Sob o impacto dos mais recentes deslizamentos de terra em Belo Horizonte, que expulsaram de casa quase 40 famílias de dois blocos de um condomínio no Bairro Camargos, na Região Noroeste, e derrubaram ontem parede em um centro de compras no Olhos D’Água, na Centro-Sul, a estação chuvosa de 2016 vem revelando um novo perfil de risco na capital.
Com tempestades que não eram vistas desde a temporada 2011/2012 e precipitação que em apenas 15 dias superou a média histórica de todo o mês em oito das nove regionais, foi reforçado o alerta e o monitoramento em áreas de encostas de vilas e favelas e de ocupações, mas os principais problemas foram registrados na chamada cidade formal.
Os transtornos em bairros urbanizados vêm se traduzindo em alagamentos frequentes em grandes avenidas e em dramas como o dos moradores afetados pelo muro de arrimo que desabou parcialmente e avançou sobre dois blocos do Residencial Assunção Life, do Camargos.
O coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Barreira Martinez, explica por que os desastres na capital mudaram de perfil. Segundo ele, há casos de construções formais feitas em locais inapropriados e, muitas vezes, sem a técnica adequada para o tipo de terreno.
“Há locais que nem deveriam ser habitados. Em lugares de grande declividade, seria preciso usar o bom senso e não ocupar. Cabe ao poder público estabelecer esses limites e fiscalizar”, afirma. Em casos como os desabamentos recentes, o especialista faz uma crítica.
“Ninguém constrói para cair. Se caiu, é porque algo foi feito errado. Seja no momento da obra ou porque o imóvel foi afetado por uma construção vizinha”, afirma, lembrando que mesmo para locais de difícil ocupação, a engenharia tem solução técnica para que se construa de forma segura.
O fato é que cenas antes observadas em Belo Horizonte apenas em áreas de ocupação irregular começaram a fazer parte do cotidiano de habitantes de áreas urbanizadas. Ontem, no Condomínio Assunção Life, um grande empreendimento na Rua Blenda, no Bairro Camargos, moradores que já tinham iniciado a retirada de roupas e objetos pessoais dos apartamentos dos blocos 13 e 14 concluíram a remoção de tudo o que era possível, sob monitoramento de vistoriadores da Defesa Civil.
A todo momento estalos eram ouvidos no muro que cedeu parcialmente e a equipe do Estado de Minas testemunhou torrões de terra se soltando do ponto onde a estrutura começou a ceder.
O terreno onde estão os 34 edifícios do residencial é bem íngreme, e a Construtora Tenda, responsável pelo empreendimento, optou por criar vários níveis para lidar com a declividade. Mesmo assim, a técnica não evitou a degradação da estrutura do muro de arrimo que segura uma das encostas dentro do lote.
A estrutura de contenção está bem atrás dos blocos 13 e 14 e ruiu parcialmente na quarta-feira à tarde. Antes disso, a Defesa Civil já tinha detectado o risco e conseguiu tirar os moradores de todos os apartamentos. Como pelo menos quatro unidades estavam vazias, 36 famílias foram removidas.
O vistoriador da Defesa Civil Marcos Vinícius Vitório explicou que a atitude era necessária devido à possibilidade de o muro prejudicar o edifício. “Como a estrutura do prédio é autoportante, ela não aguenta pancada e por isso houve a interdição”, afirma.
Além dos 40 apartamentos, a área privativa no primeiro andar de um imóvel do bloco 25 foi isolada, poque há indícios de que parte de um muro acima do que já tem problemas também pode ceder. O analista fiscal Sawel Peres de Assis, 32 anos, é o dono desse apartamento e não dormiu na noite de quarta para quinta-feira, com medo de que algo pudesse acontecer.
“Desde quando a construtora entregou esse condomínio ele tem problemas. E eles só fazem remendos. Não tem jeito de ficar aqui mais. Hoje (ontem) é meu primeiro dia de férias. Eu já havia me planejado para terminar uma construção na minha área privativa e olha o que acontece”, disse ele, que vai ficar provisoriamente na casa da mãe com a mulher e o filho.
