de combinação de fatores que pode fazer de 2017 um ano ainda pior


postado em 23/10/2016 06:00 / atualizado em 23/10/2016 13:31

Agentes em combate ao mosquito transmissor: desmobilização das equipes de controle é apenas um dos riscos para o ano que vem(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS - 25/01/16)
Agentes em combate ao mosquito transmissor: desmobilização das equipes de controle é apenas um dos riscos para o ano que vem (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS - 25/01/16)

Num ano em que a dengue bateu recorde de contaminação em Minas Gerais, o cenário para encarar 2017 se anuncia preocupante. Com 525.180 casos prováveis da doença (suspeitos e confirmados), segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES), Minas Gerais encabeça a lista nacional e responde por 36,8% dos registros no Brasil (1.426.005) e por 62% das ocorrências da Região Sudeste (841.286), de acordo com o Ministério da Saúde. Médicos e a própria SES ressaltam que a antecipação da época de chuva e a probabilidade de um período mais intenso de precipitações podem favorecer a manutenção de altas densidades do vetor e, como consequência, a ocorrência das demais doenças causadas por ele – zika e febre chikungunya. Outro temor é um retardamento das campanhas de mobilização nos municípios, tendo em vista as mudanças nos quadros de muitas prefeituras. A expectativa é que o mosquito faça cerca de 600 mil vítimas em todo o território mineiro até o fim do ano.

O subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde da SES, Rodrigo Fabiano do Carmo Said, destaca três fatores para o aumento do número de casos – até então, o recorde era do ano de 2013, quando houve 414.185 pessoas infectadas pelo Aedes aegypti. O primeiro deles são as condições ideais de proliferação do vetor, como o adensamento dos espaços urbanos e problemas relacionados à coleta dos resíduos sólidos. “Os estados da Região Sudeste passaram, nos últimos dois anos, por uma crise hídrica que fez com que moradores de algumas regiões armazenassem água, muitas vezes de maneira inadequada para impedir a proliferação do mosquito. E como a expectativa de outra crise não se confirmou, esse foi mais um fator para aumentar os casos”, diz.

Situação semelhante ocorreu no estado de São Paulo, conforme lembra o pesquisador Expedito Luna, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT/USP). A capacidade dessa espécie de se adaptar a condições diferentes impressiona os especialistas. “A grande epidemia de São Paulo em 2015 ocorreu durante o verão mais seco de que se tem notícia aqui. Uma hipótese para explicar o que ocorreu seria que, com a falta de água nas torneiras, as famílias tiveram que armazenar água em casa, em recipientes improvisados, como tonéis, baldes, bacias, quase sempre sem tampas aumentando assim a oferta de criadouros para as fêmeas do Aedes depositarem seus ovos”, explica o professor da USP.

O segundo fator apontado por Rodrigo Said é a introdução do zika vírus em Minas Gerais no fim de 2015. Para o subsecretário, uma parte dos diagnósticos positivos para dengue pode, na verdade, ser zika, uma vez que as duas doenças têm quadro clínico semelhante e não há suporte laboratorial para fazer a distinção. “Orientamos os municípios a elaborar um protocolo de acompanhamento e atendimento que envolve as duas doenças. Se tem dúvida, predomina o protocolo clínico de dengue, porque a probabilidade de óbito por causa dela é maior”, relata. O terceiro, segundo Said, é a circulação predominante no estado do vírus de subtipo DEN-1, que tem grande capacidade de causar epidemias em alta densidade.

Ele destaca a necessidade do reforço das ações de mobilização e do apoio da população. “Em termos epidemiológicos, é um cenário de aumento do risco, por isso é muito importante travarmos ações diante de uma demanda que é única: o combate ao mosquito, um inimigo comum da dengue, zika e febre chikungunya”, afirma. Até o início do mês que vem, será feito o Levantamento Rápido do Índice de Infestação do Aedes aegypti (Liraa) nos 100 municípios considerados prioritários no estado, pelos critérios do Ministério da Saúde. Será possível avaliar se houve aumento da densidade vetorial a partir desse retrato do estado.

