Levantamento da Polícia Militar feito a pedido do EM dá uma dimensão do problema. De janeiro a 19 de outubro deste ano, foram registradas 66 ocorrências policiais dentro das boates de BH – com o caso de quarta-feira, o número já chega a pelo menos 67. São agressões, lesões corporais e até tentativas de homicídio, que mostram como a violência extrapola o entretenimento e exige dos empresários e do poder público cada vez mais preparo para frear esses casos. Se levados em conta também os crimes contra o patrimônio, são quase 300 ocorrências policiais registradas nas casas noturnas em 2016. De acordo com o mesmo levantamento da PM, foram 210 furtos, 11 roubos e nove casos de danos ao patrimônio, entre janeiro e 19 de outubro, o que soma 230 boletins. No entorno desses locais houve até homicídio: um homem foi morto a tiros na Avenida Raja Gabaglia após discussão que começou dentro da boate Alambique, em abril.
A experiência dos donos dos estabelecimentos e frequentadores revela, no dia a dia, que a maior parte das confusões ocorre por motivos fúteis, como explica o diretor-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Minas Gerais (Abrasel-MG), Lucas Pêgo. “Não estamos falando de falta de respeito grave ou de calúnia. São motivos fúteis e não justificáveis para uma agressão. São discussões provocadas por ciúmes de uma namorada, porque a pessoa coloca um copo na mesa que o outro estava usando, porque alguém passa na frente na fila ou esbarra e derrama cerveja e isso evolui para uma confusão desnecessária”, afirma o presidente.
Para o coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, Robson Sávio dos Reis, membro do Fórum Nacional de Segurança Pública, falta vigilância dentro das casas noturnas. “São espaços monitorados pela segurança privada e, consequentemente, com baixo nível de controle. Esse tipo de vigilância trabalha muito mais com a ideia de mediar conflito do que de controlar abusos de álcool ou uso de drogas, até porque não tem autoridade policial”, afirma.
O especialista diz ainda que parte dos jovens tem hoje uma propensão a extrapolar regras de convívio social e, quando encontram ambientes de pouco controle, tendem a assumir comportamentos agressivos. “Essas confusões ocorrem por uma combinação de fatores e por excessos: de machismo, de consumo de bebida alcoólica, de confiança de que nada vai acontecer se as regras não forem cumpridas”, afirma. Ele cobra de autoridades de segurança pública que tratem esses locais, com alta incidência de ocorrências criminais, como “zonas quentes”.
INVESTIMENTOS Do ponto de vista da infraestrutura, o diretor-executivo da Abrasel-MG, Lucas Pêgo, sustenta que os donos de casas noturnas têm investido alto para evitar brigas e outros transtornos no interior desses locais, já que o todos prezam pelo “nome da casa” e pela tranquilidade dos frequentadores. A lista de medidas inclui contratação de seguranças particulares bem treinados e em quantidade adequada para o público, instalação de sistemas de videomonitoramento dentro e na fachada das casas, além de revista rigorosa. “Essas situações são lamentáveis e nenhum empreendedor deseja que isso aconteça dentro de sua casa, na qual ele fez um investimento altíssimo e para o qual se prepara todos os dias para oferecer divertimento com qualidade e segurança. É inadmissível que um fato, uma pessoa ou um grupo de pessoas mal intencionadas destruam todo esse trabalho feito durante anos”, opina.
Um dos sócios da casa de eventos Hangar 677 (onde houve dois casos de violência), o empresário Pedro Lobo avalia que não é mais possível traçar um perfil do brigão de festas, como em épocas atrás. Mas diz ter percebido que a faixa etária é fator preponderante para o envolvimento nas confusões. “Geralmente são meninos com idades entre 21 e 25 anos, que bebem muito, sem muitos limites”, afirma. Para ele, a maior parte das brigas está relacionada a ciúme de namoradas ou discussões banais. Ele alega manter equipe própria de funcionários, desde seguranças até garços, como forma de padronizar e garantir tranquilidade ao público. “A segurança é bem capacitada”, defende Lobo. A direção do Alambique, por sua vez, informou que a casa mantém política de pacificação antes que os frequentadores deixem o local e que dispõe de seguranças bem treinados e de sistema de câmeras.
O assessor de Planejamento Operacional do Comando de Policiamento da Capital, major Ricardo Martins de Almeida, sustenta que a corporação pouco pode fazer em relação ao que ocorre dentro das boates, já que a segurança nesses ambientes é particular. Ele critica, no entanto, o uso sem moderação de bebida alcoólica e comportamentos de agressividade que acabam impactando nas estatísticas de criminalidade. Do lado de fora, onde também há vários casos de violência, ele alega que a PM tem mapeadas as boates onde há mais problemas e estabelece operações para acompanhamento da movimentação nesses locais, onde podem ocorrer, além das brigas, acidentes, casos de perturbação do sossego e de estacionamento irregular.
Marta Aparecida de Oliveira, de 55 anos, mãe de Pedro Henrique, agredido na quarta-feira
‘Isso não pode ficar impune’
Como está seu filho?
Ele está bem, dentro do possível. Do ponto de vista físico, há o desconforto do ferimento no nariz e estamos aguardando a cirurgia na próxima semana. É claro que há todo um prejuízo em sua rotina na faculdade, onde cursa o primeiro período de direito, e também em seu trabalho.
Como fica a mãe ao ver seu filho sair para se divertir e voltar agredido?
Fico revoltada. É um espaço de festa jovem, para 3,5 mil convidados, sem a segurança adequada. Não há uma sala de socorro. Lá tem uma ambulância, mas a médica disse que não era caso para hospital.
O que você espera das apurações do caso?
Nesse primeiro momento estamos dando assistência médica ao meu filho, mas vamos acompanhar o que será feito pela polícia. Queremos saber qual o motivo da agressão, o que contribuiu para isso e quem são os agressores. Isso não pode ficar impune, até mesmo para que esses casos de violência não se tornem uma constante.
Agredido ainda não foi ouvido
A Polícia Civil pretende ouvir nos próximos dias o jovem Pedro Henrique de Oliveira Rocha sobre as agressões que ele sofreu no interior da boate Hangar 677, no Bairro Olhos D’água. Ele já teve alta do Hospital Felício Rocho, no Barro Preto, mas vai voltar à unidade na segunda-feira para avaliar a necessidade de cirurgia no nariz, que acabou fraturado depois das agressões com uma barra de metal. Segundo o pai do jovem, ele precisa esperar o local atingido desinchar para retornar ao hospital. O delegado Flávio Grossi, da 4ª Delegacia do Barreiro, será o responsável pelo caso.