COMBINAÇÃO O coordenador da Defesa Civil municipal, coronel Alexandre Lucas, afirma que o problema no condomínio é resultado da soma de problemas construtivos com as chuvas atípicas do período. “Entendemos que a responsabilidade técnica da engenharia em empreendimentos como esse deveria garantir a ausência de risco”, afirma. Ele recomenda ainda que moradores de todas as áreas da cidade fiquem atentos e adotem medidas de autoproteção individuais e coletivas.
Para o coordenador, a redução de danos em áreas de vilas e favelas tem a ver com o trabalho feito ao longo dos últimos anos. “Isso depende do regime de chuvas (se mais intenso ou não), mas também tem a ver com o cuidado com áreas mais críticas. A Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte) faz um trabalho de prevenção em vilas e favelas. Isso diminuiu o risco nesses locais”, afirma.
Moradores relatam
decepção e prejuízo
Grávida de sete meses, a engenheira mecânica Letícia Ferreira, de 28 anos, já tinha começado a tirar as coisas na quarta-feira do apartamento interditado no Bairro Camargos, mas ontem aproveitou para encher o carro com roupas, mantimentos e objetos pessoais.
“Em setembro de 2015, a Defesa Civil interditou o muro. O síndico entrou em contato com a Tenda e a empresa descartou o risco. De três meses para cá, o síndico está monitorando quase em tempo real a situação e a Defesa Civil interditou os apartamentos antes de parte da estrutura cair”, afirma. “Eu tenho móveis na minha casa cuja prestação ainda estou pagando e o hotel que a construtora ofereceu não tem a infraestrutura que a gente precisa. Vou acionar meu advogado para ver o que pode ser feito”, afirmou.
O auxiliar administrativo Itamar Vieira de Araujo, de 34, comprou o apartamento na planta ainda em 2010 e se lembra de que, quando conheceu o terreno, só havia morros. “O corretor me assegurou que tudo ficaria da maneira correta. A gente compra na expectativa de ter a casa própria e acontece isso. Eu lutei tanto para ter isso aqui e desde que entrei tive problemas. Na verdade, eu não quero mais ficar neste apartamento”, afirma Itamar, que mora com a mulher e um filho
Pedro Lara, de 30, que é designer, e Isabela Lara, de 30, enfermeira, também tiveram que retirar os pertences do apartamento 503 do bloco 13. “Vamos para a casa da minha mãe, mas não é um bom momento para isso, porque minha irmã está voltando a morar com ela, com um filho. Acho que ninguém vai querer ficar aqui mais”, diz Pedro.
O coronel Alexandre Lucas anunciou que um técnico da Associação Brasileira de Mecânica de Solo vai ajudar nas análises para saber se é realmente necessário manter os dois prédios interditados, assim como a área privativa do apartamento do bloco 25. “Nós não podemos estabelecer prazos (para reconstrução do muro), porque até o regime de chuvas influencia no processo de construção seguro. A gente acompanha porque deixar pessoas fora de suas casas é um prejuízo social imenso e um dos objetivos da Defesa Civil é evitar isso”, completa o coronel.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a construtora Tenda informou que “providenciou a remoção das famílias para um hotel e que está prestando toda a assistência necessária aos moradores do residencial”. A empresa acrescentou que mantém uma equipe dedicada a esclarecer as causas do desmoronamento.
Enquanto isso...
...Mais água para a
mesma drenagem
Para o coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, Carlos Barreira Martinez, os alagamentos que têm castigado Belo Horizonte nas áreas de fundo de vale chamam a atenção para o aumento da impermeabilização do solo. “Além de obras não estarem sendo feitas para aumentar os sistemas de drenagem, cada vez mais a água corre pela superfície, sem penetrar no solo. O poder público tem que pensar, para além de construir galerias e bacias de detenção, em aumentar essa permeabilidade”, afirmou. O especialista diz ainda que é preciso com urgência repensar a ocupação da cidade: “Se esse avanço desenfreado continuar, a situação no futuro será ainda pior. Porque basta ter períodos mais secos para que as pessoas se encorajem a ocupar áreas de maior vulnerabilidade para desastres. E, quando vem a chuva, essas áreas viram cenários de tragédias anunciadas”, diz.
