Os olhos verdes da menina têm o tamanho da esperança, o brilho da vida e a alegria da infância. Uma hora está abraçada à mãe, Tatiane Reis Martins, ganhando carinho e beijinhos, em outra brinca com as novas amigas perto da árvore de Natal e da imagem de Papai Noel. Aos 10 anos, Aisha Caroline Reis de Souza, moradora de Pompéu, na Região Central, já ganhou seu maior presente. Tão grande, que é compartilhado com toda a família: a superação da leucemia. Agora quer esquecer tudo o que enfrentou em decorrência da doença “de alto risco”, conforme explicação da mãe, que surpreendeu a família há cinco anos. “Sou feliz”, afirma, com determinação, a garota, que já traçou caminhos para o futuro: “Quero ser advogada, modelo ou cantora. Se não der certo, vou ser então cabeleireira”. A exemplo de Aisha, muitas crianças e adolescentes podem fazer planos para o futuro e comemorar neste Natal o fato de saírem vitoriosos da luta contra o câncer, doença que mais mata brasileiros de 0 a 19 anos no país e segunda causa de óbitos nessa faixa etária, superada apenas pelos acidentes e mortes violentas, conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca)/Ministério da Saúde. Mães guerreiras ajudam nessa longa travessia de desafios e superação.
“Aprendemos demais com a vida e sei que nada se compara a ver um filho com saúde. Esse é o melhor presente”, conta Tatiane, de 30, dona de casa, mãe também de Emanuela, de 12, que se manteve ao lado da caçula durante os três anos e meio de tratamento quimioterápico. “Não é fácil, não, mas nunca chorei na frente da minha filha. Ela, por sua vez, é muito inteligente e jamais mostrou o menor sinal de revolta.” Ao ouvir parte da história, Aisha começa a dar sinais de que não gosta do assunto, e pula do aconchego da mãe para fazer o lanche da tarde.
Tatiane sorri e diz compreender bem a caçula. Com os olhos brilhando, se recorda de dois tempos nesse ciclo – do dia 27 de julho de 2013, quando foi dado o diagnóstico, e do fim do tratamento, no momento em que a médica a chamou e falou assim: “Agora ela não é minha mais, é sua”. Era o sinal verde para o que muitos pais chamam de cura, mas que, cautelosos, os oncologistas preferem falar em remissão da doença, pois é necessário acompanhamento durante alguns anos. De acordo com o Inca, a sobrevida estimada no Brasil por câncer na faixa etária de até 19 anos é de 64%.
No período em que precisou ficar em Belo Horizonte para o tratamento, Tatiane e Aisha se hospedaram na Casa de Apoio Aura, no Bairro Paraíso, na Região Leste da capital, fundada em 1998 e, por meio de doações, preparada para dar suporte às pessoas do interior. A coordenadora Ana Lúcia Aguilar Machado explica que a organização não governamental atende apenas crianças e adolescentes para tratamento oncológico, suprindo todas as necessidades de quem precisa. “Recebemos de bebês a jovens de até 18 anos. Só este ano, foram 160”, revela.
ALÍVIO E GRATIDÃO A secretária Marlene Riguete, de 39, moradora de Ipanema, no Leste de Minas, já respira aliviada, pois precisa vir a BH apenas a cada seis meses acompanhando a filha Fernanda Riguete Vital, de 11. “Ele está curada, mas precisa fazer o controle. Agradeço a Deus todos os dias e procuro sorrir em todos os momentos. Tenho força e fé”, diz a mãe, com o semblante tranquilo. Mas nem sempre foi assim, “pois somos apenas eu e ela”, acrescenta.
A leucemia foi diagnosticada quando a garota, hoje com 1,57 metro de altura e cabelos pretos e longos, tinha 3 anos. No meio de uma noite, Fernanda acordou chorando, se queixando de dores intensas nos joelhos. “Isso ocorreu três vezes numa mesma semana”, lembra-se Marlene, esclarecendo que a leucemia provoca dor nos ossos, segundo foi informada pela médica que a atendeu. Para descrever o instante em que recebeu o diagnóstico, a secretária repete o verso de uma canção popular brasileira. “Meu mundo caiu!”
Na sequência vieram os vários estágios dolorosos do tratamento, como os 44 dias de internação num hospital de BH, três anos de sessões de quimioterapia e depois muitas idas e vindas à capital, distante 370 quilômetros de Ipanema. “Precisei abrir mão do emprego, entrei com ação na Justiça para garantir o transporte gratuito, enfim, fiz o que pude para não deixar faltar nada”, conta Marlene, que, formada em magistério e com curso superior incompleto de matemática, alfabetizou a menina. “Ao chegar à escola, com 7 anos, eu já fazia letra cursiva”, diz a menina, com orgulho. Ela já decidiu que vai ser pediatra e cuidar somente de crianças com câncer.
A dedicação integral à filha foi fundamental para ter a doença sob controle e garantir o conforto de Fernanda. “Sempre a tratei como uma criança normal, a eduquei, e felizmente não houve sequelas. Tem a altura de uma menina de 13 anos, gosta de estudar, aprende tudo fácil e se interessa por teatro.” E é muito desinibida, acrescenta, olhando para a filha. Nessa história de amor, cumplicidade e busca imediata de recursos médicos, Marlene guarda no coração o sentimento de gratidão, que vai perdurar, tem certeza, nesse Natal, no ano-novo e por toda a vida nova que a família ganhou de presente.