Embora a sede da cidade histórica tenha sido poupada do barro, 12 meses depois seus indicadores mostram que ela também entrou no atoleiro, e dele ainda não conseguiu se reerguer desde o desastre que em 5 de novembro do ano passado matou 19 pessoas e sufocou a Bacia do Rio Doce até o Atlântico.
Com queda brusca na arrecadação diante da paralisação das atividades da companhia responsável pela catástrofe, a arrecadação da prefeitura despencou, o desemprego disparou, o turismo minguou, a economia segue ladeira abaixo em efeito cascata e as relações sociais daqueles que perderam suas casas e tiveram de se mudar para a cidade continuam abaladas.
Em meio à crise, a Prefeitura de Mariana prevê cortes de 400 servidores a qualquer momento, incluindo um quinto dos 125 médicos. Essas demissões podem engrossar os 13 mil desempregados que vivem na cidade, o que corresponde a nada menos que 25% de toda a população, segundo a administração municipal.
De acordo com estimativa do Sistema Nacional de Emprego (Sine), cerca de 9 mil pessoas (70%) perderam o sustento devido à baixa na mineração, gerando um efeito dominó em todo o setor produtivo.
Sem trabalho, essa parte dos habitantes, que inclui moradores dos subdistritos afetados e gente que já morava na sede de Mariana, aumenta a demanda por serviços públicos, como fornecimento de cestas básicas, remédios e busca por vagas em escolas municipais.
“É um número muito alto de desempregados. Com a economia totalmente fragilizada, as coisas vêm se tornando uma bola de neve. Quanto mais tempo para aquecer a economia, mais tempo vai passando para as pessoas acharem uma oportunidade”, diz o prefeito reeleito Duarte Júnior (PPS).
Uma das saídas imediatas seria o recebimento de R$ 32 milhões da Samarco, por meio de uma dívida relacionada à Contribuição Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem). Porém, ainda não há uma decisão final sobre a chegada desse dinheiro, apesar de a mineradora reconhecer o débito, segundo o prefeito.
“Com os R$ 32 milhões, a gente manteria os serviços e não haveria demissões. Uma parte desse recurso a gente ia segurar para ir compensando no ano que vem. Mas estamos enxugando gelo; uma hora esse gelo vai acabar”, acrescenta.
DÉFICIT Quando assumiu a prefeitura, em junho do ano passado, Duarte Júnior afirma que já havia uma diferença entre despesas, que alcançavam R$ 26 milhões, e receitas, que não ultrapassavam R$ 22 milhões. Ele diz que foi possível ajustar, mas afirma que depois da tragédia a receita caiu ainda mais, parando em R$ 18 milhões.
Desse total, cerca de R$ 11 milhões são gastos apenas com a folha de pagamento. A prefeitura chegou ao limite, argumenta o prefeito. “Alguma coisa terá que ser prejudicada. Há a possibilidade de diminuir o número de médicos que atendem hoje em 20%. São 125 na cidade. E de ir pegando aqueles cargos com salários mais altos e ir cortando, demitindo, para fechar as contas e ajustar despesa com receita”, completa.
O déficit que o chefe do Executivo contabiliza é reflexo da condição de pessoas como as que tiveram que sair dos locais atingidos pela lama e as que ficaram sem emprego pelo desaquecimento da economia. O pedreiro e pintor Nelson Ferreira, de 47 anos, conta que permanecia ativo enquanto morava em Bento Rodrigues, fazendo serviços para toda a comunidade. Desde que saiu do subdistrito mais afetado pela catástrofe, não arrumou mais nada.
O dinheiro que a Samarco oferece, afirma, é curto para as despesas dele, da mulher e da filha de 5 anos. “Eu tinha frutas e verduras no quintal e agora até uma cebolinha tenho que comprar. O dinheiro não dá para tudo e eu não consigo complementar, por causa da crise em Mariana”, conta Nelson, que revisitou o que restou da casa antiga ontem, depois da missa em Bento Rodrigues pelo Dia de Finados.
Lusimary Alves dos Santos, de 41, não conta com o auxílio mensal da Samarco, porque não teve nenhum bem destruído pela lama. Porém, a queda na atividade econômica também custou seu emprego. Ela era funcionária da Manserv, uma prestadora de serviço da mineradora em Mariana, e foi demitida em fevereiro deste ano. “Participei da limpeza das casas que foram alugadas para as pessoas que perderam seus imóveis com a tragédia. Quando acabou esse serviço, fiquei sem emprego”, afirma.
As despesas que eram divididas com o marido tiveram que ser assumidas por ele e o orçamento apertou. Situações como essas motivaram a criação de um grupo batizado “Justiça sim, desemprego não”, que colheu 50 mil assinaturas pedindo o retorno das atividades da Samarco para tirar Mariana do buraco.
Segundo a presidente do grupo, Poliane Aparecida de Freitas, que está desempregada desde abril, o movimento não abre mão da reparação dos danos, mas quer a volta da empresa. “Queremos que volte com mais segurança, mais força e mais oportunidades. A própria natureza tem seu prazo de recuperação e os atingidos estão sendo assistidos neste momento. Não somos contra os atingidos. Essa questão tem sido colocada por pessoas de fora da cidade”, afirma Poliane.
O presidente da Associação Comunitária de Bento Rodrigues, José do Nascimento de Jesus, o Zezinho do Bento, é outro favorável à volta da empresa, mas pede mais agilidade para a questão dos assentamentos dos atingidos nos novos distritos. “A empresa tem que voltar a operar. Aqui em Mariana sem a Samarco é muito difícil, porque a prefeitura vive muito da arrecadação. Agora, a empresa tem que pagar por aquilo que fez de errado, por isso estamos pedindo o reassentamento o mais rápido possível. A gente só está morando na cidade porque é a necessidade”, afirma Zezinho.
...Samarco defende retorno
Em nota, a Samarco informou que está “ciente dos impactos causados pelo rompimento da Barragem do Fundão e reitera que, desde o primeiro momento, se dedicou às providências necessárias para mitigar os danos socioambientais e socioeconômicos provocados”. “A empresa tem a expectativa de retornar suas atividades operacionais de maneira que possa continuar cumprindo com seus compromissos, com a geração de empregos, renda e tributos para os municípios e estados no qual mantém operações”, diz o texto.