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Estado de Minas

Folia de Reis deverá ser declarada patrimônio cultural imaterial de Minas Gerais

Reunião que pode trazer a definição será hoje, às 14h. Em 285 cidades, estudo do Iepha cadastrou 1,5 mil grupos ligados à manifestação de origem colonial


postado em 06/01/2017 06:00 / atualizado em 06/01/2017 07:37

Cleusa Batista é pastorinha há 64 anos e ainda usa parte do figurino criado na adolescência(foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
Cleusa Batista é pastorinha há 64 anos e ainda usa parte do figurino criado na adolescência (foto: Beto Novaes/EM/D.A PRESS)
No caderno muito bem encapado – com folhas soltas datilografadas, outras manuscritas em letra graúda e retratos de várias épocas – está parte da vida afetiva de Cleusa da Conceição Batista, de 71 anos, moradora de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Com orgulho e alegria, ela mostra as páginas que recompõem mais de seis décadas de sua história como “cigana do Egito”, personagem do grupo de pastorinhas que visitam os presépios durante o ciclo natalino, período que se encerra hoje, Dia de Reis.

“É uma manifestação popular muito importante, faz parte da nossa cultura e precisa ser valorizada sempre”, afirma Cleusa ao aplaudir a decisão do Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep), que deverá declarar, em reunião às 14h, a Folia de Reis como patrimônio cultural imaterial de Minas.

No estado, há cerca de 1,5 mil grupos de folias de reis, pastorinhas, ternos, charolas e outros, conforme estudo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG). Na tarde de ontem, segurando o estandarte da Sagrada Família e a imagem do Menino Jesus, Cleusa mostrava também outros de seus pequenos tesouros como pastorinha: as longas tranças pintadas de preto, peças fundamentais no figurino de uma cigana.

Com um sorriso, embora convalescente de uma cirurgia no pulmão, ela contou que, ainda bem mocinha, resolveu fazer o próprio adereço após aceitar o convite da então organizadora do grupo, Maria de Lourdes Mendes. “Comecei a cantar com 7 anos, e um pouco mais tarde, já adolescente, resolvi inovar. Cortei uma folha de pita, planta que havia perto da minha casa, no Bairro São Geraldo, em Santa Luzia, fui a uma bica d’água e lavei até que as fibras ficassem branquinhas. Em seguida, pus tinta de cabelo numa panela com água, fervi, sequei e trancei. Não queria nada de tecido, a não ser a roupa”, revela o segredo.

Os “cabelos” são guardados com muito cuidado e, perto do Natal, Cleusa lava as tranças com xampu e usa como manda o figurino, sempre brilhantes e finalizadas com laços de fita vermelhos. Casada desde 1972 com José Braz, mãe de duas filhas, avó 10 vezes e bisavó de quatro crianças, Cleusa, em 64 anos como pastorinha, tem boas lembranças, principalmente dos tempos em que o grupo era comandado por seu pai, o militar Cipriano Batista, já falecido. “Hoje canto sozinha, quando os amigos me convidam, mas quero manter a tradição, o folclore. Os jovens não querem mais esta responsabilidade, o que é uma pena, pois preferem alguma diversão”, lamenta.

DESEJOS
Pedindo desculpas por não poder cantar agora – “estou seguindo a recomendação médica” – Cleusa mostra no caderno a letra dos cantos que fazem sua história e do grupo Pastorinhas da Aldeia. “Formávamos uma turma grande, com 24 moças, duas ciganas, o Menino Jesus, a estrela, o caboclo e os reis magos. No dia 24 de dezembro, saíamos logo depois da Missa do Galo, então celebrada à meia-noite, e visitávamos, cantando e dançando, até 20 casas. A gente varava a noite e terminava às 10 da manhã. No dia seguinte, começava tudo de novo, às quatro da tarde”, recorda-se Cleusa, também integrante do grupo de congado Moçambique Nossa Senhora da Guia e Senhora do Rosário, do Bairro Asteca, em Santa Luzia.


Na entrada das casas, as pastorinhas entoavam os versos: “Dona desta casa/venha nos abrir a porta...”. Já Cleusa, com voz suave, fazia sua parte: “Sou cigana do Egito/nas montanhas de Belém/vim tirar a minha esmola/cada um dai o que tem”.

Fechando o caderno, ela diz que seu maior desejo é reunir “novas pastorinhas” no próximo dezembro, quando vai completar 65 anos de visitação aos presépios. “Incentivo é fundamental, espero que nos ajudem, estamos cadastrados na prefeitura”, diz a eterna “cigana do Egito”, mostrando ainda a sacola com as letras bordadas E.M.J (esmola do Menino Jesus), a qual levava à casas, para depois entregar o valor arrecadado à igreja. No fim, mais um verso: “Deus lhe pague a vossa esmola/dada de boa vontade/Lá no céu terás o pago/da Santíssima Trindade”.

Para o presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, Adalberto Mateus, “as pastorinhas são baluartes das tradições populares no ciclo natalino. Com seus cantos suaves e ingênuos, resgatam um tempo de forte devoção à Sagrada Família e à centenária tradição de montagem dos presépios. Em cada casa, as pastorinhas de Cleusa deixaram capítulo especial de boas recordações de um Natal do passado. A tradição merece ser revigorada para que nossos inúmeros presépios voltem a ter a paisagem sonora das vozes das jovens pastoras”.

PESQUISAS
Depois de um ano de pesquisas, o Iepha-MG vai apresentar ao Conep hoje, às 14h, na Casa Fiat, em Belo Horizonte, estudo que identificou as folias de reis, pastorinhas, terno, charola e outros, informa a presidente da instituição, Michele Arroyo.

Conforme o levantamento, os grupos de 285 municípios foram cadastrados, abrangendo todos os 17 territórios estaduais demarcados pela atual gestão. As folias existem em Minas desde os tempos coloniais, encontrando terreno fértil primeiro nas fazendas, depois no meio urbano, sempre no período natalino. “É fundamental a presença de um presépio para que essa manifestação cultural”, afirma Michele, destacando que a condição de patrimônio imaterial vai criar um diálogo maior com as comunidades, de forma a verificar as necessidades de cada uma, que podem ser de recursos, de roupas, instrumentos ou transporte. “Trata-se de uma forma de zelar pela manifestação, com políticas de salvaguarda.”

Enquanto isso...
Simpatia da romã


Hoje, Dia de Reis, é tradição fazer a simpatia da romã, que, na crença popular, ajuda a garantir dinheiro no bolso o ano inteiro. Nesses tempos de crise, quem vai duvidar? Pelo ritual, a pessoa deve engolir três caroços, jogar o mesmo número para trás e guardar o mesmo tanto na carteira. E ir repetindo a frase: “Gaspar, Belchior e Baltazar, que o dinheiro não venha me faltar”. Há ainda quem dobre a contagem, fazendo com seis sementes, numa referência ao dia 6, quando os Reis Magos visitaram o Menino Jesus.


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