Jornal Estado de Minas

Extremos Gerais

Conheça os moradores dos pontos mais distantes de Minas

"Tinha que ter uma segurança aqui de dia. Mas segurança parece que é só na cidade. Na parte do campo, não" - - Foto: Túlio Santos/EM/DA PressUm caminho arborizado leva do Rio Carinhanha até a casa da Fazenda Brejinho, cercada por pés de laranja, acerola, goiaba e caju, de frente para um pasto seco, a moradia mais ao norte no estado de Minas Gerais. “É do Ibama?”, quer saber o vaqueiro Laurindo José Santana, de 43 anos, o único morador a resistir na casa. Mas ele mesmo constata, como que desistindo de avistar por aquelas bandas algum servidor público: “Não passam por aqui, têm medo das pedras”. Com o sol a pino num céu aberto de inverno, na varanda da casa simples onde mora há anos, ele faz uma pausa no trabalho. “Toda a vida eu mexi com gado”, conta. Apesar de ter mulher e três filhos, um deles recém-nascido, Laurindo passa as semanas sozinho desde o início do ano passado, quando o mais velho completou 6 anos e atingiu idade escolar. “O transporte da escola vai até mais longe, mas não vem aqui porque não quer. Eu tenho que ficar só.

Ela fica com os meninos”, conta ele.

Refere-se à esposa, Jucicleia, que se mudou com as crianças para a cidade. A família se reúne na fazenda apenas nos fins de semana, quando o vaqueiro os busca, para levá-los de volta no domingo. A casa tem luz elétrica, água encanada e televisão, mas celular não funciona direito. “Ultimamente tá ruim, só às vezes pega”, conta o anfitrião. Por lá, companhia constante mesmo só a do casal de vira-latas Fred e Lupita, a última ainda filhote. Além da manutenção de duas casas e dos gastos extras com transporte, Laurindo se queixa de chegar cansado da lida e ainda ter tarefas. “Preferia não precisar de cozinhar”, desabafa.
Uma irmã já teria pedido na prefeitura o transporte escolar, até agora em vão. “Como não deram retorno, tenho que ir fazendo desse jeito”, resigna-se.

MORROS, GADO E CAFÉ
Lá na outra ponta do mapa, no trecho de terra entre a cidade paulista de Joanópolis e Monte Verde, distrito do município mineiro de Camanducaia, uma porteira logo após o marco da divisa é o primeiro sinal de civilização que se avista entrando em Minas. “É do censo?”, pergunta o lavrador Celso da Silva Pires, de 45 anos, um dos dois moradores da propriedade de 35 alqueires. “É uma fazendinha”, completa, mineiramente, enquanto sorri, sob a supervisão do labrador Spike. O irmão mais velho, Célio, volta só à noite. Os dois nasceram no local e já se acostumaram com a peculiaridade de viver em um canto meio esquecido de Minas. “O estado de São Paulo rodeia tudo por aqui”, afirma, no pequeno pátio em frente à casa onde grãos de café secam ao sol.

Lá são 200 pés de café e mais alguma lavoura, além de gado de cria.
A fazenda acomoda, do Sul para o Norte, as primeiras montanhas de Minas. Subindo o primeiro morro se avista uma plantação de batatas arrendada; o restante é pastagem. Celso conta que o pai herdou uma parte das terras e seguiu comprando mais. Na propriedade, mata nativa de meio alqueire permanece como reserva. “Já vi passar lobo-guará, porco-do-mato, onça... No verão tem cascavel nas pedras.”

A cidade mais sábia do mundo


O proprietário rural revela que o lugar recebe visitantes interessados na escalada. “Lá de cima aparece Atibaia”, aponta. O Ribeirão do Abel corre ao lado da casa, cercada de árvores. Sobre o nome do lugar, o morador conta a história de dois antigos caçadores da região. Abel teria tentado assustar o colega armado na mata.

“O companheiro o matou no susto. Então, Abel virou nome do bairro”, explica.

Apesar da localização em Minas, a referência para a comunidade é São Paulo. “Faz seis anos que fui a Camanducaia. É tudo em Joanópolis, médico, compra... Tudo.” Uma eleição em dia de chuva foi a última vez em que Celso tentou votar em Minas. Estradas de terra malconservadas, o relevo acidentado e a lama o fizeram encontrar a sessão eleitoral já fechada. “Votei no Alckim”, acrescenta ele, que transferiu o título de eleitor, em referência ao atual governador do estado vizinho.

Dos cinco irmãos, na fazenda só restaram os dois homens. O pai, Bento, mudou-se há um ano para Joanópolis; a irmã Célia seguiu a mesma direção no início de agosto passado. “Teve um assalto, aproveitaram que o marido não estava e amarraram ela.
Eram três da tarde. Aqui tá chegando malandro”, afirma Celso, em tom preocupado. Depois do incidente, o casal se mudou de vez para a cidade no estado vizinho, juntando-se às duas filhas. Segundo Celso, a recente ocorrência de roubos não se restringe ao bairro. “Nos outros é tudo a mesma coisa”, protesta. “Tinha que ter uma segurança aqui de dia. Mas segurança parece que é só na cidade. Na parte do campo, não.”

