O número de 2016 – ainda maior que o total de 35 barragens sem estabilidade registrado em 2015, antes da tragédia em Mariana – é um dos indicativos de que pouco foi feito para ampliar a segurança em relação a esses reservatórios desde a catástrofe. Outro referencial é a quase manutenção do corpo técnico estadual escalado para atuar na área, que teve reforço de apenas dois servidores. Para o Ministério Público de Minas Gerais, as alterações que precisavam ser sistêmicas, especialmente diante da magnitude da tragédia, foram pontuais. “O esforço foi ínfimo”, avalia o promotor de Justiça Mauro da Fonseca Ellovitch, integrante da força-tarefa do caso Samarco.
A mineradora, dona da Barragem do Fundão, que à época da ruptura tinha a garantia de estabilidade atestada, corre agora para terminar a construção do dique S4, estrutura que integra o sistema emergencial de retenção de sedimentos que sobraram do desastre, também composto pelos diques S1, S2 e S3 (já construídos) além da barragem de Nova Santarém (com previsão de término em dezembro). A construção do dique S4 começou em 22 de setembro e, segundo a empresa, tem o objetivo de evitar novos carreamentos de rejeitos até o Rio Gualaxo do Norte, afluente do Rio Doce.
Nenhuma das inúmeras multas aplicadas foi paga pela empresa até agora, enquanto muito rejeito continua acumulado nas margens de córregos e a qualidade da água na Bacia do Rio Doce permanece comprometida. Mauro Ellovitch garante que tampouco houve evolução das normas para monitoramento de barragens no estado. Segundo ele, seria necessária uma mudança nos protocolos estaduais, no sentido de priorizar alternativas de métodos construtivos de barragens, com a cobrança de investimento do setor privado no desenvolvimento dessas propostas.
O promotor defende ainda que seja “vedada a construção de barragens em áreas próximas a comunidades ou áreas de conservação ambiental e de patrimônio”. “Apenas um decreto foi publicado, suspendendo, só para novas barragens, o alteamento a montante (aquele feito com o próprio rejeito e em direção à barragem). Nos casos em que já havia pedidos feitos, eles continuam sendo autorizados”, afirma o promotor. “Isso é inadmissível. Ainda mais levando em consideração a recorrência de acidentes: um a cada três anos, nos últimos tempos, culminando com o desastre da Samarco.”
Ainda segundo o promotor, o Ministério Público já identificou que mesmo sem garantia de estabilidade, essas barragens não tiveram suas licenças revogadas. “Estamos instaurando investigação em todo o estado para ajuizar ações cabíveis, porque essa é uma grande falha”, avalia ele, criticando o baixo investimento em meio ambiente. “Todo o setor é subdimensionando. Tem poucos servidores e estes são mal remunerados”, afirma.
JOGO DE EMPURRA
Um dos exemplos da lista de barragens não estáveis de Minas já é alvo de ação judicial, mas continua sem solução. A barragem Queias, em Brumadinho, uma das três estruturas de propriedade da Mineradora Emicon, consta no cadastro Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) como sendo da MMX, que teria arrendado o espaço. Mas, desde o ano passado, por meio de decisão judicial, a área já foi repassada à Emicon, que não assume a manutenção do reservatório.
De acordo com a Fundação estadual do Meio Ambiente (Feam), a Mineradora MMX já comunicou ao órgão que a barragem Queias não é de sua propriedade, embora precise fazer o cadastro da estrutura. Segundo a Feam, o complexo minerário está com as atividades paralisadas e a mineração Queias é alvo de fiscalização constante, inclusive tendo sido vistoriada neste ano. O estado informou ter acionado as duas empresas judicialmente. O MP acompanha o caso e já se manifestou nos processos judiciais para que recursos bloqueados da Emicon sejam destinados à reparação e retomada da estabilidade da estrutura.
Para o diretor de Gestão de Resíduos da Feam, Renato Brandão, o fato de ainda haver 44 barragens sem garantia de estabilidade é uma situação preocupante, embora o número já tenha sido maior. Ele explica que isso não significa, no entanto, que haja risco iminente de rompimento. “É preciso ter uma atenção adicional e temos melhorado o acompanhamento, o trabalho de campo e as exigências documentais”, afirma. Segundo ele, o estado já levou à Justiça 10 desses casos desde o desastre. “Nosso objetivo é zerar”, afirma. Segundo ele, a Feam já fiscalizou 262 barragens neste ano e pretende fechar o ano com 300 estruturas vistoriadas. A média anual era de 200 ações fiscais antes do desastre.
RISCO DESCONHECIDO
Situação das barragens em Minas
2016
739 barragens cadastradas
» 18 estruturas sem estabilidade garantida pelo auditor
» 26 estruturas sem conclusão sobre a estabilidade por falta de dados e/ou documentos
» 12 estruturas em status “a validar”, para as quais o empreendedor ainda precisa acessar o Banco de Declarações Ambientais e confirmar as informações do cadastro
» 1 estrutura rompida (Barragem do Fundão)
» 682 estruturas com estabilidade garantida pelo auditor
2015
727 barragens cadastradas
» 19 sem estabilidade garantida pelo auditor
» 16 estruturas sem conclusão do auditor sobre a estabilidade
» 16 estruturas em status “a validar”, para as quais o empreendedor ainda precisa acessar o Banco de Declarações Ambientais e confirmar as informações do cadastro
» 1 estrutura rompida (Barragem do Fundão)
» 675 estruturas com estabilidade garantida pelo auditor
Corpo técnico para fiscalizar barragens
Feam (responsável pelo programa de gestão de barragens) – Eram 8 técnicos em 2015; hoje são 10
Semad – 565 técnicos responsáveis pela análise dos processos de licenciamento ambiental; 80 fiscais