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Estado de Minas

Painéis instalados na Praça da Liberdade conquistam corações

A arte criada por americana tem o tema "Antes de morrer, eu quero..." e convida as pessoas a escreverem seus desejos. A idealizadora do projeto foi seduzida pela Pampulha


postado em 30/10/2016 06:00 / atualizado em 30/10/2016 07:39

Milhares de pessoas colocaram os seus desejos nos painéis (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press. )
Milhares de pessoas colocaram os seus desejos nos painéis (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press. )

Ao completar a frase “Antes de morrer, eu quero...”, o historiador Marcelo Cedro olhou na direção da mulher e sorriu para ficar bem na foto e registrar o momento. Com giz, escreveu: “Direi a você, Glécia, o quanto te amo”. Casados há 21 anos, os dois passeavam, ontem, na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, quando viram, sob as palmeiras, os gigantescos painéis idealizados pela arquiteta e designer Candy Chang, norte-americana filha de imigrantes de Taiwan, que participou durante a semana, na capital, do Festival da Gentileza, misto de música, dança, literatura, palestras, poemas e arte, que termina hoje. Ontem, antes de retornar ao seu país, Candy visitou a Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, gostou do que viu e falou mais sobre suas ideias.

Para surpresa da advogada Glécia Barbosa, o marido Marcelo já tinha escrito outra frase no painel – “Direi mais uma vez, o quanto te amo...” –, acrescentando ao original inglês “Before I die, I want to...” (Antes de morrer, eu quero...), que já rodou mais de 70 países, segundo Candy Chang. “Um casamento feliz é a conjunção de fidelidade, respeito, amor, amizade, diálogo, alto-astral e companheirismo. E, claro, bom humor... Sem ele, a relação não resiste”, disseram os dois, um complementando a fala do outro.

Perto dali, a médica Carla Beatriz de Souza Alves, que vive em Santa Luzia, na Grande BH, riscava um coração e preenchia o espaço com as palavras amor, paz, harmonia e respeito, acompanhada dos filhos, Otávio, de 5 anos, e Valentina, de 2. “Esta é uma iniciativa excelente e estas quatro palavras resumem tudo, pois o mundo precisa ficar mais humano. Otávio já fez um trabalho na escola mostrando que gentileza gera gentileza, e isso é fundamental”, afirmou. As crianças seguiam a mãe, deixado o espaço marcado com seus traços.

Na superfície do painel, era possível ver toda sorte de pensamentos, palavras e vontade de realizar grandes obras. Antes de morrer, alguém gostaria de ser anjo por um dia, enquanto outro ou outra preferiria morar na Alemanha. Uns sonhavam com dinheiro (‘Ganhar na MegaSena’), outros, em ver o planeta de cima (‘Viajar de avião’) e havia aquela que apenas pretendia “ficar louca”.

DESEJOS “Como se escreve desejo?“, perguntou a curiosa Maria Eduarda Rufino, de 8 anos, moradora de Juiz de Fora, na Zona da Mata, que visitava a praça na companhia da prima Rafaela Rufino, de 19. Com a letrinha miúda, ela primeiro complementou o tema de um jeito: “Quero ir para o céu”. “Mas antes de morrer, você já quer ir para o céu?”, brincou o repórter. A garota olhou meio encabulada e, sem perda de tempo, revelou o pensamento de muitas meninas e meninos da sua idade: “Conhecer a Disney”.

Com belos olhos azuis e piercing no nariz, a estudante Grazielle Metzker, de 16, moradora da Pampulha, mostrou preocupação com o universo feminino: “Quero ajudar mulheres”. De que forma? Para a adolescente, é preciso acabar a violência doméstica, com os abusos sexuais e todo o sofrimento ao qual muitas jovens, adultas, idosas, casadas e solteiras estão sujeitas todos os dias. Ao lado, a cuidadora de idosos Cristina Dionísio, viúva, de 50, escrevia com todas as letras que o melhor é “viver intensamente”.

