A bordo do trenó da solidariedade, desbravando terras onde a neve é só um motivo de enfeite na árvore de Natal, Papai Noel chega para moradores de Belo Horizonte das mais diversas formas. Com a aproximação do 25 de dezembro, pode descer de tirolesa, não dos picos gelados do Hemisfério Norte, mas do alto da Serra do Curral, para emprestar um pouco de magia radical ao fim de ano de estudantes da rede pública. Mas pode chegar – por que não? – inspirado nos valentes trabalhadores que fazem da limpeza pública um presente de todo dia para a cidade, e pela força de um pequeno discípulo do bom velhinho.
Essas duas, entre as centenas de versões de Noel que doam um pouco do próprio tempo para alegrar o fim de ano de quem mal conhecem, circulam entre os belo-horizontinos desde ontem. O primeiro trocou as chaminés pelos cabos içados sobre uma das mais belas paisagens de Belo Horizonte, descendo de tirolesa como parte do concurso cultural que premiou 300 estudantes do ensino fundamental e médio da rede pública municipal e estadual com uma aventura pela atração radical. O salto na tirolesa do Parque das Mangabeiras, uma das maiores do Brasil, foi o prêmio aos selecionados, com direito a pipoca e refrigerante.
Bruna Pereira Fernandes, de 22 anos, já queria saltar da tirolesa desde a inauguração e viu no concurso uma oportunidade de experimentar a novidade. “Eu estava com medo, mas gostei muito. A vista é linda e quero muito ir de novo. Vou trazer os amigos da próxima vez”, disse. Ela acredita que esse tipo de iniciativa é muito importante para que mais pessoas tenham acesso ao lazer. “Sentir essa adrenalina é muito legal. Eu tinha medo de altura e foi bom poder encarar o desafio. Agora, quero um 2017 com mais aventuras”, afirma
O gerente da Tirolesa BH, Gabriel Rocha Campos, afirma que a cidade é carente dessas opções de lazer e a iniciativa tem como intuito proporcionar a todos a experiência, com direito a frio na barriga, inclusive para as crianças que não teriam condições de arcar com os custos. “É muito importante esse tipo de iniciativa, feita em parceiria com a Fundação Municipal de Parques. Queremos muito continuar esse encontro no ano que vem”, diz. É também uma forma de aproveitar a temporada de recesso das aulas para uma aventura em família.
Pois Papai Noel em pessoa aceitou o desafio. Para felicidade da garotada, ele posou para fotos e recebeu os tradicionais pedidos de fim de ano. Anotando os desejos antes de se aventurar pelos cabos a até 100km/h estava o gerente Ubiratan Avelar Diniz, de 44, da SPE Mangabeiras, responsável pelo empreendimento. Ele conta que já havia se aventurado pela atração, mas vestido de gorro e roupas vermelhas foi a primeira vez. “É muito importante sair da rotina e contribuir com um pouco do nosso tempo para alegrar o próximo”, constatou ele, que também incorpora o personagem para fazer visitas às crianças do Hospital da Baleia, no Bairro Saudade, Região Leste da capital. “Como o papa Francisco sempre diz: o Natal é um momento de colocar em prática o Deus vivo em cada um”, afirma.
SOLIDARIEDADE COMO UM DOM
Uma lição que Daniel da Silva Parreira, de 10 anos, aprendeu cedo. Desde bem pequeno, o menino fazia aos pais as perguntas de toda criança na idade das descobertas. Até que um dia, a dona de casa Lina Antônio da Silva, se surpreendeu com o filho. “Os lixeiros ganham bem? “, indagou o menino, então com 4 anos, grande admirador da turma de uniforme laranja que passa diariamente pelo Bairro Betânia, na Região Oeste da capital, recolhendo os resíduos e correndo atrás do caminhão. Diante da resposta – “Não! –, o garoto disse que, daquele ano em diante, faria uma cesta para alegrar a turma no Natal. “Meu caçula se tornou um mini Papai Noel”, orgulha-se Lina, de 49, mãe de mais dois e casada com o representante comercial Júlio César Parreira.
Com o passar do tempo, Daniel foi crescendo, seus sonhos, se ampliando e a cesta natalina, se multiplicando. No início, ele percorria a vizinhança pedindo donativos, querendo sempre o melhor para os trabalhadores. “E também procurando saber se os garis tinham uma cesta com bebidas e comidas, a exemplo de todas as pessoas”, conta a mãe, que hoje se encarrega de colocar panetones, refrigerantes, congelados, bolos, balas, cervejas e brinquedos em duas caixas diferentes. A entrega da cesta será hoje, por volta das 10h, quando a turma passa para o serviço diário.
“Meu filho tem um coração solidário, desde novinho pensava em ajudar as pessoas. É algo natural, pois se preocupa com os idosos, os pobres, gosta de visitar creches e asilos. Tem um grande amor ao próximo”, afirmava Lina, na tarde de ontem, enquanto Daniel e o irmão Thiago, de 12, curtiam as férias no quintal da casa. O mais velho, Mateus, de 19, mora no Canadá. Ofegante depois de brincar com Thiago, Daniel dizia que o mundo está precisando de solidariedade, de ajuda e colaboração.
ADMIRAÇÃO QUE VIROU AMIZADE
A admiração pelos lixeiros sempre esteve presente no cotidiano de Daniel da Silva Parreira, que, segundo a mãe, não podia ouvir o barulho do caminhão de lixo sem chegar à janela para cumprimentá-los. “Eles se tornaram amigos, mesmo com o pouco tempo da parada”, revela. “O importante é que, hoje, não será feita uma simples entrega do presente. Daniel fala de item por item, explica tudo direitinho, embora a turma composta por cinco homens tenha o tempo muito limitado.”
Vestido com a camisa do time do coração, o Atlético, o jovem Papai Noel do Bairro Betânia pretende ser, no futuro, jogador de futebol. E já escolheu a posição: “Atacante”, responde num segundo. Nos primeiros anos da vida, ele já disputa posição no coração do próximo com seu principal talento: a solidariedade. “Quando começou, ele pedia à vizinhança, mas ficava tão ansioso em recolher tudo que achou melhor pedir aos mais próximos. Hoje, aqui em casa, damos nossa contribuição, assim como os amigos, companheiros de futebol do meu marido, uma tia que mora no Bairro Floresta e sempre manda caixas de brinquedos e outras pessoas mais chegadas”, diz a mãe. “É uma big cesta”, completa.
SEM TAMANHO
A felicidade de Daniel com tudo isso é ainda maior. No ano passado, ele conseguiu recolher tantos alimentos e brinquedos para a cesta dos lixeiros que acabou tendo um excedente, enviado para as vítimas do rompimento da Barragem do Fundão, em Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central. Antes de enviar, no entanto, ele conversou com os lixeiros e disse que, naquele Natal, dividiria um pouco para socorrer quem estava precisando muito.
Aluno do Instituto Ciana Nélia, no vizinho Bairro Palmeiras, Daniel terá hoje um dia cheio de emoções e abraços dos trabalhadores da limpeza que vai recepcionar. “Acho que ele me puxou, esse espírito solidário está no sangue”, acredita Lina, que estimula o filho e quer vê-lo cada vez mais participante e atento aos problemas do mundo.