Leia Mais
Repórter do EM cruza Minas de Norte a Sul em bicicleta e relata históriasPolêmica, vaquejada é uma das grandes atrações da Região Norte de MinasConheça os moradores dos pontos mais distantes de MinasConheça a história de uma cidade planejada em pleno sertão de MinasA etnia identificada por sua relação com as águas que rema contra a secaEscola de reserva indígena é incendiada em Minas; veja vídeoAndarilhos percorrem a rodovia Fernão Dias em vida à margem do asfaltoTrecho da Estrada Real está esquecido e degradado por motos e lixoConheça as três cidades que disputam o título de centro geográfico de MinasMorador que reconheceu fósseis de dinossauro em Minas luta para que feito não seja esquecido
“Esse trecho é danado”, aponta o motorista de ônibus Paulo Alves, de 21 anos, passando uma pequena ponte de madeira sobre o Rio Peruaçu e encarando o areião no limite da terra indígena. Vindo de Miravânia, a estrada desce em boas condições por 17 quilômetros, cortando silenciosa a paisagem de mata nativa e acabando de repente na palavra “fim”, apropriadamente escrita sobre a última porção asfaltada.
Moradores de cidades no trajeto aguardam a retomada da obra, interrompida durante processo de licenciamento ambiental que se arrasta há quase seis anos. Ofício da Funai do início de 2011 pediu ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER) a interrupção, sob a justificativa de que os estudos de impacto apresentados seriam insatisfatórios e não teriam levado em conta a possível expansão da terra indígena, que é analisada em processo ainda inconcluso.
Motoristas evitam transitar com carros pequenos por lá, devido ao risco do terreno arenoso, onde veículos atolam com frequência. Mesmo em caminhões e carros maiores, a chance de ficar pelo caminho no meio do nada é grande.
“Bom pra uns e prejudica outros”, afirma Arthur Pereira dos Santos, de 60 anos, ao lado de Arhtur Filho, de 22, ambos lideranças indígenas xacriabá morando ao lado do Rio Peruaçu. “O Peruaçu era um rio forte, mas vem diminuindo, secou a nascente grande. Agora, só as nascentes pequenas”, conta o pai, que lembra das primeiras reuniões que discutiram a pavimentação da rodovia. Segundo ele, entre outros pontos, estava acertado com os responsáveis pela obra a retirada de três caminhões de água por dia. “Mas tiravam até 40. Os peixes pequenos ficavam na tubulação”, ele conta. “Comunicamos ao Ibama”.
Plantando feijão, milho e mandioca, e criando porcos, galinhas e algum gado, Arthur Filho não se sente afetado pela falta de asfalto, mas não veria problemas se fosse feito como querem os indígenas, com túneis subterrâneos para animais silvestres, cercamento para a criação e outras contrapartidas apropriadas. “Tem de ouvir o povo, ouvir a comunidade. Além de ser terra indígena que tem de ser respeitada, o papel da gente é esse, preservar a natureza.”
POSSE HISTÓRICA Para o cacique Domingos Nunes de Oliveira, a área demarcada como território indígena é 70% menor do que é direito dos Xacriabá, que são o maior grupo indígena de Minas Gerais e receberam a posse da terra em 1728 das mãos da Coroa Portuguesa, a pedido de Januário Cardoso, filho do bandeirante Matias Cardoso. “É uma região onde a gente tá um pouco vulnerável”, afirma.
Segundo o antropólogo Jorge Luiz de Paula, chefe do serviço de Gestão Ambiental e Territorial da Funai, não há impedimento técnico para que seja feito o asfaltamento de vias na terra indígena, desde que sejam atendidas as exigências referentes ao impacto ambiental.
Morador de Miravânia, o funcionário público Orlando Custódio Jorge, de 38 anos, diz que a situação cria “uma dificuldade muito grande”. Se em condições normais a viagem no único acesso até Januária já é difícil, numa emergência ela se torna dramática. No início de outubro, acompanhando numa ambulância a mãe que sofria um princípio de AVC, ele conta que o trecho parecia intransponível. “Quem estiver são fica doente, e quem estiver doente acaba de morrer”, afirma. “É um trecho que parece infinito”. Não bastasse o terreno difícil, a pequena ponte de madeira sobre o rio Peruaçu havia caído, e o motorista precisou arriscar uma travessia pelo curso d’água.
Dando vida ao barro
Ao lado da rodovia estadual MG-603 se encontra a comunidade de Olaria, que abriga a Associação dos Artesãos da Comunidade de Olaria e Adjacências, criada em 1999. “Tem muito mais de 100 anos esse trabalho, desde os primeiros moradores”, afirma a artesã Nilda Muniz Farias, de 39 anos, sentada no chão, modelando uma peça. “Antes, trabalhava cada um na própria casa”. As mais antigas teriam aprendido a fazer cerâmica com os índios, mas há quem diga que tudo teria começado com quilombolas. A artesã Maria do Socorro Durães, de 48, conta: “Quando vou mexer na terra do quintal, a gente acha caco, pedaço de pote, não dá nem pra saber de quem que foi. É de antigamente, de muito tempo”.
O trabalho se inicia na coleta do barro, às vezes acompanhado de um piquenique, incentivo para os homens, que trazem pesados carrinhos de mão dos barreiros distantes. Depois de seco, quebrado e peneirado, uma mistura é feita com “água, caroço grosso e pó fino, tudo o mesmo barro”, explica Nilda. Começam, então, a modelar, e a queima das louças, que antes era feita “no tempo da seca”, hoje se faz em qualquer estação, dependendo do volume acumulado para acender o forno.
Mas há dificuldades. Cada vez com mais cercas, o acesso aos barreiros diminui. Conhecido como toá, o barro para pintar as louças acabou na região e hoje vem do Vale do Jequitinhonha. As encomendas – jarras, moringas, bandejas e potes – seguem de ônibus para São Paulo, e peças são apresentadas em feiras de artesanato em Brasília, no Rio de Janeiro e em outras capitais.
Diários da bicicleta
O instinto me guiou