Um achado na Matriz de Nossa Senhora da Conceição, templo barroco de Congonhas, na Região Central, joga mais luz sobre a forma de trabalhar dos escultores do século 18 e traz à tona da história da arte o nome do entalhador português Francisco Vieira Servas (1720-1811), que trabalhou nessa e em outras cidades do período colonial. Uma verruma, instrumento de perfurar parecido com uma pua, de madeira e ferro, e dois malhos de madeira, também conhecidos como macetes, foram encontrados por um restaurador dentro do arco do cruzeiro, estrutura executada por Servas, também autor do retábulo-mor da igreja. “É uma descoberta muito importante de objetos que, tudo indica, pertenceram ao artista português ou à equipe de seu ateliê”, disse, ontem, o diretor de Patrimônio da prefeitura local, o escultor Luciomar Sebastião de Jesus.
Entusiasmado, Luciomar explicou que as ferramentas artesanais, certamente feitas pelos próprios entalhadores, podem ter sido esquecidas e não deixadas de propósito. Na sua avaliação, passados quase três séculos – a matriz é de 1734 –, ele acredita que o arco do cruzeiro tenha funcionado como uma “cápsula ou máquina do tempo”, mantendo intacto o conjunto. “Quando vi as três peças, fiquei impressionado e comentei sobre a excepcional descoberta com o restaurador Geraldo Eustáquio Mendes de Araújo. Isso significa um laço com o passado, preenche lacunas e serve de caminho para compreendermos melhor o jeito de trabalhar naqueles tempos”, conta Luciomar.
EMOÇÃO O achado ocorrido há três semanas e divulgado ontem se deu quando o restaurador Geraldo Eustáquio removia o “envelopamento” do arco do cruzeiro e viu a verruma e depois os dois malhos e a verruma. “Quando encontrei a verruma e peguei nela, me senti um entalhador do Século 18. Guardamos o material, chamamos o escultor Luciomar Sebastião de Jesus, que conhece profundamente todo o acervo histórico das igrejas de Congonhas. Em seguida, avisamos ao pároco. Ao encontrar os malhos e saber que o arco do cruzeiro é atribuído a Servas, tive outra emoção. A parte superior do arco, onde estavam as peças, não tinha o menor indício de violação”, afirmou Geraldo, explicando que, antigamente, se usava a verruma, o ferro de pua e o trado. “Atualmente, se usa a furadeira elétrica”.
Para o diretor de Patrimônio, a descoberta tem um caráter mais surpreendente, “pois nunca se ouviu falar que alguém tenha encontrado uma ferramenta associada a um grande entalhador do século 18”. Para Luciomar, “elas vão atrair estudiosos e curiosos sobre o fazer artístico daquele período. São testemunhas de um intrincado processo construtivo da época, que nos revela a técnica dos grandes mestres”.
Estilo próprio
Nascido em Portugal, Francisco Vieira Servas (1720-1811) trabalhou como entalhador e escultor em madeira nas igrejas de Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas, no Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos e de Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas; e de Nossa Senhora do Rosário, de Mariana, além de outras em Ouro Preto, Itaverava e São João del-Rei. Segundo os especialistas, ele criou estilo próprio na concepção dos altares, com destaque para um elemento denominado arbaleta (arremate sinuoso).