"Parece coisa de outro mundo" - Adélia Apolinário, de 11 anos - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA PressÉ diferente de tudo que já ouviram – ou de quase tudo. Pelo menos para a maior parte daquele público, pouco ou nada acostumado a tanta consonância de graves e agudos. Mas, pela atenção estampada nos rostos, ficou claro que os ouvidos rapidamente se acostumaram à música clássica. E gostaram daquela harmonia diferente, ora soando de maneira delicada, ora forte e impetuosa. Ontem, cerca de 3 mil estudantes do ensino fundamental de Belo Horizonte assistiram, a maioria pela primeira vez, a um concerto da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Hoje, outros 3 mil passarão pela Sala Minas Gerais, no Barro Preto, Centro-Sul da capital, para encerrar a temporada 2016 do projeto Concertos Didáticos, plataforma educacional da filarmônica.

Uma orquestra completa está sendo apresentada a alunos de 79 escolas, a maioria públicas, e a crianças e adolescentes assistidos por projetos sociais. O maestro associado Marcos Arakaki é o responsável por comandar o grupo e explicar, didaticamente, cada um dos instrumentos musicais. O primeiro ato dele é justamente falar sobre cada uma das famílias de instrumentos, como aqueles de madeira, de cordas e os metais. Arpa, violinos, violoncelos, contrabaixo, tuba, caixa, pratos, tudo chama a atenção do público.

No programa, o russo Nikolai Rimsky-Korsakov (1844-1908), com Capricho espanhol op. 34 (15 minutos), o húngaro Franz Liszt (1811-1886), com Rapsódia húngara nº 2 em dó menor (11 minutos), o italiano Gioachino Rossini (1792-1868), com Guilherme Tell: Abertura (12 minutos) e, para encerrar, o francês Georges Bizet (1838-1875), com L’Arlésienne: Suíte nº 2 (4 minutos).

Logo após Capricho espanhol, a plateia veio abaixo, entre aplausos e gritos. A meninada quis se manifestar logo no fim do primeiro movimento, subvertendo a tradição de guardar os aplausos para o fim. Em Guilherme Tell, o regente explica que a abertura tem quatro grandes partes, para contar a história do herói lendário. Na primeira, violoncelos são acompanhados dos contrabaixos. Os tímpanos dão a ideia de trovão chegando ao longe. Violinos e violas entoam notas rápidas, a música cresce e se precipita até chegar ao dilúvio, liderado pelos trombones. Percussão e triângulo mostram a alegria de camponeses e passarinhos depois da chuva torrencial. E, na parte mais famosa, trompetes chamam toda a orquestra para celebrar a chegada dos soldados suíços.

Assim, de repente, a música clássica já não era tão distante. Trechos conhecidos dos desenhos animados ou do toque do telefone fizeram a garotada acompanhar entusiasmada, com movimentos de cabeça e toques das mãos sobre as pernas e nos braços das poltronas. Impossível não se emocionar com a cena.

Professora da Escola Estadual Princesa Isabel, do Bairro Aparecida, na Região Noroeste de BH, Tânia Abadia da Silva, de 52, que sempre vai a concertos, levou os alunos do 4º ano para ouvir música clássica pela primeira vez. “Música clássica traz emoção, muita alegria e paz de espírito. Falei que eles iam gostar, e amaram; me disseram que é bem melhor do que eu havia falado”, contou. A aluna Fernanda Carolina Fernandes Silva, de 9, se encantou com a arpa. “Quando alguém está estressado pode escutar, porque a gente se sente bem mais leve”, definiu.

HIPNOSE Aluno da Escola Municipal Antônio Salles Barbosa, no Bairro Tirol, Região do Barreiro, Moisés Andrade Inácio, de 14, ficou com o olhar fixo no palco. Músico, ele aprecia todos os gêneros, do flamenco e salsa à bossa-nova e rock brasileiro. Mas escutar música clássica ao vivo e em cores foi a primeira vez. Visivelmente emocionado, ele se disse encantado com o que acabara de ver. Os violinos lhe chamaram mais a atenção: “Pelo fato de serem agudos, quando todos estão juntos é muito bonito”. Já  Tony Marlon da Cruz, também de 14, amante do rap, ficou impressionado com o som grave e potente do contrabaixo.

Adélia Apolinário, de 11, integrante do projeto “Shakespeare e as crianças”, já tinha assistido a um concerto, mas, segundo ela, nada comparado àquele. “A acústica e os detalhes são bem diferentes”, relata. Do programa, ela se apaixonou por Capricho espanhol. E entre os instrumentos, gostou do clarinete, que ela também toca, e dos violinos. “Parece uma coisa de outro mundo. É bem legal.”

DVD completa apresentação

A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais marcou a edição dos Concertos didáticos deste ano com o lançamento do DVD Primeiros passos na música clássica: para quem ouve e para quem quer ouvir. Produzido com recursos da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, o trabalho traz uma narração que possibilita, nas salas de aula, a continuidade do trabalho de fixação e ampliação dos conhecimentos adquiridos em concerto. Cada escola participante recebe um exemplar. Outras 100 cópias foram entregues à Superintendência de Fomento de Incentivo à Cultura da Secretaria de Estado de Cultura, para distribuição a espaços como bibliotecas públicas.

O evento da Sala Minas Gerais, que conta com o apoio também dos Amigos da Filarmônica, tem trabalho ativo nas salas de aula. Antes da visita à sede da orquestra, alunos da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) vão aos colégios e preparam os alunos para o concerto, com material didático e vídeo.

Depois das apresentações, professores são orientados a trabalhar com os estudantes da faixa etária de 7 a 14 anos o programa entregue a todos os participantes em sala de aula. Ele conta de maneira gostosa de ler a história de cada um dos autores e mostra, por meio de um mapa colorido, quais instrumentos fizeram parte da apresentação e onde estavam posicionados. Presidente do Instituto Cultural Filarmônica, Diomar Silveira fala que a série, assim como outros projetos da instituição, tem o objetivo de fazer um trabalho de educação e formação de público. “É muito bom a gente emocionar tantas crianças com a força da música”, diz. “São muitas deficiências no sistema escolar e há ainda o preconceito de que música clássica é de elite”, acrescenta.

O regente Marcos Arakaki define a iniciativa como uma missão da Filarmônica e defende que a ideia se estenda para outros grupos de grande alcance, como forma de dar acesso a quem não tem oportunidades de apreciar a música clássica. “Isso vai criando cada vez mais um lastro da orquestra com a nova geração e contribui para uma sociedade melhor.”

A plataforma educacional da Filarmônica conta com seis séries: Concertos didáticos (para estudantes do ensino fundamental e médio), Concertos para a juventude (para famílias), Concertos comentados (para seguidores da música clássica), Festival tinta fresca (para fomentar a revelação de novos compositores brasileiros), Laboratório de regência (para o aprimoramento de novos regentes) e Concertos de câmara (para todas as idades, visando a aproximação das pessoas com a diversidade de timbres dentro de uma orquestra).

Além de ver de perto a orquestra, professores, alunos e público em geral têm, por meio do site (www.filarmonica.art.br), acesso a textos sobre obras e compositores, sons, características e curiosidades relativas a instrumentos de orquestra, livros de introdução ao universo orquestral dirigidos a crianças, adolescentes e adultos, além de vídeos sobre preparação e especificidades dos repertórios.

.