Um grupo de casais de noivos – elas, em maioria, de blusas brancas e carregando flores na mesma cor –, promoveu manifestação, na manhã de domingo, diante da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, monumento reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Com as cerimônias de casamento marcadas para o ano que vem no templo, eles querem que as obras de restauração do espaço católico, previstas para começar este mês, sejam realizadas apenas em 2018. Lágrimas, indignação e um fio de esperança deram o tom do abraço em torno da construção moderna projetada na década de 1940 pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012).
“Queremos que o arcebispo metropolitano (dom Walmor Oliveira de Azevedo) nos receba coletivamente, e não que cada caso seja tratado isoladamente. Acreditamos que só ele tem poder para resolver a questão. Estão programados cerca de 200 casamentos para 2017 e todos os casais já gastaram muito, com toda a infraestrutura que envolverá milhares de pessoas, além de viagens de parentes de outros estados e até do exterior”, disse o advogado Marcelo Ribeiro, ao lado da noiva Júlia Dutra, cuja união está marcada para 3 de junho. Depois da Pampulha, o grupo seguiu para o Palácio Cristo Rei, na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul, embora sem conseguir um encontro com o arcebispo.
Eram 11h, ao fim da missa celebrada pelo padre Ademir Ragazzi, capelão da chamada igrejinha da Pampulha, quando os noivos começaram a se reunir sob o campanário. Marcelo lembrou que seu casamento foi marcado no fim de março deste ano, sendo tudo programado para uma cerimônia com 100 convidados. “É preciso que a Igreja honre o compromisso”, disse o advogado, que não abre mão de se casar no local. Ao lado do noivo Emílio Quadrotti Otsuro, engenheiro civil residente em São Paulo e que participou do ato, Carolina Moreira Pereira, de BH, explicou que seu casamento está marcado para 30 de abril, e, pela proximidade, tudo está planejado. “Quando marquei a cerimônia, não me falaram nada sobre a obra”, disse Carolina.
Muito comovida, a administradora Letícia Garboci, já casada no civil com Bruno Garboci, contou que a cerimônia na igrejinha é um sonho dos dois, que foi agendado em março de 2014. “É um marco na nossa história, aceitamos nos casar aqui de qualquer jeito. Não recebemos nenhum comunicado oficial”, disse Letícia, acrescentando que todos os noivos estão enfrentando transtorno emocional com a situação. Para Átila Ferreira, analista de sistemas, e Marcela Caldeira, gestora, moradora da Pampulha, será impossível fazer o remanejamento para outra igreja, pois, como a noiva mora no bairro, tudo foi estruturado para ocorrer por perto. “Os custos de operação seriam muito altos”, ressaltou Átila.
A situação ecoa até em outros continentes. Carregando um vaso de flores, Beatriz Rodrigues Pereira, moradora do Bairro Nova Pampulha, representou a filha Juliana, arquiteta residente na Austrália, país do futuro marido. “O casamento, marcado para 29 de abril, será para apenas 60 pessoas, mas ela está muito nervosa, me telefona e fica chorando. Vai chegar 15 dias antes da cerimônia, os familiares dele já gastaram com passagem e reservaram hotel. Não sei como vai ser”, disse, com tristeza.
FECHADA
O restauro da igreja, que apresenta uma série de problemas, inclusive infiltrações, será conduzido pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), com verba de R$ 1,7 milhão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas. Os recursos já estão depositados na conta da Prefeitura de BH, e, conforme divulgou o Estado de Minas, já foi feita a licitação, com escolha da empresa responsável pela execução do projeto.
Logo depois da missa, o capelão Ademir Ragazzi conversou com os noivos, reiterando que a igreja ficará fechada em 2017. Integrante da comissão que discute o assunto, ele disse entender a situação dos casais e diz que as últimas cerimônias foram marcadas em março. “Oficialmente, só ficamos sabendo em setembro que as obras começariam agora. Estamos dispostos a dar atendimento personalizado a cada casal, já que dom Walmor abriu uma série de caminhos”, afirmou.
Em nota, a Arquidiocese de BH informou que a oficialização das obras na igreja ocorreu neste ano, com a divulgação, em meados de setembro, do cronograma. “Assim, foram agendados anteriormente à comunicação oficial matrimônios para o próximo ano, coincidindo com a reforma.” E acrescentou: “As obras serão realizadas pelo poder público, com recursos destinados à salvaguarda dos bens históricos. Por determinação legal, se não começarem ainda neste ano, como prevê o cronograma, a restauração será cancelada e os recursos retornarão para o governo federal”.
A nota informa ainda que “a Igreja não vai desamparar os casais” e que, “em diálogo com as instituições do poder público, a Arquidiocese de BH conseguiu promover adequações ao projeto de revitalização, para que os casamentos agendados até o fim do mês de dezembro de 2016 sejam realizados normalmente”. Entre as várias possibilidades para os noivos com casamento marcado para 2017 está a realização da cerimônia “em outros templos de reconhecida importância histórica, cultural e arquitetônica” e que, “em caráter de excepcionalidade, também poderão ser organizadas celebrações no local onde os convidados serão recepcionados, se essa for a vontade dos noivos”. A assessoria da Arquidiocese informou ainda que, na tarde de ontem, quando foi procurado pelos noivos, dom Walmor não se encontrava no Palácio Cristo Rei. (GW)