PM de Uberlândia resgata mais de 3,2 mil animais em dois anos

Exemplares silvestres feridos ou vítimas de traficantes são tratados e reintegrados à natureza. Presença humana em reservas ambientais leva fauna para centros urbanos

Landercy Hemerson
Em novembro, tamanduá-mirim foi encontrado andando tranquilamente pelas ruas de Uberlândia - Foto: PMMG/9ª CIa Polícia de Meio Ambiente/Divulgação
A migração de animais silvestres para áreas urbanas tem se tornado comum. Na Região do Triângulo Mineiro, com destaque para a cidade de Uberlândia, essa é uma constatação indiscutível: nos últimos dois anos (2015/2016) foram resgatadas por militares da 9ª Companhia de Meio Ambiente 3.237 animais, entre pássaros, tamanduás, lobos-guarás e até um ouriço cacheiro, que deixaram seu hábitat e foram parar em ruas e imóveis de cidades da região. Muitos deles feridos, dependem de tratamento médico veterinário antes de ser reintegrados aos seus hábitats.

O sargento Eduardo Venâncio, da 9ª Cia., explica que esses animais buscam nas áreas urbanas água, comida e abrigo, fugindo da presença humana em regiões de reserva ambiental. “A expansão das fronteiras agrícolas, o desmatamento e o crescimento dos centros urbanos estão tirando dessas o espaço adequado nas áreas verdes”, alerta Venâncio. Outro dado preocupante na região é que outros 3.891 exemplares da fauna silvestre, resgatados pelos PMs, foram retirados de seus hábitat, na maioria das vezes, para o comércio ilegal.

A 9ª Cia. de Meio Ambiente responde pelo policiamento em 18 municípios do Triângulo Mineiro. E com a crescente presença de animais silvestre em áreas urbanas dessas cidades, os policiais têm resgatado com frequência várias espécies da fauna brasileira. Muitos, porém, necessitam de cuidados veterinários, por terem sido hostilizados ou até atropelados nas estradas.
Daí, a Escola de Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) criou o setor de atendimento aos animais silvestres, para tratá-los antes de reintegrá-los ao meio ambiente.

De acordo com Venâncio, durante as contenções, capturas de animais, não são raros os casos em que esses animais estão fragilizados, acometidos por alguma zoonose ou machucados em decorrência de mordeduras de cães ou pela reação desmedida das pessoas que os machucam, por medo de serem atacadas. “O animal silvestre não ataca, mas se acuado age por instinto para se defender. Normalmente, a reação é fugir ao ver a presença do ser humano. No ano passado, mais de 15 tamanduás-bandeiras foram resgatados em Uberlândia. É uma espécie considerada um dos símbolos do cerrado e está ameaçada de extinção”, assinala.

“Cabe ressaltar também que diversos animais silvestres morrem em virtude de crendices. Como o caso do tamanduá-bandeira, que tem unha bem forte utilizada para quebrar cupins para obter alimento. Mas, quando acuado, tanto o tamanduá-bandeira quanto o tamanduá-mirim emitem um som e ficam na ‘posição de lutador’. Daí a crença do abraço do tamanduá”, explica.

O militar cita outros exemplos de crendices: “o ouriço-cacheiro (conhecido popularmente como porco-espinho) por não ser um animal de grande porte, quando ameaçado se “infla” parecendo ter um tamanho bem maior e emite um som. Assim, as pessoas pensam que ele irá lançar espinhos e muitos são mortos. Outro que tem fama de mau é o lobo. No caso do guará, é uma espécie que tem uma aparência que assusta e é morto pelo temor de que vá atacar. Como os demais animais silvestres, ele foge com a aproximação do homem”.

AÇÃO CRIMINOSA Venâncio destaca outro fator que também pode justificar o grande número de animais resgatados: a cadeia criminosa do tráfico de animais silvestres, ou seja a captura, transporte até a venda ao consumidor final. “Um número expressivo que não está nas estatísticas são os que morrem nesse caminho, seja o do tráfico de animais que trata o animal como uma mercadoria, e uma quantidade elevada que morre em decorrência de atropelamentos nas rodovias.
Por isso a importância de diminuir a velocidade ao avistar um animal silvestre ou um placa de sinalização que indique a possível presença dessas espécies, para evitar atropelamento e preservar vida do animal e do próprio condutor”, sugere.

Em Uberlândia, quando resgatados, os animais feridos são encaminhados ao setor especializado da UFU, que não mede esforços para salvar a vida deles. Normalmente, os animais chegam no setor em situações críticas de saúde, muitas vezes com graves doenças e politraumatizados. Um desses casos foi o de um lobo-guará, que ficou em tratamento por dois anos, depois de atropelado, até que se recuperou e foi solto numa reserva ambiental pelos policiais que o resgataram ferido.

No caso dos animais mortos, quando possível são taxidermizados (empalhados). Depois são utilizados como ferramenta de sensibilização em atividades de educação ambiental, com crianças, jovens e adultos. A taxidermia é a arte de dar forma à pele de animais com a finalidade de deixar a sua aparência mais próxima de uma espécie viva, para fins didáticos ou científicos.

Para o sargento Venâncio, a educação ambiental é fundamental na preservação das espécies. “A população tem que compreender que o animal silvestre está sofrendo com perda de hábitat, com atropelamentos e, pior ainda, a morte pela crendice de que ele ataca. A melhor solução é a informação. Procure saber mais sobre nossa fauna silvestre, pois ela grita por socorro. Essa sensibilização e conscientização podem minimizar a morte prematura dos nossos animais.” E recomenda: “Caso se depare com um animal silvestre em situação de risco, acione as autoridades competentes. Essa atitude visa preservar a integridade física do animal e das pessoas envolvidas”.

MIGRAÇÃO EM BUSCA DE ABRIGO E ALIMENTOS

Em Minas, o Instituto Estadual de Floresta (IEF) é responsável pela preservação das espécies silvestres.
A gerente de Proteção à Fauna e Flora do IEF, Luciana Pereira Carneiro, explica que os recolhimentos de animais silvestres são feitos pela Polícia Militar do Meio Ambiente de cada município e destinados para o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) mais próximo ou clínicas veterinárias para tratamento e recuperação. Depois da recuperação em clínicas particulares, eles vão para o Cetas, que definirá a melhor destinação.

De acordo com Luciana, quando os animais não apresentam condições de serem inseridos no seu hábitat, o órgão ambiental poderá destiná-los para compor plantel, como matriz de jardim zoológico, mantenedor, criador comercial, criador científico para fins de conservação, mas não podem ser comercializados. Ela explica que a maioria dos animais recolhidos é pertencente à fauna sinantrópica, que utiliza recursos disponíveis nas cidades permanentemente. “Alguns deles chegam aos centros urbanos aqui por perda de hábitat”.

O médico veterinário Alberto Leite Pinto Silva, da Clínica Veber, em Belo Horizonte, conta que trabalhou como conveniado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e que era comum receber animais silvestres feridos, que deixavam as matas para buscar abrigo e alimentos. Foi ele um dos responsáveis por cuidar de um lobo-guará atropelado, que foi resgatado pela banda de rock mineira Tianastácia.

“Na atualidade, tem ainda muitos clientes que trazem pássaros, entre outros animais silvestres de pequeno porte para serem cuidados. Sempre damos o primeiro atendimento e depois orientamos procurar o Ibama, que montou estrutura própria para o atendimento. É muito comum essas espécies serem atropeladas nas estradas, pois não existem cerca nesses pontos de maior concentração desses animais, ou mesmo manilhas sob as vias, que são mecanismo de prevenção”, aponta o médico veterinário..