INFECTADO A viagem de férias terminou, literalmente, em dor de cabeça para o servidor público Leonardo Henrique Medrado Suarez, de 43 anos, e a mulher dele, a pedagoga Renata Moreira, de 42, em janeiro deste ano. Eles foram com a filha de 9 para Porto de Galinhas (PE) munidos de repelente, velas de citronela e tudo mais que fosse possível para manter o Aedes aegypti bem longe. Duas semanas depois de chegar a Belo Horizonte, os sintomas da dengue apareceram. No posto de saúde, ele conta que o teste do laço deu negativo. Mas diante de dores insuportáveis pelo corpo e de cansaço extremo, fez exame de sangue em laboratório particular, pelo plano de saúde. A dúvida se teve dengue ou zika permanece, já que o próprio médico o informou da impossibilidade de diferenciar.

Leonardo Suarez acredita ter sido contaminado na cidade nordestina, mas conta que convive com o perigo bem ao lado do edifício onde mora. “O vizinho não tem o menor cuidado com os fundos da casa dele. No início do ano, eu e outros moradores do prédio fizemos reclamação formal na prefeitura, porque a caixa d’água dele era destampada. Ou seja, há dois pontos para uma infestação desse tamanho: o cidadão que não se preocupa e o poder público que não fiscaliza”, diz.

Sinal de alerta

Fatores de risco para a próxima epidemia estão ligados à possibilidade de relaxamento do controle ao Aedes aegypti. Confira os principais:

  • Antecipação da temporada de chuvas em relação a anos anteriores, e previsão de precipitações mais intensas, favorecendo a formação de criatórios
  • Ondas de calor intercaladas com as primeiras chuvas, o que favorece a proliferação do mosquito transmissor
  • Fim de mandato de prefeitos que não se reelegeram e que podem descuidar de medidas de combate ao vetor
  • Risco de desmobilização das atuais equipes de controle de zoonoses, pela mesma razão
  • Atraso em repasses estaduais e federais para a saúde denunciado pelo Conselho das Secretarias Municipais de Saúde (Cosems-MG), o que ameaça o combate a endemias
  • Crise econômica que afeta a arrecadação dos municípios
  • Chegada de novas equipes, sem experiência, às administrações municipais que tiveram troca de prefeitos.

Nos primeiros meses do ano, pacientes com sintomas de dengue lotaram os centros de saúde à procura de atendimento(foto: Cristina Horta/EM/D.A PRESS - 28/3/16)
Nos primeiros meses do ano, pacientes com sintomas de dengue lotaram os centros de saúde à procura de atendimento (foto: Cristina Horta/EM/D.A PRESS - 28/3/16)


Sem baixar a guarda


Inverno não combina com Aedes aegypti. O mosquito gosta mesmo é de calor. Temperaturas abaixo de 20 graus atrasam sua multiplicação e, por isso, desde junho, Belo Horizonte registrou uma redução nos casos de dengue. Juntos, os meses de fevereiro, março e abril somaram 129.292 registros e responderam por 83,7% do total de casos confirmados no ano (154.476), de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde. Os números despencaram para 74 confirmações em agosto e 38 no mês passado. Mas é justamente nesse período de calmaria que mora o perigo, segundo a gerente de Vigilância em Saúde da pasta, Maria Tereza da Costa Oliveira. “Ele nos preocupa por causa da capacidade do ovo do mosquito de sobreviver no seco por meses e até mais de ano, o que nos leva ao temor do início da chuva”, relata. E, sendo assim, não dá outra: chove, os ovos eclodem. Depois de uma boa temporada de chuva, bastam 15 dias para o aparecimento dos casos.

Segundo Maria Tereza, é difícil fazer uma previsão para o próximo verão, porque a maioria dos reservatórios dos mosquitos está dentro das casas. “Fazemos centenas de mutirões e, em seguida, a população volta a acumular o que chamamos de ‘lixo-dengue’, como pneus e vasilhames nos quintais, que podem se encher de água e multiplicar o vetor”, afirma. Assim como ocorreu no restante do estado, na capital, o medo da crise hídrica, que levou muita gente a guardar água em baldes e tonéis, fez nascer verdadeiros criadouros. Calhas entupidas e caixas d’água são outras grandes preocupações.

