Os últimos dias têm sido movimentados para o servente de pedreiro Fernando Damasceno Silva, morador da Vila Bernadete, a cerca de 100 metros da portaria do Hospital Eduardo de Menezes, no Barreiro, em Belo Horizonte. Anteontem, ele realizou um velho sonho, ao tatuar a imagem de Nossa Senhora Aparecida no braço direito, amanhã, vai se vacinar contra a febre amarela e na segunda-feira completará 33 anos – “a idade de Cristo”, diz com bom humor.
Mas janeiro reservou outras surpresas para o homem simples, devoto de Nossa Senhora e que, conforme vizinhos, está sempre pronto para ajudar os outros. Há duas semanas, ele hospedou na moradia de dois cômodos um casal vindo do interior para acompanhar a filha de 14 anos, com suspeita de febre amarela. Sem pensar duas vezes, Fernando se mudou para a cozinha, localizada na parte de baixo, e alojou os dois na parte de cima. “Ficaram 10 dias e depois ainda veio uma tia da menina. Fiz o que pude”, conta com um sorriso.
Tudo começou numa manhã, por volta das 7h, quando Fernando viu uma mulher chorando na porta do Hospital Eduardo de Menezes, referência na capital para pacientes com doenças infectocontagiosas. “Ela me falou que a filha havia sido internada e, sem dinheiro suficiente, o casal não teria condições de ficar num hotel. Também não tinha parentes ou amigos a quem recorrer”, recorda-se o servente de pedreiro.
Decidido, Fernando ofereceu abrigo e abriu o coração, segundo conta: “Tenho pouco, mas disse que poderia dividir a casa e conseguir a comida – de fato, consegui as marmitas de graça no restaurante – e que eles não precisavam pagar”. Depois de subir uma escada revestida com ladrilhos verdes, ele mostra o quarto onde os acompanhantes da jovem se instalaram. No alto de uma estante, faz questão de mostrar a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. “Moro aqui sozinho e ela me protege”, diz apontando para a imagem.
KOMBI DE SOCORRO Na tarde quente de ontem, o solidário morador da Vila Bernadete conversava tranquilamente com um amigo perto de casa. “Ele é realmente boa pessoa, ainda mais nesse momento em que todos estão preocupados com a febre amarela. Gostaria de colaborar também, mas já estou ajudando um pessoal”, afirmou o amigo. Fernando apenas sorriu e explicou que é fundamental cooperar com o próximo, pois, de retorno, “vêm saúde e paz”. Não muito longe, na padaria Delícia de Trigo, Michael Douglas, de 29 anos, sobrinho do proprietário, diz que quando aparece alguém precisando de ajuda, já indica o nome de Fernando.
Na janela do quarto, o servente mostra a palma da mão calejada e diz que também trabalha com ferro velho. Mas um dos orgulhos está poucos metros acima da casa, numa área sombreada. Trata-se do veículo recém- adquirido, uma Kombi ano 1978. “Meu desejo é arrumar ela todinha, consertar esses bancos, dar um trato. Quero demais socorrer as pessoas que estiverem doentes, levá-las para o hospital”, afirma. Ao ver a equipe do Estado de Minas, dois meninos chegam perto e perguntam o motivo da reportagem. Ao saber, a dupla apenas se cala e fica olhando atentamente para o vizinho de jeito meio tímido e sorriso fácil.