- Foto: Túlio Santos/EM/DA Press
Queixas do Norte fazem eco no Sul


Mais de 1,5 mil quilômetros separam as pontas norte e sul de Minas, mas as queixas dos vizinhos de São Paulo fazem eco entre os mineiros que moram ao lado da Bahia. Estradas intransitáveis, descaso e falta de segurança espreitam também quem anda pelas bandas do sertão. Descendo pela Bahia no trecho da BR-135 que liga a cidade de Cocos à divisa com Minas, o caminhoneiro Cléber Luciano Avelino, de 38, já pensava em não voltar. “É só buraco, tem lugar que nem carro de boi passa”, reclamou. Devido ao receio de assaltos, a empresa o proíbe de rodar à noite na estrada.

O acesso na divisa dos dois estados é feito em Pitarana, distrito da cidade mineira de Montalvânia, onde uma ponte de madeira há tempos é alvo de protestos. O vereador Tita, que mora no local, aponta o histórico de acidentes e a falta de segurança na estrutura. Por duas vezes atearam fogo à travessia, conta ele, sempre na madrugada.

A revolta se agrava pelo fato de que a menos de um quilômetro dali corre paralelamente um trecho impedido da BR-135, com uma ponte de concreto nova e sem uso sobre o Rio Carinhanha, concluída há cerca de quatro anos e que termina em uma barricada de madeira e arame farpado. “A ponte que vai a lugar nenhum”, como define Tita. O Dnit informa que já foram feitas contratações, mas as obras da rodovia federal no lado baiano ainda não foram iniciadas.

Enquanto isso, apesar da sinalização, pelo menos três carros e um caminhão já teriam atravessado a barreira improvisada, em acidentes cujos vestígios ainda são visíveis. “O motorista vai em velocidade, não vê e passa direto”, conta Josias Rodrigues de Lima, de 79 anos, que se apresenta como proprietário das terras cortadas pela estrutura inútil. Ele afirma nunca ter sido procurado para tratar da continuidade das obras e lista em detalhes as plantações e benfeitorias acumuladas. “Mudando minhas coisas, pode passar a estrada. É ela que vai valorizar a terra”, avalia. 

NOTAS DO PEDAL 


Se chover, para

Dos 66 quilômetros de estrada que vão de Montalvânia a Manga, no que seria o único acesso asfaltado ligando o extremo Norte ao restante do estado, 18 quilômetros ainda não pavimentados dificultam as viagens do motorista Klemerson Silva Santos, de 34 anos, que percorre diariamente a rodovia. “Quando começa a chover, para”, conta. Apesar de obras na pista e novas previsões de que o asfalto sairia em seis meses, ele permanece cético. “Já falaram que vão entregar umas três ou quatro vezes antes”, justifica.
- Foto: Túlio Santos/EM/DA Press

Cidade dos jovens
A história da Escola Caio Martins (foto) é a história de Juvenília, município mais ao norte de Minas. “A cidade se formou a partir da escola”, conta o programador  Adaílton Rodrigues de Souza, de 42 anos. Fundada em 1953 pelo coronel Manoel José de Almeida, no comando de uma equipe que contava com um grupo de jovens escoteiros, a escola erguida no meio do sertão logo começou a atrair famílias, que foram se instalando nos arredores. A referência à juventude se manteve no nome da cidade, emancipada há apenas 21 anos. Hoje, estudantes se reúnem ao redor do wi-fi gratuito na pequena praça do Centro, pavimentado com pedras e cercado de ruas de areias brancas.

Primeira rua
Uma pequena ponte de concreto sobre o Rio Carinhanha, em um trecho não asfaltado da BR-030, é o acesso mais setentrional ao território mineiro. Providencialmente, a rodovia ganha o nome de Avenida Minas Gerais e segue por cerca de um quilômetro até o Centro de Juvenília. No lado mineiro da divisa, a Rua José Reinaldo Sanchez segue paralela ao rio. É onde mora e pesca o pedreiro aposentado Domingos Rosa dos Santos, de 59 anos. “A paisagem é ótima, né? Isso aqui mais uns anos vai virar condomínio fechado e 'os pobre' vai sair tudo”, brinca. Sobre as dificuldades de viver no que chama de “cantinho do céu”, ele menciona a “enchentezinha violenta do início do ano”, e lembra também a falta de emprego e de calçamento na rua. “Quando não chove é poeira; quando chove é lama”, critica, sem largar o sorriso. Preparando uma isca no fim da tarde, seu Domingos conclui que apesar de tudo, é um privilegiado: “Cidade grande é campo de concentração. Aqui é sossego”.

Boas de Bola
MBB (Mulheres Boas de Bola) é a única equipe de futebol de salão uniformizada de Juvenília, e joga junta há um ano e meio. O time conta hoje com 15 jogadoras, dos 15 aos 31 anos. Segundo o técnico Mike Pina, a equipe que começa jogando depende do adversário. A escalação do dia contava com Marlene no gol, Eliana e Léia como fixos, Neia de pivô e Katyelle como ala. Os treinos ocorrem de segunda a quinta-feira, no Ginásio Poliesportivo Coronel Reinaldo Veriano dos Santos, e às vezes incluem partidas contra a equipe masculina do Pernas de Pau, batizada pelas próprias garotas. A maior rivalidade, porém, é com a equipe do Meninas Esporte Clube (MEC), da vizinha Montalvânia. O MBB conta com a boa vontade de comerciantes locais e empresas que doam coletes de treino e ajudam nas despesas de viagem. “O que nos une é a paixão pelo futebol”, defende a goleira Marlene.

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