A gerente ressalta a importância de cada um fazer a sua parte e verificar, pelo menos uma vez por semana, se em casa há condições favoráveis ao mosquito. “Os casos diminuíram, mas ela não acabou. O mosquito, os ovos, a chuva e o calor estão aí. É uma questão, principalmente, de cidadania. É uma doença grave que mata. Temos ainda zika trazendo vários problemas para a saúde e chikungunya revelando formas graves, tudo isso com um mosquito que podemos combater dentro de casa.”

A infectologista Lucinéia Carvalhais também alerta: “Se não houver vigilância e ação constante de cada cidadão e cuidado do seu espaço, com a chuva chegando mais cedo podemos ter uma situação agravada. Sempre a culpa é do outro, as pessoas não olham para seu próprio espaço”. Ela lembra que muitos desses mosquitos podem nascer já infectados, já que estudos recentes provaram a possibilidade de a fêmea transmitir o vírus para o ovo. “As epidemias são causadas por uma série de fatores e um deles é o fato de sermos um país tropical, onde chove e faz calor. E é também uma questão demográfica, econômica, de desenvolvimento social, de cultura, porque os maiores focos são pequenos objetos que ficam em casa, como tampinhas. Estamos em 2016 nessa situação e isso traduz o quanto ainda estamos econômica e culturalmente aquém do que deveríamos estar frente a essa doença”, ressalta.

PERÍODO DE TRANSIÇÃO Além da chuva, outra questão pode agravar o enfrentamento do período que se anuncia: as mudanças nas administrações municipais. “Em ano de eleição, os municípios menos organizados e mais vulneráveis à questão política podem sobrepor a crise do país ao problema da transição”, diz a infectologista. Para ela, os efeitos podem ser minimizados pela atuação de técnicos, como aqueles que atuam no orçamento e na previsão de compras.

O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estévão Urbano, também acredita que até todos os integrantes das novas gestões serem alocados, há risco de ações não serem mantidas e reforçadas. “Isso terá um impacto grande nos casos das doenças”, diz. Para evitar a desmobilização ocorrida em 2012 e 2013, quando também houve aumento do número de casos, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) prevê uma série de eventos com os novos gestores municipais e conselhos de saúde para discutir a questão.

Investimentos em programas de prevenção à dengue e outras doenças endêmicas já estão comprometidos em algumas cidades, que também reduziram serviços e fecharam leitos hospitalares por falta de recursos, segundo o presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems-MG), José Maurício Lima Rezende. Em meio à crise na saúde, prefeituras mineiras já anunciam uma enxurrada de ações judiciais para cobrar do estado e da União recursos empenhados e não liquidados. A dívida chega a R$ 1,4 bilhão, de janeiro a outubro.

Três perguntas para Expedito Luna

Pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT/USP) e professor da USP

1 - Há risco de se perder o controle sobre o Aedes aegypti?

A minha impressão é que o controle já foi perdido há muito tempo. Entre as décadas de 1950 e 1970, foi executada a proposta de “erradicação” do Aedes do continente americano, que conseguiu eliminar o inseto da maioria dos países das Américas, exceto na Venezuela e em algumas ilhas do Caribe. Mas, desde a sua reintrodução no Brasil, em 1976, a dispersão pelo território nacional só vem aumentando. Após a descentralização do programa de controle para os municípios, a partir de 1999, o problema se agravou. Não há ação coordenada entre os municípios. A maioria deles tem estruturas técnico-administrativas frágeis, que não conseguem manter as ações de controle vetorial de forma rotineira e sistemática. Não há no país quadros técnicos com capacitação em entomologia em número suficiente para prover suporte técnico às ações em todos os municípios do país. Também não há laboratórios de entomologia na quantidade necessária.

2 - Como as mudanças nas prefeituras podem afetar as ações de combate às doenças provocadas pelo Aedes?

