Delegados apontam que atenção a projeto e fiscalização poderiam evitar desabamento de viaduto

Investigação da Polícia Federal indica falta de acompanhamento externo e liberação de verbas para obras do BRT mesmo sem projeto básico adequado. Dezoito são indiciados

Guilherme Paranaiba
Duas pessoas morreram e 21 ficaram feridas no desabamento de uma das alças do Batalha dos Guararapes - Foto: Beto Magalhães/EM/D.A PRESS - 03/07/2014
Falta de fiscalização externa e independente de obras e liberação do dinheiro para início das intervenções sem um projeto básico de engenharia que garantisse a viabilidade do empreendimento.

Essa é a conclusão da Polícia Federal para uma investigação sobre fraudes e problemas na licitação da construção do corredor Antônio Carlos/Pedro I do transporte rápido por ônibus (BRT, da sigla em inglês), que podem ter contribuído para o desabamento do Viaduto Batalha dos Guararapes em julho de 2014, matando duas pessoas e deixando outras 21 feridas.

A delegada Márcia Franco, que conduziu o inquérito, indiciou 18 pessoas, entre elas dois ex-secretários do governo Marcio Lacerda, por crimes financeiros, crimes licitatórios de superfaturamento e peculato. Essas pessoas estão ligadas a seis instituições: Prefeitura de BH, as empresas Consol e Cowan, que fizeram projeto e obra do BRT no corredor em questão, respectivamente, CGP e Consominas, contratadas para gerenciamento e apoio técnico das obras que receberam o dinheiro, mas nunca executaram os serviços, e Caixa Econômica Federal.

Segundo o Portal da Transparência da Prefeitura de BH, foram executados R$ 685 milhões na construção do corredor Antônio Carlos/Pedro I do Move.


A investigação da PF teve início por conta de um relatório de 2013 da Controladoria Geral da União (CGU), que apontava indícios de superfaturamento nessa obra da ordem de R$ 36 milhões. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), então, acionou a PF, já que a verba usada no financiamento era proveniente da Caixa Econômica Federal.

Daí em diante, o inquérito focou em quatro contratos, sendo um de projeto, outro de obras e outros dois de gerenciamento e apoio técnico das intervenções. Segundo a delegada Márcia Franco, da Delegacia de Combate à Corrupção e Crimes Financeiros da PF, duas empresas contratadas para trabalhar nesses dois contratos de acompanhamento das obras, a CGP e a Consominas, teriam recebido até R$ 20 milhões pelos serviços, que na prática não chegaram a ser prestados.

Ainda segundo a delegada, as pessoas envolvidas nessas funções seriam de confiança de funcionários da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) e, por isso, a fiscalização e acompanhamento ficava toda a cargo da autarquia da Prefeitura de BH, que tinha autonomia para fazer o que quisesse.



Além disso, a delegada observou que o dinheiro necessário para a obra do BRT nas avenidas Antônio Carlos e Pedro I foi liberado de maneira fraudulenta. “Houve um financiamento pela Caixa, sendo que não havia elementos mínimos de um projeto básico adequado”, diz Márcia Franco.

Delegada Márcia Franco (centro) identificou indícios de que empresas contratadas para acompanhar, fiscalizar e gerenciar obras receberam por um serviço que na prática não chegou a ser prestado - Foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESS
Essas duas situações, segundo o delegado Rodrigo Fernandes, chefe da delegacia responsável pela investigação, podem ter impacto na tragédia com o Viaduto Batalha dos Guararapes. “A não ocorrência dessa fiscalização e a ausência desse projeto básico podem ter sido uma causa indireta da queda do viaduto. Obviamente, se a construção tivesse sido devidamente fiscalizada, se tivesse havido um projeto básico eficiente previamente elaborado, aquela tragédia poderia ter sido evitada”, afirma o policial.

A delegada Márcia Franco também destacou que, devido aos indícios de superfaturamento na obra levantados pela CGU, a Controladoria Geral do Município de BH também iniciou uma investigação interna. Nesse procedimento, servidores municipais admitiram que a administração municipal tinha interesse em acelerar as construções por conta da proximidade da Copa do Mundo de 2014, o que explicaria o início das obras sem projeto e a fiscalização concentrada na mão da Sudecap.

