O aposentado e artista plástico Ubirajara Alves Macedo, o Bira, de 70 anos, é voluntário numa luta solitária pela preservação da memória. Ele se tornou uma espécie de guardião da história – e da pré-história – de Coração de Jesus (Norte de Minas) desde que participou diretamente da descoberta de fósseis de um dinossauro no município, em 2004. Depois de longo estudo, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que os fósseis eram de um titanossauro de aproximadamente quatro metros de altura e 10 toneladas de peso, que acabou batizado como Tapuiasaurus macedoi – em referência aos índios tapuias que habitavam a região e ao sobrenome de Bira. Doze anos depois daquele achado, a história do artista plástico e sua batalha para que fósseis levados para pesquisa voltem a Coração de Jesus e para que a cidade seja reconhecida são temas da quarta reportagem da série, que retrata viagem de bicicleta de norte a sul de Minas. “Hoje, quase ninguém sabe que teve (a descoberta dos fósseis)”, lamenta.
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Em Minas, terra indígena dos Xacriabás vira limite para o asfaltoSaiba quem é Antônio Montalvão, um desbravador do sertão mineiroConheça a história de uma cidade planejada em pleno sertão de MinasRepórter do EM cruza Minas de Norte a Sul em bicicleta e relata históriasConheça os moradores dos pontos mais distantes de MinasTrecho da Estrada Real está esquecido e degradado por motos e lixoConheça as três cidades que disputam o título de centro geográfico de MinasAnos de desmatamento e erosão se seguiram até que, em 2004, mais um barranco desceu. Um vaqueiro foi o primeiro a notar que, daquela vez, havia um osso diferente em meio à terra. O homem levou o fóssil pra casa – pensava que era de um elefante. “Escorou numa janela”, conta Bira. Como o artista plástico era conhecido pelo interesse por explorar áreas do município, acabou recebendo o osso de um oficial de Justiça que soube do caso. Imediatamente depois de ver o achado, Bira seguiu até o local da descoberta. “Quando cheguei lá, vi que era um dinossauro”, lembra.
Pesquisa Tudo mudou quando Bira recebeu o telefonema de um rapaz que havia visto a reportagem na TV perguntando se ele receberia pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Os estudiosos chegaram, confirmaram que se tratava de um dinossauro, e dos grandes, e iniciaram em 2005 trabalhos em dois sítios paleontológicos que se estenderam até 2011. “É o titanossauro mais completo do mundo, o único que tem a cabeça completa”, diz Bira. “Acharam quase 90%, não falta um dente”, acrescenta.
Hoje, Bira segue apurando informações que recebe sobre a possibilidade de que haja mais esqueletos preservados nos locais de escavação. “Dizem: ‘em tal canto apareceu isso’. Aí, a gente vai ver se é verdade”, conta. Assim como o pai fez com ele, o aposentado costumava levar o filho em suas andanças e hoje caminha com o neto, de 12 anos. Explorando a zona rural de ônibus, ele por vezes segue para os locais relatados, pernoita na mata e retorna à estrada no dia seguinte. Qualquer material encontrado é armazenado no Centro Cultural José Alves Macedo, fundado há 12 anos por Bira e que leva o nome do pai dele. O local é mantido com a venda de artesanato.
Sem estradas que permitam o acesso aos sítios onde estavam os fósseis, o sonho de Bira é mobilizar a cidade e negociar para asfaltar o caminho e criar um a espécie de museu a céu aberto. “No sítio está tudo parado. O fazendeiro cercou a área para o gado não destruir”. Hoje, no município em que o Tapuiasaurus macedoi foi descoberto, duas réplicas de dinossauros que mais se parecem a tiranossauros rex e decoram um parque são das poucas referências de que ali houve um capítulo fundamental da paleontologia brasileira.
Diários da bicicleta
Como previsto, o agageiro quebrou
Deixando Cônego Marinho numa parada para reabastecimento “movido a prato feito”, como diria um colega cicloviajante, sigo para Januária num dos trechos mais cênicos da viagem. Serras e formações rochosas vão dando lugar a canaviais com a proximidade do Vale do São Francisco. Passadas as primeiras fábricas de cachaça em Brejo do Amparo, a igreja matriz no local da antiga taba indígena lembra que ali se encontra um dos povoamentos mais antigos do estado. A chegada em Januária, com mais de 65 mil moradores, é também o primeiro encontro com o Velho Chico. Aproveito a cidade para organizar equipamentos e despachar mais peso nos correios, e após alguns dias, sigo no fim de tarde para a vizinha Pedras de Maria da Cruz, também na beira do rio.
Notas do pedal
Raiz musical
Angicos de Minas, distrito na zona rural de Brasília de Minas (Norte do estado), abriga um personagem presente no imaginário dos adultos da região. Andarilho e músico, Pedro Doido, chamado também de Pedro Candinha, nasceu Pedro Rodrigues de Jesus, filho de dona Candinha. Ainda pequeno, na primeira vez em que pegou numa rabeca, já tocou o Canto de Bom Jesus, e nunca mais parou. Há quem diga que teria 100 anos, com palpites que chegam aos 104 anos, mas segundo uma sobrinha, o cálculo mais correto somaria 97 anos de idade. Na juventude e quase toda a vida adulta, percorreu a pé a região, tocando sozinho por fazendas e estradas, correndo da perseguição de crianças e cachorros e se apresentando nas festas e folias que encontrava. “Ele ficou no mundo, dormia nos matos, calçadas, carregando uma pirata (chicote) e a rabeca”, conta Canuta Maria de Jesus, de 92 anos, “depois que veio pra cá é que o povo respeita mais ele”. Dona Canuta, como é conhecida, adotou o andarilho há 50 anos, que hoje mora numa casa simples de um cômodo construída pra ele. Viúva há 6 anos, o marido no fim da vida, sabendo que estava partindo, teria pedido que seguisse cuidando de Pedro. “Todo mundo tomou amor com ele”, explica.
Praia em Minas
A Praia de Minas, em Januária, permaneceu aberta este ano de 9 de julho a 7 de agosto, gerando renda extra para os barqueiros do Rio São Francisco que atravessam visitantes a R$ 2 por pessoa. Uma área para banhistas é delimitada pela Marinha e muda todo ano conforme o movimento do rio. Barracas funcionam dia e noite enquanto houver movimento, “fritando peixe até a água dar no joelho”, brinca no balcão a cozinheira Maria Domingas dos Santos, 23 anos de praia. “É a melhor coisa que tem no Norte mineiro”, diz o poeta e pescador Carlos Lúcio Nunes de Oliveira, mais conhecido como Carlúcio, que declama poemas se protegendo do caboclo-d’água e denunciando um rio que chora pela falta que fará no futuro. “Quem não conhece não sabe o que perde, pena que é pouco tempo”.
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