Nem tudo é brincadeira, fantasia e diversão no mundo das crianças, ainda mais quando os pequenos estão nas mãos de adultos – a segurança pode cair no laço da imprudência, a inocência resvalar para a maldade e os sonhos infantis se tornarem traumas que duram uma vida inteira. Apesar do arcabouço de leis e entidades criadas para proteção dos menores de 12 anos, ainda são muitos os casos de violência, abandono e exploração, com prejuízos que se tornam enormes. Somente na semana dedicada ao Dia das Crianças, pelo menos três episódios marcaram negativamente a data: um garoto de 3 anos morreu na noite do dia 9, depois de cair do 8º andar do prédio no Bairro São Cristóvão, em Belo Horizonte, onde morava com a mãe, uma jovem de 23, presa em flagrante por abandono de incapaz. No mesmo dia, a Polícia Civil de Barbacena, no Campo das Vertentes, abriu inquérito para investigar a morte de um bebê de um mês e 20 dias depois de a criança ser deixada pelos pais com um vizinho, enquanto o casal saiu para se divertir à noite. Um dia depois, em Belo Horizonte, cinco crianças ficaram feridas, duas em estado grave, em um acidente no Bairro Horto, em que o motorista – inabilitado e sob efeito de álcool – levava nove pessoas em um kadett.
Os casos, que não são isolados, representam uma ínfima parcela das ocorrências policiais de violência – que assombram o universo infantil em Minas e na capital – e ainda não revelam a totalidade, diante da subnotificação. Para se ter uma ideia, somente nos oito primeiros meses deste ano, 2.039 crianças de 0 a 11 anos ficaram feridas em acidentes de trânsito no estado, uma média de 255 a cada mês. Em BH, foram 212 no mesmo período, o que representou 26 a cada 30 dias, ou seja, praticamente todos os dias uma criança esteve envolvida em acidente de trânsito em BH, no intervalo citado. As tragédias em vias públicas e rodovias também mostram sua fatalidade sobre os pequenos. Os dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apontam ainda que, de janeiro a agosto, 50 crianças morreram vítimas de acidentes em Minas, enquanto em todo o ano passado foram 60 mortes nessa faixa etária. Em atos mais cruéis, 22 meninos e meninas foram assassinados no estado, no mesmo período, número que chegou a 30 no ano passado e já atingiu a marca de 51 em 2014.
Apesar da proteção prevista em lei, o adulto ainda insiste no comportamento agressivo com menores de 11 anos, como mostram os dados da Seds: de janeiro a setembro deste ano, 1.540 crianças nessa faixa etária foram vítimas de lesão corporal no estado, o que soma média de 171 a cada mês. Na capital, os números seguem em queda, mas ainda foram 131 registros de ocorrência relativos a esse crime contra menores nos primeiros nove meses, média de 15 casos mensais.
No dia a dia do trabalho com crianças impostas a situações de risco e vulnerabilidade, o coordenador da Defensoria Especializada de Infância e Juventude de Minas Gerais, Wellerson Eduardo da Silva Corrêa, dá detalhes da condição especial que essa faixa etária exige. “Pela própria fase que a criança vive, de desenvolvimento físico e mental, ela precisa de proteção, e, por isso, ela confia naquele adulto pelo qual ela tem uma relação de amor ou de temor, seja o pai, a mãe ou outro responsável”, explica.
Segundo Wellerson, os casos de violação às políticas previstas nas legislações criadas para estabelecer proteção, direitos e também deveres da criança e do adolescente (como o ECA) são levados à defensoria por meio dos conselhos tutelares, familiares ou pela Polícia Militar. “As ocorrências mais comuns são as de negligência, que se referem à falta de cuidados básicos como alimentação, vacinação e presença na escola. Em seguida estão os casos de abandono, quando pais ou responsável deixam os menores sozinhos em casa, e depois os de violência, seja ela física ou psicológica”, afirma. Os casos, segundo ele, ocorrem em todas as classes sociais, mas estão muito mais relacionados às faixas de renda mais baixas, impactadas pela carência de políticas públicas, desemprego, baixa qualificação e falta de profissionalização. “Há ainda uma relação direta das ocorrências com famílias que têm histórico de trajetória de rua, pessoas com sofrimento mental ou dependência de álcool e outras drogas”, afirma.
MEDIAÇÃO De olho em uma nova realidade social, o chefe da sala de imprensa da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), capitão Flávio Santiago, traça outro panorama. Ele afirma que os agentes atuam muitas vezes na mediação, para que esses conflitos não ocorram. E diz ainda que a corporação tem percebido uma nova tendência nas famílias. “Os pais têm assumido jornadas duplas e até triplas de trabalho e têm dedicado pouco tempo para os filhos. E quando estão com as crianças, estão mergulhados nas redes sociais, distantes do ambiente físico e dos próprios filhos.” Segundo ele, é preciso haver equilíbrio para que os momentos sejam aproveitados, mas que o cuidado e a proteção sejam assegurados.
