Escreveu o itabirano Drummond: “O Seminário fizera por merecer da História; agora, quem restava? Os seminaristas atuais, ouvidos em consulta sigilosa, foram unânimes em confessar que a casa não lhes apetecia mais. Era velha, no sentido de gasta, não recebia o sopro das novas ideias ou, pelo menos, das novas práticas que se supõem ideias novas (…) Já não restavam glórias entre as paredes célebres. Restava o sentimento de insatisfação, de começar tudo de novo, que rege o mundo”. O episódio na primeira vila, cidade e diocese das Gerais vem agora à tona com o lançamento do livro A revoada dos anjos de Minas, do jornalista J.D.
O planeta estava em convulsão naqueles distantes anos de 1960. A banda inglesa Beatles enlouquecia os cabeludos e garotas de minissaia com os novos sons, a pílula anticoncepcional mudava o comportamento das mulheres, os jovens franceses pregavam a liberdade nas ruas, enquanto os seminaristas de Mariana, na instituição comandada havia 100 anos pelos padres lazaristas, se queixavam do tipo de leitura.
ESTOPIM Vital já sabia da história, que ganhou amplitude quando o psicanalista e ex-padre João Batista Lembi Ferreira, residente no Rio de Janeiro (RJ), sugeriu que o episódio fosse contado em livro. “Ele estava no meio daquele furacão, conhecia todos os detalhes e a trajetória do seminário fundado por dom Frei Manoel da Cruz, em 1750. Eu sou de Barão de Cocais e não estudei lá, mas meu irmão, Miguel, sim, e tocava clarineta na orquestra”, relata o autor. Tudo começou com a aplicação de um questionário à turma, no qual 90% dos seminaristas se declaravam contra o celibato sacerdotal obrigatório. E mais: criticavam o arcebispo de Mariana, dom Oscar de Oliveira, e o ensino inadequado no seminário.
O certo mesmo é que o resultado da pesquisa assustou a direção do seminário. E em 9 de setembro de 1966, o arcebispo dom Oscar de Oliveira e os padres lazaristas decidiram antecipar as férias. De início, o primeiro jornal a falar sobre o caso foi O Diário, curiosamente, uma publicação da Arquidiocese de Belo Horizonte e considerado o maior jornal católico da América Latina. Na página três, estava a matéria “Seminário Maior (de Mariana) fecha as portas”.
“Os jovens foram embora e poucos retornaram. O Estado de Minas escalou o repórter Jesus Rocha e o fotógrafo Evandro Santiago, que flagraram muitos dos seminaristas deixando o Seminário em Mariana. Outros repórteres entrevistaram os seminaristas na rodoviária de BH tocando violão. Havia jovens de todo o Brasil e vários deles não tinham para onde ir”, conta Vital. Ele explica que a ditadura não teve nada a ver com o episódio, e que apenas um ou outro padre teve problema com os militares. “Foi mesmo uma mudança de atitude da turma, numa instituição de grande importância e que formou três cardeais – dom Carlos Carmelo Motta, dom Lucas Moreira Neves e dom Raymundo Damasceno –, centenas de padres e religiosos como o beato Padre Victor e acolheu outros em processo de beatificação, a exemplo de dom Viçoso e dom Luciano.” O seminário, destaca Vital, é a mais antiga instituição em funcionamento no país para formação de padres.
Segundo João Batista Lembi Ferreira, Vital “optou por escrever a história pela narração dos envolvidos, sensível ao protesto, à revolta, ao riso e às lágrimas, ouvindo o canto dos hebreus de Mariana com absoluta isenção, registrando ora lamento, ora exaltação, a insatisfação de uns ao lado da gratidão de outros”.
Novos tempos
Atualmente, o processo de formação de padres no Seminário de Mariana se desenvolve em quatro etapas.O primeiro está no Grupo de Orientação Vocacional (GOV), que acompanha os jovens no período do ensino médio, nas modalidades externo e interno, sendo que os segundos integram a Comunidade Vocacional na Paróquia de São Sebastião, em Barbacena, na Região Central. Depois tem o Propedêutico, instalado na Paróquia do Bom Pastor, em Barbacena, que recebe os candidatos que concluíram oensino médio e os prepara para a sequência do processo formativo; o curso de filosofia, com duração de três anos, na Faculdade Arquidiocesana Dom Luciano Mendes de Almeida; e o de teologia, etapa final da formação presbiterial, com quatro anos de duração, no Instituto de Teologia do Seminário São José. A partir de fevereiro, o GOV funcionará em Mariana..