VIDA URBANA Assim que terminar o Festival da Gentileza, fruto da parceria entre o Sustentarte e Verbogentileza – definido como “projeto de ações digitais e de rua com objetivo de inspirar um comportamento mais cuidadoso e gentil e contribuir para uma vida urbana melhor”, conforme os organizadores –, os painéis vão para o Parque Ecológico Promotor Francisco José Lins do Rêgo Santos, na Pampulha, e para o Mercado do Cruzeiro, na Região Centro-Sul. “A participação tem sido impressionante. Basta meia hora para os painéis ficarem cheios. Aí, eles são apagados e começam novas frases”, contaram Ana Carolina Linares e Joana Coelho, do Sustentarte.

De fato, em questão de minutos surgiram novas ideias e urgências, em português e outras línguas: “...mais segurança”, “...mais educação”, “...salvar vidas”, “...fazer uma viagem intergalática” (em francês), “...me santificar” e “ser menino, depois de nascer novamente”. Para quem quiser registrar seus desejos, o painel ficar na Praça da Liberdade hoje até 22h.

(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)


'Quero uma biblioteca no deserto'


A arquiteta e designer Candy Chang gosta de preservar as origens. Filha de imigrantes de Taiwan que foram para os Estados Unidos, ela se declara uma “taiuanesa norte-americana”. Durante a semana que passou em Belo Horizonte participando do Festival da Gentileza, usou sempre o tradicional vestido oriental chipao, em várias tonalidades. No início da tarde de ontem, como se fosse para combinar com os azulejos de Cândido Portinari (1903-1962) e os mosaicos de Paulo Werneck (1907-1987), da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, que visitava, Candy estava de azul. Surpresa, comentou, com um sorriso: “Parece um jogo de cores”.

Casada e sem filhos, a simpática Candy mora em Nova Orleans e cresceu em Nova York, nos Estados Unidos. Ao admirar a arquitetura da igrejinha, que saiu da prancheta do arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012), ela disse que o local realmente merece o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Não tenho religião, mas vejo que é uma arquitetura única. Vejo as igrejas como espaços para a espiritualidade, para a contemplação. A arte, afinal, é uma forma de espiritualidade”, afirmou.

Candy admirou cuidadosamente os azulejos de Portinari, posou para foto na lateral de mosaicos e comentou, baixinho, que estava sendo realizada naquela hora (meio-dia em ponto) a cerimônia de um casamento. Como profissional de arquitetura, ela revelou que tem o foco no planejamento urbano e acredita ser imprescindível conjugar espaços públicos e a saúde mental da população. “As pessoas, hoje, estão muito sozinhas, mesmo vivendo no meio de multidões. Os espaços públicos devem estar conectados com a paz, com a harmonia”, disse Candy, enquanto contemplava a Lagoa da Pampulha.

Perda

A ideia de fazer o painel com o tema “Before I die, I want to...” (Antes de morrer, eu quero...) surgiu há muitos anos, quando Candy Chang sofreu a perda de uma pessoa muito querida, uma senhora a quem considerava quase mãe. “Fiquei muito triste, caí em depressão, pois ela me acompanhou ao longo de muitos anos”, contou. “Essa iniciativa, portanto, tem a ver com gratidão”, acrescentou. O semblante se fecha um pouco, mas logo ela explode em uma risada, ao ouvir o comentário sobre o que uma mulher escreveu, no painel da Praça da Liberdade: que, antes de morrer, queria ficar louca. Rápida, ela acredita que a proposta tem “mais ver com uma catarse do que propriamente com a saúde mental”.

Certa de que a frase é uma forma de compartilhar “medos e histórias”, a arquiteta e designer, que veio a BH a convite dos organizadores do festival e com apoio do consulado americano em Minas e da Fundação Assis Chateaubriand, está certa de que há esperança para o mundo. E como foi a primeira a complementar a frase criada por ela mesma, manifestou seu desejo: “Antes de morrer, eu quero... Fazer uma biblioteca no deserto”.


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