No curso do inquérito foram ouvidas 41 pessoas e analisados documentos em mais de 50 volumes, que levaram a PF a indiciar 18 pessoas, sendo um ex-secretário de Obras e Infraestrutura da capital mineira e outro ex-secretário, além de mais 16 pessoas entre servidores da Sudecap, funcionários das empresas Consol Cowam, CGP e Consominas e um funcionário da Caixa lotado em Belo Horizonte, que autorizou a liberação do recurso mesmo sem elementos essenciais do projeto básico.  Não foram encontrados indícios da participação do ex-prefeito Marcio Lacerda em nenhuma fraude, segundo a PF.

NOTA DO PSB
Em nota, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), legenda do ex-prefeito, disse que o próprio Marcio Lacerda foi quem teve a iniciativa de pedir a investigação a partir dos levantamentos da CGU. A PBH seguiu todos os procedimentos legais e manteve rigor total na aplicação dos recursos, afirma o texto. Além disso, o partido informou que as contas do BRT/Move foram fiscalizadas por diferentes instituições e não houve superfaturamento, sendo que todas as dúvidas foram sanadas.

O PSB informou que recebeu com estranheza a divulgação do relatório da PF dois anos e meio após o fim das obras e espera que isso não seja uma tentativa de prejudicar a imagem do ex-prefeito.Por meio de nota, a atual gestão da Prefeitura de Belo Horizonte informou que está à disposição da Polícia Federal para prestar quaisquer esclarecimentos que forem necessários.

O presidente da Consol Engenheiros Consultores, Maurício Lana, informou que ainda não teve acesso às investigações. “Prestei todas as informações pedidas pela polícia. Levei todos os documentos sobre os questionamentos feitos pela CGU. Inclusive, fizemos os devidos ajustes da planilha”, comentou.

O Estado de Minas procurou as empresas Cowan e a Consominas, mas funcionários informaram que os responsáveis estavam em recesso.
Já na CGP, ninguém atendeu as ligações. Em nota, a Caixa afirmou que o funcionário adotou todos os procedimentos pertinentes às orientações normativas.

O banco ressalta ainda que o referido contrato já foi auditado internamente e submetido aos órgãos de controle externos e, segundo o documento, não foram constatadas irregularidades. Em relação ao indiciamento de empregado do banco, a Caixa informou que está apurando o caso e todas as medidas internas serão aplicadas.

Na mira da Polícia Federal

As investigações ponto a ponto


1 - Investigação foi motivada por relatório da CGU apontando R$ 36 milhões do superfaturamento dos preços dos corredores Antônio Carlos/Pedro I do BRT

2 - Apuração da PF fez varredura em quatro contratos relacionados à obra: contrato de projeto, obras, gerenciamento e de apoio técnico.

3 - Ao analisar os documentos, investigadores concluíram que duas empresas foram contratadas para fazer a fiscalização e acompanhamento da obra e teriam recebido R$ 20 milhões pelo serviço, que nunca foi prestado. Com isso, a fiscalização ficou toda sob o comando da Sudecap.

4 - A apuração da PF mostrou que Caixa Econômica Federal liberou recursos para a obra sem um projeto básico de engenharia bem definido, que apresentasse elementos que garantissem a viabilidade das construções.

5 - Dezoito pessoas foram indiciadas por crimes financeiros, superfaturamento e peculato.

6 - Os indiciados estão ligados a seis instituições: PBH, Consol, Cowan, CGP, Consominas, e Caixa Econômica Federal (CEF).

Como ficou?

Julgamento

Audiências em fase final


O julgamento sobre o desabamento do Viaduto Batalha dos Guararapes entra na fase final das oitivas de testemunhas. O caso é julgado pela 11ª Vara Criminal de Belo Horizonte. Já foram ouvidos 69 pessoas, entrevítimas, testemunhas de acusação e defesa. Em 27 de janeiro, data da próxima audiência de instrução, serão ouvidas as últimas testemunhas.

Depois, será a vez de os réus prestarem depoimento. Diferentemente das investigações da PF, que apuraram todo o processo de construção e implantação do BRT no corredor Antônio Carlos/Pedro I, a Polícia Civil indiciou 19 pessoas no inquérito que investigou o desabamento em maio de 2015.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou 11 pessoas. São engenheiros e diretores da Consol e Cowan, que projetaram e executaram as obras do elevado, e funcionários da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), entre eles o ex-secretário de Obras da PBH, José Lauro Nogueira Terror.
Se condenados, os réus estarão sujeitos a penas de até 12 anos de prisão.

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