Com tempestades que não eram vistas desde a temporada 2011/2012 e precipitação que em apenas 15 dias superou a média histórica de todo o mês em oito das nove regionais, foi reforçado o alerta e o monitoramento em áreas de encostas de vilas e favelas e de ocupações, mas os principais problemas foram registrados na chamada cidade formal.
Os transtornos em bairros urbanizados vêm se traduzindo em alagamentos frequentes em grandes avenidas e em dramas como o dos moradores afetados pelo muro de arrimo que desabou parcialmente e avançou sobre dois blocos do Residencial Assunção Life, do Camargos.
O coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Barreira Martinez, explica por que os desastres na capital mudaram de perfil. Segundo ele, há casos de construções formais feitas em locais inapropriados e, muitas vezes, sem a técnica adequada para o tipo de terreno.
“Há locais que nem deveriam ser habitados. Em lugares de grande declividade, seria preciso usar o bom senso e não ocupar. Cabe ao poder público estabelecer esses limites e fiscalizar”, afirma. Em casos como os desabamentos recentes, o especialista faz uma crítica.
“Ninguém constrói para cair. Se caiu, é porque algo foi feito errado. Seja no momento da obra ou porque o imóvel foi afetado por uma construção vizinha”, afirma, lembrando que mesmo para locais de difícil ocupação, a engenharia tem solução técnica para que se construa de forma segura.
O fato é que cenas antes observadas em Belo Horizonte apenas em áreas de ocupação irregular começaram a fazer parte do cotidiano de habitantes de áreas urbanizadas. Ontem, no Condomínio Assunção Life, um grande empreendimento na Rua Blenda, no Bairro Camargos, moradores que já tinham iniciado a retirada de roupas e objetos pessoais dos apartamentos dos blocos 13 e 14 concluíram a remoção de tudo o que era possível, sob monitoramento de vistoriadores da Defesa Civil.
A todo momento estalos eram ouvidos no muro que cedeu parcialmente e a equipe do Estado de Minas testemunhou torrões de terra se soltando do ponto onde a estrutura começou a ceder.
O terreno onde estão os 34 edifícios do residencial é bem íngreme, e a Construtora Tenda, responsável pelo empreendimento, optou por criar vários níveis para lidar com a declividade. Mesmo assim, a técnica não evitou a degradação da estrutura do muro de arrimo que segura uma das encostas dentro do lote.
A estrutura de contenção está bem atrás dos blocos 13 e 14 e ruiu parcialmente na quarta-feira à tarde. Antes disso, a Defesa Civil já tinha detectado o risco e conseguiu tirar os moradores de todos os apartamentos. Como pelo menos quatro unidades estavam vazias, 36 famílias foram removidas.
O vistoriador da Defesa Civil Marcos Vinícius Vitório explicou que a atitude era necessária devido à possibilidade de o muro prejudicar o edifício. “Como a estrutura do prédio é autoportante, ela não aguenta pancada e por isso houve a interdição”, afirma.
Além dos 40 apartamentos, a área privativa no primeiro andar de um imóvel do bloco 25 foi isolada, poque há indícios de que parte de um muro acima do que já tem problemas também pode ceder. O analista fiscal Sawel Peres de Assis, 32 anos, é o dono desse apartamento e não dormiu na noite de quarta para quinta-feira, com medo de que algo pudesse acontecer.
“Desde quando a construtora entregou esse condomínio ele tem problemas. E eles só fazem remendos. Não tem jeito de ficar aqui mais. Hoje (ontem) é meu primeiro dia de férias. Eu já havia me planejado para terminar uma construção na minha área privativa e olha o que acontece”, disse ele, que vai ficar provisoriamente na casa da mãe com a mulher e o filho.