Os problemas administrativos tendem a se agravar nos anos pós-eleitorais, de eleições para o poder local, pois as estruturas técnicas são em geral extremamente frágeis, quando não inexistentes, na maioria dos municípios brasileiros.

3 - Qual a probabilidade de, em 2017, zika e chikungunya terem uma explosão de casos?

A ocorrência das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti se relaciona à abundância do inseto, que por sua vez sofre influência do clima, da realização ou não de ações de controle, das condições das habitações, da coleta de lixo e de sua adequada disposição final, e ainda da “experiência” da população com as doenças. Assim, onde houve uma grande epidemia em passado recente (como a epidemia do vírus zika na Paraíba e em Pernambuco, em 2014/2015), provavelmente vai demorar um pouco para ter uma nova epidemia, porque a maioria das pessoas já “pegou” o vírus, então vai demorar um pouco até que nasçam novas crianças que nunca tiveram a doença, para que o vírus “encontre” gente suscetível para manter a cadeia de transmissão. No caso da dengue, o processo é mais complexo, pois são quatro vírus diferentes que causam a mesma doença. Assim, não podemos prever o que ocorrerá em 2017, mas sabemos que esses seis vírus continuarão a circular na população brasileira, causando epidemias maiores ou menores, com grandes variações regionais, e mesmo entre cidades próximas umas das outras. E além dos seis (DENV1, DENV2, DENV3, DENV4, CHKV e ZIKAV), novos arbovírus podem emergir e se disseminar, pois as condições para isso estão dadas.



Risco de epidemia mais severa

Mais do que condições ambientais favoráveis para contágio pelas doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, a próxima epidemia de dengue, zika e chikungunya já preocupa autoridades de saúde do estado pela combinação de vários fatores epidemiológicos. No caso da dengue – historicamente transmitida pelo sorotipo 1 e, em 2013, associada ao sorotipo 4 –, já chama a atenção a atual circulação dos quatro sorotipos em Minas (1, 2, 3 e 4), o que pode resultar em uma epidemia ainda mais rigorosa da doença. O risco para uma explosão de casos existe porque, como explica o subsecretário de Vigilância e Promoção da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Rodrigo Said, nunca houve circulação maciça dos tipos 2 e 3 no território mineiro. Neste ano, o dengue 2 já foi identificado na região do Triângulo, enquanto o dengue 3 foi detectado na Região Metropolitana de Belo Horizonte e em Montes Claros.

“No caso do 2, a última circulação importante ocorreu em 2006. Temos um intervalo de 10 anos e nesse período pessoas nasceram e outras não foram expostas a esse sorotipo. Também nunca tivemos uma epidemia do dengue 3, exceto em alguns municípios do Triângulo”, afirma Rodrigo, lembrando que a falta de proteção abre espaço para o aumento dos casos.

Esse aumento também é esperado para os casos das outras duas doenças transmitidas pelo Aedes aegypti: zika e chikungunya. Em relação à primeira, além de o estado já ter registrado uma circulação importante no período 2015/2016, a zika ainda preocupa muito pelo desconhecimento que guarda em torno dela. “É uma infecção congênita, que gera microcefalia em recém-nascidos e quadros de alteração do sistema nervoso central. Então, é muito difícil pontuar quais são seus efeitos”, avalia Rodrigo.

Já em relação à chikungunya, o alerta vale pelo fato de não ter havido circulação no estado até 2016. “Há uma suscetibilidade universal da população e, por outro lado, não há uma proteção natural contra chikungunya, que é uma doença com alta taxa de ataque e capacidade de produzir grandes epidemias. Então, se o vírus começar a circular com força no nosso estado, ele pode causar esse cenário (de uma explosão de casos)”, ressalta Rodrigo.

Ele lembra ainda que Minas tem todos os fatores relacionados à transmissão das três doenças dentro do seu território e que o risco de contágio é muito alto. Segundo o subsecretário, o governo do estado mantém uma série de ações permanentes, além de uma sala de situação com diversos órgãos envolvidos, para organizar a estrutura de trabalho nas ações de vigilância e o controle do vetor no período de alta sazonalidade, e também organizar a rede de atenção para atendimento ao paciente.


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