Palavra de especialista
Marco Aurélio Romeiro Alves Moreira, promotor de justiça
Plano de proteção
“A criança e o adolescente são a matriz motora do desenvolvimento do nosso país, mas ainda precisamos caminhar bastante para alcançar o plano ideal de proteção e cuidado previsto na Constituição, porque há um terrível histórico de exploração. De exploração do trabalho, exploração sexual, violência física e psicológica, e também de abandono. O adulto não tem, de modo geral, um entendimento sobre as peculiaridades dessa fase da vida e por isso, ainda traz o instinto de que pode delegar responsabilidades, expor ao risco, violentar, sem a previsibilidade do dano. Isso tudo é reflexo de uma sociedade antiga e de uma cultura que precisa ser passada a limpo.”
Os casos, que não são isolados, representam uma ínfima parcela das ocorrências policiais de violência – que assombram o universo infantil em Minas e na capital – e ainda não revelam a totalidade, diante da subnotificação. Para se ter uma ideia, somente nos oito primeiros meses deste ano, 2.039 crianças de 0 a 11 anos ficaram feridas em acidentes de trânsito no estado, uma média de 255 a cada mês. Em BH, foram 212 no mesmo período, o que representou 26 a cada 30 dias, ou seja, praticamente todos os dias uma criança esteve envolvida em acidente de trânsito em BH, no intervalo citado. As tragédias em vias públicas e rodovias também mostram sua fatalidade sobre os pequenos. Os dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) apontam ainda que, de janeiro a agosto, 50 crianças morreram vítimas de acidentes em Minas, enquanto em todo o ano passado foram 60 mortes nessa faixa etária. Em atos mais cruéis, 22 meninos e meninas foram assassinados no estado, no mesmo período, número que chegou a 30 no ano passado e já atingiu a marca de 51 em 2014.
Apesar da proteção prevista em lei, o adulto ainda insiste no comportamento agressivo com menores de 11 anos, como mostram os dados da Seds: de janeiro a setembro deste ano, 1.540 crianças nessa faixa etária foram vítimas de lesão corporal no estado, o que soma média de 171 a cada mês. Na capital, os números seguem em queda, mas ainda foram 131 registros de ocorrência relativos a esse crime contra menores nos primeiros nove meses, média de 15 casos mensais.
No dia a dia do trabalho com crianças impostas a situações de risco e vulnerabilidade, o coordenador da Defensoria Especializada de Infância e Juventude de Minas Gerais, Wellerson Eduardo da Silva Corrêa, dá detalhes da condição especial que essa faixa etária exige. “Pela própria fase que a criança vive, de desenvolvimento físico e mental, ela precisa de proteção, e, por isso, ela confia naquele adulto pelo qual ela tem uma relação de amor ou de temor, seja o pai, a mãe ou outro responsável”, explica.
Segundo Wellerson, os casos de violação às políticas previstas nas legislações criadas para estabelecer proteção, direitos e também deveres da criança e do adolescente (como o ECA) são levados à defensoria por meio dos conselhos tutelares, familiares ou pela Polícia Militar. “As ocorrências mais comuns são as de negligência, que se referem à falta de cuidados básicos como alimentação, vacinação e presença na escola. Em seguida estão os casos de abandono, quando pais ou responsável deixam os menores sozinhos em casa, e depois os de violência, seja ela física ou psicológica”, afirma. Os casos, segundo ele, ocorrem em todas as classes sociais, mas estão muito mais relacionados às faixas de renda mais baixas, impactadas pela carência de políticas públicas, desemprego, baixa qualificação e falta de profissionalização. “Há ainda uma relação direta das ocorrências com famílias que têm histórico de trajetória de rua, pessoas com sofrimento mental ou dependência de álcool e outras drogas”, afirma.
MEDIAÇÃO De olho em uma nova realidade social, o chefe da sala de imprensa da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), capitão Flávio Santiago, traça outro panorama. Ele afirma que os agentes atuam muitas vezes na mediação, para que esses conflitos não ocorram. E diz ainda que a corporação tem percebido uma nova tendência nas famílias. “Os pais têm assumido jornadas duplas e até triplas de trabalho e têm dedicado pouco tempo para os filhos. E quando estão com as crianças, estão mergulhados nas redes sociais, distantes do ambiente físico e dos próprios filhos.” Segundo ele, é preciso haver equilíbrio para que os momentos sejam aproveitados, mas que o cuidado e a proteção sejam assegurados.
Palavra de especialista
Marco Aurélio Romeiro Alves Moreira, promotor de justiça
Plano de proteção
“A criança e o adolescente são a matriz motora do desenvolvimento do nosso país, mas ainda precisamos caminhar bastante para alcançar o plano ideal de proteção e cuidado previsto na Constituição, porque há um terrível histórico de exploração. De exploração do trabalho, exploração sexual, violência física e psicológica, e também de abandono. O adulto não tem, de modo geral, um entendimento sobre as peculiaridades dessa fase da vida e por isso, ainda traz o instinto de que pode delegar responsabilidades, expor ao risco, violentar, sem a previsibilidade do dano. Isso tudo é reflexo de uma sociedade antiga e de uma cultura que precisa ser passada a limpo.”