Jornal Estado de Minas

Sinos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo vão quebrar o silêncio após 40 anos

Os sons do Natal, e muitos outros, vão voltar ao carrilhão da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, entre os bairros Carmo e Sion, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, depois de 40 anos em completo silêncio. Composto por 36 sinos, de tamanhos diversos e próprios para tocar peças musicais, o sistema de engrenagem eletromecânica inaugurado em 1958 está em restauração numa oficina da capital e ganhará dispositivo eletrônico para acioná-lo e se adaptar aos novos tempos. “Na época, os sinos foram doados por famílias e autoridades, entre elas o então presidente da República Juscelino Kubitschek”, diz o pároco da igreja, o frei carmelita Miguel Guzzo Coutinho, no alto da torre localizada ao fim de 148 degraus e mais duas pequenas escadas de ferro.


A mudez por tantas décadas do carrilhão, considerado um dos três maiores de igrejas do Brasil, ao lado das catedrais de Brasília (DF) e São Paulo (SP), se deveu à falta de recursos. “Somente depois da realização de um bazar, com peças doadas, é que conseguimos o valor de R$ 80 mil para pagar o conserto”, conta frei Miguel, à frente da tradicional paróquia desde julho de 2014. O sonho de ouvir o carrilhão enfim está próximo, embora a data em dezembro não tenha sido marcada, depois de não se concretizar, em 2013, nas comemorações de 50 anos da igreja pertencente à Ordem do Carmo.

O pároco conta que cada um dos sinos toca uma nota musical e será adaptada uma pianola ao sistema, para variar o repertório sacro. Além de marcar as festividades natalinas, explica o religioso, ele será importante em 2017, ano de grandes celebrações marianas, como os 300 anos de surgimento da imagem de Nossa Senhora Aparecida, nas águas do Rio Paraíba do Sul, em São Paulo, o centenário de aparecimento de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal, a três crianças, e os 250 anos de peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

EM LATIM A caminhada até a torre do campanário é longa para quem não está acostumado com a arquitetura das igrejas, mas vale a pena. Lá do alto, depois de passar por dois alçapões, é possível ver parte da Serra do Curral, a movimentada Avenida Nossa Senhora do Carmo com seus edifícios e a cobertura da igreja inaugurada em 1963, fruto do trabalho do holandês frei Inocêncio Gerritsjans, responsável pela construção e instalação do campanário. A cerimônia do sinos, na época, foi presidida pelo então bispo coadjutor da Arquidiocese de BH, dom João de Resende Costa.

O interessante notar as inscrições em latim, com tradução em português, gravadas no bronze dos sinos, obra do fabricante holandês Van Bergen, da cidade de Heiligerlee, que veio a BH para acompanhar a instalação do carrilhão, em 6 de abril de 1958, um “domingo de páscoa, às 3h da tarde“, conforme os registros.
Na torre, pode-se ler: Hei de cantar eternamente a glória de Jesus Cristo, Salvador do mundo, filho de Deus. Daqui cantarei sempre, em honra e louvor da Santíssima Virgem do Monte Carmelo.

A cada peça, há também menção aos doadores, a exemplo do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), José Maria Alkimin (1901-1974), que era ministro da Fazenda, e o prefeito de BH, Celso Mello Azevedo (1915-2004). As inscrições são singelas, como se o carrilhão agradecesse ao benemérito. No caso de JK, está impresso: “Foi o dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira, excelentíssimo Presidente da República, que (sic) me doou a este santuário carmelitano”.

HISTÓRIA

Vindos de São Paulo e comandados pelo frei holandês Atanásio Maatman, os carmelitas chegaram a BH no fim da década de 1930 para fundar uma igreja de grandes dimensões. Na época, a região, que muita gente chama hoje de Carmo-Sion, tinha o nome de Acaba Mundo, pois se imaginava que a cidade terminava ali. De início, os frades ergueram um templo pequeno e provisório, de alvenaria, voltado para a Rua Grão Mogol.
Mais tarde, quando JK era prefeito e começava a abrir a antiga rodovia BR-3 (atual BR-040), ligando BH ao Rio de Janeiro, frei Inocêncio Gerritsjans, então dirigindo a ordem na capital, decidiu fazer a frente voltada para o trecho da estrada que se tornou a Avenida Nossa Senhora do Carmo. Assim, foi usado o mesmo projeto, por isso o piso é meio inclinado: onde está a entrada principal seria o altar, e vice-versa.

O projeto demorou mais de 20 anos para sair do papel. Para conseguir o dinheiro, frei Inocêncio circulava pela Cidade Jardim, considerado então “o bairro das famílias ricas de BH”. Há registro de que ele entrava nas festas, ao final tocava piano e depois ganhava adesão. Era comum ainda ver outros religiosos pelas ruas, batendo de porta em porta atrás dos recursos necessários para a obra.

Memória

Refrão de Ave Maria três vezes ao dia


Em 6 de abril de 1966, o Estado de Minas mostrou como seria o funcionamento do campanário, inaugurado na tarde daquele domingo de Páscoa. “Van Bergen em pessoa colocará em movimento os seus sinos”, era a manchete do jornal, explicando que “trata-se do representante atual da família de construtores de carrilhões”. E mais: “Um pouco da história desses grandes artistas holandeses”. De acordo com a guia de importação, o equipamento de 36 sinos e mais três para o relógio tem um dispositivo para tocar manualmente a teclado ou automaticamente acionado por motores elétricos.
Quando ainda estavam funcionando, há 40 anos, os sinos tocavam um refrão da Ave Maria às 7h, às 12h e às 18h.

Enquanto isso...

...Obras adiadas na Igrejinha


As obras de restauração da Igreja de São Francisco de Assis, conhecida como Igrejinha da Pampulha, foram adiadas por 12 meses e as 229 cerimônias de casamento marcadas para 2017 estão mantidas. “A previsão, acordada com a Prefeitura de Belo Horizonte, era dar início aos trabalhos ainda neste mês de novembro. Neste sentido, a prefeitura já havia assinado termo de compromisso com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e licitado a execução da obra. A pedido da Paróquia de São Francisco, a execução do restauro fica adiada por 12 meses”, informou o Iphan. “As obras com recursos do PAC Cidades Históricas não foram iniciadas por solicitação formal do pároco, em função dos eventos, como casamentos e batizados, agendados até novembro de 2017”, completa a nota.

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