Um crime tipificado em duas legislações do século passado, mas que ainda encontra espaço nos dias atuais, desafiando a polícia diante da grande quantidade de casos a serem investigados. Ofensas de racismo e injúria racial, protagonizadas por pessoas que incitam preconceitos de raça, cor, etnia, religião ou origem, ocorrem diariamente em Minas. Somente neste ano, 401 casos foram denunciados, até novembro, uma média de 36 ocorrências a cada 30 dias. Mas, o que chama a atenção das autoridades é como o crime tem se perpetuado na internet, com trocas de informações depreciativas, que deixam evidentes as marcas de um passado de discriminação no Brasil. De modo geral, são comentários feitos em postagens de fotos, que divulgam também endereços de sites racistas e fazem intercâmbio com símbolos nazistas. Entre os casos de injúria racial de repercussão nacional, um ganhou destaque no noticiário nas últimas semanas. O alvo foi a menina Titi, de 3 anos, filha adotiva dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank.
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Apesar de ela ter denunciando o crime à Polícia Civil e à Defensoria Pública de Minas Gerais, o caso permanece sem identificação do autor. “Na Delegacia de Crimes Cibernéticos fui informada de que o perfil era falso, mas nunca me deram um retorno para dizer se identificaram a pessoa que o criou. Inclusive, fui informada na ocasião de que são apenas duas delegacias no estado inteiro, as duas em Belo Horizonte, e já sobrecarregadas com investigações de crimes na internet, que ocorrem todos os dias em grande quantidade”, contou a atriz. Ela lamenta a falta de uma resposta e disse ter se sentido ameaçada. “É muito ruim passar por uma situação dessas. Além de sofrer com o preconceito, fiquei morrendo de medo de que algo me acontecesse. Fiquei com mania de perseguição, isolada, desconfiando das pessoas”, lembra.
DESAFIO Na avaliação da atriz, foi justamente o ambiente virtual que encorajou o autor das ofensas a fazê-las. “A internet deu coragem às pessoas para falar coisas que elas não diriam pessoalmente.
Especialista em Direito de Internet, o advogado Alexandre Atheniense afirma que o total de ocorrências revela o quanto o brasileiro gosta ofender pela internet e age dessa forma a partir de duas falsas crenças: de que a tecnologia proporciona o anonimato e de que não há lei que seja capaz de punir os infratores. “São pessoas que não tiveram educação para lidar com o ambiente digital. Não que o mundo presencial seja diferente do digital, porém neste, todas as atitudes são potencialmente maiores, para o bem ou para o mal. Se o agressor já estava acostumado a agir dessa forma presencialmente, sua atitude se repete no mundo digital, só que de forma amplificada”, explica.
Na avaliação do especialista, a legislação estabelece penas suficientes para punir os agressores, mas em alguns casos ainda há dificuldades para identificação da autoria. “As chances de identificação têm aumentado, mas as autoridades não estão preparadas para enfrentar o volume de ocorrências”, avalia. Ele diz, no entanto, que com a vigência do Marco Civil da Internet, a legislação passou a permitir ao ofendido a solução mais rápida dos casos por via judicial.
PROTESTO Por outro lado, vítimas de racismo também estão mais confiantes em denunciar esses casos. No dia 20, um grupo de aproximadamente 50 pessoas protestou em um shopping de Belo Horizonte, em repúdio à denúncia de racismo supostamente praticado por seguranças do local. Segundo os manifestantes, três mulheres e dois adolescentes negros que circulavam pelo centro de compras três dias antes teriam sido seguidos por seguranças do estabelecimento. No grupo, estava a estudante Ayana Amorim, de 22.
CELEBRIDADES NO ALVO
Alguns casos de ofensas e injúrias raciais na internet que tiveram repercussão nacional
Maria Júlia Coutinho – jul/2015 – A jornalista Maria Júlia Coutinho, a Maju do Jornal Nacional, foi vítima de comentários racistas na página oficial do Facebook, logo depois de se destacar pela sua cobertura da previsão do tempo. #SomosTodosMaju foi uma hashtag criada pelos internautas em apoio à jornalista.
Thaís Araújo – nov/2015 – A atriz Taís Araújo foi alvo de comentários racistas no Facebook depois de publicar uma foto. A imagem passou a receber comentários preconceituosos de diferentes perfis.
Ludmilla – mai/2016 – A cantora Ludmilla recebeu comentários racistas de homem em uma rede social. Ludmilla postou uma foto em sua conta pessoal no Instagram e foi surpreendida pelo preconceito. O autor das ofensas pediu desculpas pela rede social.
Preta Gil – jul/2016 – A cantora Preta Gil denunciou mensagens de ódio recebidas pelas redes sociais. No Facebook, a artista desabou, dizendo que atacaram a sua cor, seu trabalho e seu corpo.
Titi, filha do Bruno Gagliasso – nov/2016 – O ator Bruno Gagliasso registrou queixa por comentários racistas contra a filha de 2 anos. Os comentários foram feitos em uma foto publicada pela atriz Giovanna Ewbank, mulher doator e mãe da menina, em seu perfil em uma rede social.
MARCAS DA DISCRIMINAÇÃO
401
Casos de ofensa e injúria racial denunciados de janeiro a novembro deste ano em Minas Gerais
36
Média de ocorrências a cada 30 dias no estado.