Jornal Estado de Minas

Alunos de ex-escola de Bento Rodrigues encenam peça para homenagear povoado

Um dos símbolos mais pintados pelos alunos foi a própria escola de Bento, principal referência para a maioria das crianças e adolescentes - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESS Da lama, a história. Alunos da Escola Municipal Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas, abriram ontem a exposição Bento Rodrigues: Nossa história, nossa vida, no Centro de Convenções da cidade, resgatando a memória do subdistrito devastado pela lama da Samarco na tragédia que completou um ano.

Professores e equipes pedagógicas da instituição de ensino participaram do trabalho, que também contou com apresentação de teatro, música e de vídeos. O rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015, deixou 19 mortos e um rastro de destruição por toda a Bacia do Rio Doce, se tornando o maior desastre ambiental do país.


Em outro salão do Centro de Convenções, um palco de teatro foi montado com terra, onde as crianças, durante o espetáculo, resgataram da lama a sua história. Recortes de jornais e revistas serviram de pano de fundo para uma história trágica que jamais será esquecida, não apenas pelas crianças e outros moradores do antigo subdistrito, mas do mundo inteiro, que compartilhou e compartilha de uma dor que jamais será esquecida, talvez superada.

De acordo com a diretora da escola, Eliene Geralda dos Santos, a unidade de ensino destruída foi transferida para o Bairro Rosário, em Mariana. “É um resgate da história dos alunos no Bento. São fotos deles mais novos, registros em pinturas em telas, tudo que eles têm saudade da antiga escola, do subdistrito e do time de futebol São Bento”, conta a diretora. Na exposição, são muitos desenhos.

“Eles treinaram primeiro nos desenhos e depois foram para a tela a óleo”, disse Eliene.

A pintura, inclusive, foi uma das atividades que mais empolgaram. Os trabalhos foram orientados pelo artista plástico Roberto de Lima, presidente da Associação Marianense dos Artistas Plásticos (Amap). “A pintura é uma forma muito interessante de guardar as memórias. Os símbolos campeões de reprodução nas telas foram a igreja e a própria escola de Bento”, conta Roberto, ressaltando que ficou surpreso com o resultado das oficinas.

Na tela pintada por Ana Flávia Felipe, de 10 anos, os símbolos escolhidos foram as flores e o beija-flor. O pai de Ana, Francisco de Paula Felipe, 47, ficou impressionado com o trabalho da filha.
“Cada um guarda sua memória de um jeito. Ela escolheu duas coisas que tinham muito no nosso Bento. Quem sabe ela não vira uma pintora?”, torce o pai.


A história da geleia de pimenta, produzida por uma cooperativa de mulheres no antigo Bento, e que é famosa em todo o Brasil, também é contada na exposição. As crianças confeccionaram um livro de receitas usando o produto. Quem quiser levar a geleia para casa, o pote custa R$ 8.

O terceiro ano da escola fez um baú de memórias. É a mesma turma de Thiago, de 7 anos, que morreu sufocado pela lama e foi homenageado na exposição. Cada aluno relembrou sua história no Bento guardando suas lembranças em pequenas caixas personalizadas. “Os estudantes reclamavam que a história deles tinha acabado.
O trabalho mostra o contrário”, explica a diretora. Nas caixas, objetos que as crianças conseguiram salvar da lama. Muitas não tiveram tempo de pegar nada quando fugiam do mar de lama, e as recordações foram retratadas em desenhos.

Uma cama de solteira foi exposta no Centro de Convenções. Ele recebeu uma colcha de retalhos e em cada retalho uma criança fez um desenho simbolizando a sua parte na história do antigo povoado. A professora de inglês organizou um álbum de figurinhas com as crianças, mostrando fotos do antigo Bento, história contada em português e em inglês. São fotos da Igreja de São Bento, que ficava na praça principal e que foi destruída, casas e o antigo Restaurante da Sandra, famoso pela sua coxinha de frango.

Um painel com o sobrenome de todas as famílias de Bento Rodrigues também foi exposto. Em volta, marcas de mãos feitas com as crianças simbolizando a lama. Em outro canto, um varal com fotos que foram resgatadas depois da tragédia mostrando como era a vida das crianças na escola. No cantinho “Cantar Bento é o nosso talento”, a criançada relembrou músicas que cantavam na escola. O sábado foi especial para elas, pois o CD que gravaram ficou pronto e cada uma recebeu o seu.

As músicas escritas em cartazes ganharam ilustrações, bordados e outros adereços confeccionados pelos alunos.
Casinhas feitas com palitos de picolé ilustraram o cartaz com a música A casinha da vovó, que é “cercadinha de cipó”.


CARTAS
Várias mudas de plantas mostram como era a flora em Bento Rodrigues. Por lá, abacate-manteiga e a sibipiruna. Na entrada do evento, um mosaico com palavras que remetem ao Bento, como saudade e união. Um livro feito pela criançada contando a história do projeto, todo artesanal, também está exposto e busca parceria para ser publicado. Nos quadros, a escola foi a mais retratada pelas crianças. O artesanato de Bento também foi exposto. Trabalho de famílias inteiras que continuou sendo feito mesmo depois da destruição do lugar.

Cartas de crianças de vários estados brasileiros, enviadas em solidariedade aos alunos da escola, também são expostas. O time de futebol União São Bento não foi esquecido pela criançada. A camisa mais antiga do time resgatada da lama está exposta. Na barraquinha da história do Bento, textos e desenhos sobre a origem do lugarejo, com seus mais de 300 anos, mais antigo até que Mariana, quando os bandeirantes chegaram à região em busca do ouro.

As crianças fizeram ainda um calendário de 2017 com fotos do lugarejo, que agora só existe em suas lembranças, mas de um ano que ainda está para nascer.
Vida que segue. (Colaborou Guilherme Paranaiba)

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