Se os próximos quatro prefeitos de Belo Horizonte não tomarem medidas eficazes para melhorar a drenagem da cidade, para alertar a população sobre inundações, para acompanhar em tempo real as vazões dos principais cursos d’agua e para dispor melhor os resíduos, a capital mineira estará sujeita a um quadro caótico até 2030. Esse é o alerta da “Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas do Município de Belo Horizonte”, documento que estima os impactos do clima na cidade em 14 anos, entregue ontem ao vice-prefeito de BH, Délio Malheiros. O estudo é categórico ao indicar que 207, ou 42% dos 486 bairros da cidade, incluídas vilas e favelas, já se encontram em situação de alta vulnerabilidade ao clima, especialmente aos efeitos do calor e da chuva, representados por ocorrências como alagamentos e deslizamentos. Se nada for feito, em 2030 a situação tende a ser muito pior, já que esse número pode dar um salto, atingindo 331 bairros (68% do total atual). Não entram nessa perspectiva a expansão da cidade, que pode deixar tudo ainda mais complicado, ou possíveis obras e intervenções públicas que ajudariam a melhorar a situação.
Isso significa que mais da metade de Belo Horizonte pode estar vulnerável em 2030 a chuvas torrenciais, causadoras de alagamentos e deslizamentos, e também aos efeitos do aumento das temperaturas. A junção desses dois fatores, por sua vez, cria condições ideais para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika vírus e febre chikungunya, um dos critérios considerados para compor o quadro de vulnerabilidade. A projeção é de que em 2030 o Bairro São Bernardo, na Região Norte de BH, seja o mais suscetível aos riscos provocados pelo clima, com grandes possibilidades de inundação, proliferação do mosquito da dengue, ondas de calor e também de deslizamentos, esse último em um grau menor (veja ranking dos bairros).
Dados relativos ao futuro do clima indicaram aos pesquisadores que conduziram o trabalho que, em 2030, os eventos extremos de chuvas, assim consideradas as tempestades de mais de 10 milímetros, vão aumentar em 32%. Além disso, as simulações climáticas mostram que os 5% dos dias de maior calor do ano em BH serão 10 vezes mais quentes. “Se a gente pensar que a população vai crescer, principalmente as regiões de periferia, com assentamentos subnormais, talvez a situação seja pior do que a gente estima. Por outro lado, o estudo não considera nenhum planejamento de investimentos do município, que podem mitigar essa situação”, afirma Henrique Pereira, diretor da Way Carbon, empresa de base tecnológica que desenvolveu o estudo para a Prefeitura de BH.
O documento mostra que as regiões Norte, Leste e Nordeste da cidade são aquelas com maior vulnerabilidade no período avaliado. Esse conceito foi estipulado a partir da combinação de alguns indicadores, como exposição, sensibilidade, impactos e capacidade de adaptação. No quesito exposição, o estudo considerou chuva e calor. Na sensibilidade, entraram fatores como topografia, solo, impermeabilização, além de critérios socioeconômicos, incluindo o tipo de moradia, educação e renda da população. A junção entre exposição e sensibilidade gera os impactos, que são inundações, deslizamentos, ondas de calor e a presença do Aedes aegypti. Excluindo dos impactos a capacidade de adaptação, com base principalmente na estrutura de resposta aos desafios disponibilizada pelo poder público, chega-se ao índice de vulnerabilidade.
Levando esses cálculos em consideração, em 2030 os moradores do Bairro São Bernardo, Norte de BH, podem estar sobre a área mais vulnerável na capital mineira. Hoje, a comunidade já é a terceira no ranking das 10 mais vulneráveis. Daqui a 14 anos, tende a ficar ainda mais suscetível às inundações, com alerta especial sobre o Ribeirão Pampulha, terá uma condição crítica de calor – e por isso terá os ingredientes suficientes para a proliferação da dengue e demais doenças causadas pelo mosquito transmissor. “Eu só não saí daqui ainda porque eu não tenho dinheiro. Tenho vontade de ir para um lugar com mais qualidade de vida”, diz Adriana Rodrigues dos Santos, de 41 anos, atualmente desempregada e que em 2015 sofreu com todos os sintomas da dengue. “Eu só não fiz os exames, mas tenho certeza de que era”, afirmou, enquanto passava pela ponte sobre o ribeirão, nas imediações da Avenida Cecília Pinto, ponto frequente de alagamentos. “Em 2013 a ponte ficou debaixo d’água e impediu a passagem de quem precisava trabalhar. Ultimamente deu uma amenizada, mas o medo de quem mora aqui continua”, diz a moradora.
Às margens do curso d’água, montes de lixo se amontoam e criam condições ideais para o acúmulo de água parada e para as enchentes. A população espera há muito tempo por melhorias, que incluem intervenções também no Córrego Cachoeirinha, que corre no meio da Avenida Bernardo Vasconcelos, e no Ribeirão do Onça, formado pela junção de Pampulha e Cachoeirinha. Segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), a obra que prevê a otimização de todo o sistema de drenagem das bacias dos três cursos d’água está avaliada em R$ 442,3 milhões, com previsão de remoção de 1,3 mil famílias de áreas de risco de inundação. A licitação deverá ser lançada no primeiro semestre do ano que vem, segundo a Sudecap, e essa intervenção é de grande complexidade e abrangência.
“O desafio é muito grande, porque nós temos uma cidade cada vez com menos áreas para a drenagem de água. Temos uma população urbana crescente e muitos problemas a serem enfrentados com as mudanças climáticas”, afirmou o vice-prefeito de Belo Horizonte, Délio Malheiros. Ele destacou ainda que a prefeitura teve muitos problemas com a crise econômica e que faltou dinheiro para muitas obras, em especial aquelas mais complexas de prevenção de enchentes. O vice-prefeito ressaltou que as próximas gestões terão o documento dos impactos do clima em mãos para nortear o crescimento da cidade e saber quais são as ações prioritárias. “Temos que trabalhar com o cenário de curto, médio e longo prazos. A curto prazo na prevenção, para evitar que pessoas que moram nas encostas sejam vítimas de acidentes; a médio prazo, em ações de governo, como o novo Plano Diretor; e a longo prazo, nas obras de drenagem”, afirma.