COMBINAÇÃO O coordenador da Defesa Civil municipal, coronel Alexandre Lucas, afirma que o problema no condomínio é resultado da soma de problemas construtivos com as chuvas atípicas do período. “Entendemos que a responsabilidade técnica da engenharia em empreendimentos como esse deveria garantir a ausência de risco”, afirma. Ele recomenda ainda que moradores de todas as áreas da cidade fiquem atentos e adotem medidas de autoproteção individuais e coletivas.
Para o coordenador, a redução de danos em áreas de vilas e favelas tem a ver com o trabalho feito ao longo dos últimos anos. “Isso depende do regime de chuvas (se mais intenso ou não), mas também tem a ver com o cuidado com áreas mais críticas. A Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte) faz um trabalho de prevenção em vilas e favelas. Isso diminuiu o risco nesses locais”, afirma.
Moradores relatam
decepção e prejuízo
Grávida de sete meses, a engenheira mecânica Letícia Ferreira, de 28 anos, já tinha começado a tirar as coisas na quarta-feira do apartamento interditado no Bairro Camargos, mas ontem aproveitou para encher o carro com roupas, mantimentos e objetos pessoais.
“Em setembro de 2015, a Defesa Civil interditou o muro. O síndico entrou em contato com a Tenda e a empresa descartou o risco. De três meses para cá, o síndico está monitorando quase em tempo real a situação e a Defesa Civil interditou os apartamentos antes de parte da estrutura cair”, afirma. “Eu tenho móveis na minha casa cuja prestação ainda estou pagando e o hotel que a construtora ofereceu não tem a infraestrutura que a gente precisa. Vou acionar meu advogado para ver o que pode ser feito”, afirmou.
O auxiliar administrativo Itamar Vieira de Araujo, de 34, comprou o apartamento na planta ainda em 2010 e se lembra de que, quando conheceu o terreno, só havia morros. “O corretor me assegurou que tudo ficaria da maneira correta. A gente compra na expectativa de ter a casa própria e acontece isso. Eu lutei tanto para ter isso aqui e desde que entrei tive problemas. Na verdade, eu não quero mais ficar neste apartamento”, afirma Itamar, que mora com a mulher e um filho
Pedro Lara, de 30, que é designer, e Isabela Lara, de 30, enfermeira, também tiveram que retirar os pertences do apartamento 503 do bloco 13. “Vamos para a casa da minha mãe, mas não é um bom momento para isso, porque minha irmã está voltando a morar com ela, com um filho. Acho que ninguém vai querer ficar aqui mais”, diz Pedro.
O coronel Alexandre Lucas anunciou que um técnico da Associação Brasileira de Mecânica de Solo vai ajudar nas análises para saber se é realmente necessário manter os dois prédios interditados, assim como a área privativa do apartamento do bloco 25. “Nós não podemos estabelecer prazos (para reconstrução do muro), porque até o regime de chuvas influencia no processo de construção seguro. A gente acompanha porque deixar pessoas fora de suas casas é um prejuízo social imenso e um dos objetivos da Defesa Civil é evitar isso”, completa o coronel.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a construtora Tenda informou que “providenciou a remoção das famílias para um hotel e que está prestando toda a assistência necessária aos moradores do residencial”. A empresa acrescentou que mantém uma equipe dedicada a esclarecer as causas do desmoronamento.
Enquanto isso...
...Mais água para a
mesma drenagem
Para o coordenador do Centro de Pesquisas em Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da UFMG, Carlos Barreira Martinez, os alagamentos que têm castigado Belo Horizonte nas áreas de fundo de vale chamam a atenção para o aumento da impermeabilização do solo. “Além de obras não estarem sendo feitas para aumentar os sistemas de drenagem, cada vez mais a água corre pela superfície, sem penetrar no solo. O poder público tem que pensar, para além de construir galerias e bacias de detenção, em aumentar essa permeabilidade”, afirmou. O especialista diz ainda que é preciso com urgência repensar a ocupação da cidade: “Se esse avanço desenfreado continuar, a situação no futuro será ainda pior. Porque basta ter períodos mais secos para que as pessoas se encorajem a ocupar áreas de maior vulnerabilidade para desastres. E, quando vem a chuva, essas áreas viram cenários de tragédias anunciadas”, diz.