Um sinal que pode evoluir para um desastre, quando ignorado. As trincas, problema mais detectado nas vistorias de técnicos da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil desde o início do período chuvoso, são o primeiro indício de que há falhas que precisam ser corrigidas nas edificações. Dados sobre atendimentos do órgão entre 1º de outubro e ontem mostram que as trincas, sozinhas ou associadas a infiltrações e a casos em que havia ameaça à vida humana, foram responsáveis por 110 das 384 ocorrências relacionadas a risco geológico no período. Esse tipo de falha foi identificado em agosto pela Defesa Civil em um muro que desabou na manhã de ontem na Rua Abre Campo, no Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul. No acidente, uma mulher de 63 anos morreu soterrada enquanto dormia. Tanto a idosa quanto o condomínio vizinho já haviam sido notificados da necessidade de obras de reparo, que não foram feitas adequadamente. Uma perícia será feita para apurar as causas do acidente.
Embora a Defesa Civil não faça relação entre o colapso da estrutura e a forte chuva da noite de terça-feira, alerta para a importância de avaliação de trincas por profissional especializado, já que elas podem ser potencializadas pela chuva, a depender da localização. Ainda por causa da temporada chuvosa, a Defesa Civil mantém 108 pontos de monitoramento permanente com risco alto ou muito alto para desastres relacionados a enchentes e deslizamentos de encostas em BH. “As trincas são as primeiras patologias identificadas em qualquer estrutura e podem ter causas simples, como uma dilatação de materiais, ou podem ser indício de processos complexos, como abatimentos de fundações ou sobrecarga nas estruturas”, afirma o gerente operacional da Defesa Civil, coronel Waldir Figueiredo. De primeiro sintoma, o coronel diz que a trinca pode evoluir para rachaduras e consequente desabamento de edificações. “Por isso é tão importante haver avaliação de um técnico habilitado para descobrir a causa do problema e promover a correção da patologia, com uso de prática construtiva adequada”, recomenda.
Em pleno período chuvoso, o coronel chama atenção para o perigo das trincas localizadas em partes de sustentação, como vigas, ou aquelas que causam deformações de muros, desprendimentos de estruturas, deslocamento de materiais ou de parte da edificação. “Esses já são problemas graves, ainda mais potencializados pela chuva, já que a água aumenta as cargas e favorece o colapso das construções”, alerta. O balanço de ocorrências e vistorias da Defesa Civil indica ainda que em 43 casos avaliados pelo órgão desde outubro foi detectado risco de danificação ou destruição de habitações, registro que vem em segundo lugar, depois das trincas. Em outros 20 casos foi constatado risco de desabamento de muro de arrimo – no mês de setembro houve outros 10 ocorrências do tipo. Um dos casos em que o muro de arrimo cedeu ocorreu no último sábado, na Rua Iracy Manata, no Bairro Buritis. No local, parte da encosta desceu e a terra invadiu o apartamento térreo do Edifício Mont Blanc Mirabeau. A unidade continua interditada e os moradores negociam com os vizinhos do prédio dos fundos o processo de reparação dos estragos. Não houve vítimas e o local não dava indícios de colapso, segundo moradores.
OBRAS No caso do acidente de ontem, a Defesa Civil já havia dado o alerta para necessidade de intervenção no local onde o desabamento de um muro de 4,5 metros matou Ângela de Fátima Fernandes, de 63 anos, que morava com os pais em um terreno na Rua Abre Campo. O quarto em que ela dormia, em um barracão, ficou destruído. Apesar da chuva no momento do desastre, a Defesa Civil afirma que a precipitação não tem relação com o caso, já que existe um histórico de problemas na estrutura que desabou – um muro de divisa entre o terreno onde ficava o barracão e um prédio vizinho. Uma perícia vai esclarecer o que causou o desastre.
Irmão de Ângela, Euclides Macedo lembra que a síndica do edifício vizinho já tinha sido notificada pela Defesa Civil para resolver problemas de trincas na estrutura que ruiu. “Tinha uma infiltração no muro. Chamamos a Defesa Civil e a síndica duas vezes e falamos do problema. Ela disse que era problema com a caixa de gordura e que ia fazer o orçamento. Depois de dois meses que começaram a arrumar a caixa de esgoto”, reclamou. “Foi uma obra malfeita, porque desde que o prédio foi construído, o muro começou a ceder. Sempre falamos que tinha que ser colocada uma contenção para não acontecer o pior”, desabafou Euclides. “A chuva ajudou, mas a negligência foi maior”, completou.
Euclides conta que foi avisado pela mulher dele sobre o acidente. “Ela disse que meu pai tinha ligado informando que tinha caído o muro em cima do barracão. Eu vim de imediato, por volta das 7h10. E a porta não estava abrindo, consegui arrombar e, como vi muito entulho em cima dela, já tinha percebido que nós a tínhamos perdido”, lembra. Para o irmão de Ângela, ela dormia no momento do desabamento. “Deve ter acontecido por volta das 2h. Meu pai falou que não ouviu nenhum barulho. Quando acordou 6h, viu o acontecido”, afirmou Euclides.
Raquel Fernandes, irmã de Euclides e Ângela, criticou o condomínio vizinho e também a Defesa Civil. “Deu vazamento aqui e ficou muito tempo para arrumar. Esguichava água lá o tempo todo e, com isso, o muro tombou”, disse. “Realmente a Defesa Civil veio, mas eles (os vizinhos) demoraram muito tempo para arrumar. Não foi uma coisa de imediato. E com isso foi só piorando. Vazava água na parte do fundo todo dia”.
Técnicos da Defesa Civil que estiveram no imóvel ontem para fazer uma vistoria afirmaram que tanto o condomínio vizinho quanto Ângela haviam sido alertados sobre necessidade de intervenções por problema no muro de divisa dos terrenos. Segundo o agente Nilson Luiz da Silva, Ângela foi orientada a contratar um profissional para avaliar a situação e eliminar perigos. Em agosto, A Defesa Civil classificou o caso como de risco “médio”. Nilson confirmou que o edifício vizinho também foi notificado por problemas de vazamentos. “Em outubro, descobriu-se que havia problemas nas tubulações hidráulicas do prédio na região dos fundos. Então foram feitas as reparações”, diz. Segundo ele, aparentemente o esgoto se infiltrava nos fundos do imóvel e moradores de prédios vizinhos já tinham informado que o muro apresentava desalinhamento. O EM não conseguiu contato com responsáveis pelo Condomínio Ipê Amarelo, vizinho ao terreno onde Ângela vivia.