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Estado de Minas

Ladainha virou um 'inferno verde' assombrado por infestação de mosquitos e febre amarela

Prefeito cobra avaliação ambiental na cidade que é cercada por mata atlântica


postado em 22/01/2017 06:00 / atualizado em 22/01/2017 07:16

Agente de saúde pulveriza inseticida nas casas em distrito de Ladainha na borda da maior reserva de mata atlântica em Minas: tranquilidade transformada em medo(foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)
Agente de saúde pulveriza inseticida nas casas em distrito de Ladainha na borda da maior reserva de mata atlântica em Minas: tranquilidade transformada em medo (foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)

Ladainha –
Ao longo da estrada que conduz a Ladainha, a 72 quilômetros de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, pode-se admirar um tesouro tão rico quanto as pedras preciosas e semipreciosas que fizeram a história da região. Exuberante depois das últimas chuvas, domina por inteiro a paisagem a Área de Preservação Ambiental (APA) Alto do Mucuri, a maior unidade de conservação estadual de Mata Atlântica em Minas, com uma profusão de angicos, ipês de todas as cores, jequitibás, sapucaia, perobas e outras espécies. É nesse universo com área de 325 mil hectares, equivalentes a 325 mil campos de futebol e distribuídos por oito municípios, que mora o perigo: o mosquito Haemagogus, transmissor da febre amarela silvestre e causador, só em Ladainha, de 17 óbitos suspeitos e oito confirmados, de um total de 272 casos notificados e 47 confirmados nas últimas semanas em Minas. No estado, já são 25 mortes confirmadas.


Custa crer que um paraíso deslumbrante, de encher os olhos, tenha se tornado, de repente, um terreno de alto risco para a vida humana, exigindo atenção redobrada das autoridades e atemorizando moradores e visitantes. Preocupado diante da situação, já que Ladainha apresenta o maior número de óbitos no estado, o prefeito Walid Nedir de Oliveira (PSDB) lamenta que, até agora, o município tenha recebido apenas profissionais da área de saúde, e não do meio ambiente. “É preciso atentar para a importância dessa reserva, ainda mais que em Ladainha, com uma população de 17,2 mil habitantes, 65% das pessoas residem na zona rural”, afirma.

Para o prefeito, já passou da hora de equipes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Estadual de Florestas (IEF) e de organizações não governamentais irem ao município para avaliar se há algum desequilíbrio ecológico que tenha levado à morte de macacos, entre eles o guariba. “Eles sumiram, não se vê mais nenhum por aqui”, diz o prefeito, ao mesmo tempo em que moradores das comunidades rurais relatam uma explosão na quantidade de pernilongos. Os especialistas esclarecem que se os mosquitos picam um macaco doente, eles se tornam capazes de transmitir o vírus ao homem.

O secretário municipal de Agricultura, Valdir Avelino, ressalta que 100% das terras de Ladainha são ocupadas por Mata Atlântica, a exemplo do vizinho Poté – nos outros, como Malacacheta, Itaipé, Caraí, Catuji, Novo Cruzeiro e Teófilo Otoni, a floresta está em parte do território. Embora destacando que a fiscalização aumentou muito, ele aponta atividades que degradam a reserva, como corte de árvores, caça e outras. “Felizmente, reduziu muito o corte de madeira para fazer carvão”, acrescenta. Só em Ladainha, a mata atlântica ocupa 864 quilômetros quadrados ou 86,4 hectares (quase um quarto da APA Alto do Mucuri. As autoridades locais se queixam da queda vertiginosa no turismo, já que mineiros e paulistas, nesta época, chegam em busca de cachoeiras. “Agora, está vazio”, queixa-se o prefeito.

Moradores dizem que, diante do surto, muitos macacos estão sendo exterminados, independentemente de se saber se o animal está doente ou não. “As pessoas estão com medo, então começam a matar os macacos. Por isso eles estão desaparecendo. Nossas matas são um paraíso, não merecem, jamais, se tornar um inferno verde. Tomara que as autoridades ajam rápido para descobrir se há alguma desordem ambiental”, disse um comerciante.

Primeiro a encontrar macacos mortos no município, Lélio dos Santos diz que não tem visto mais primatas (foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)
Primeiro a encontrar macacos mortos no município, Lélio dos Santos diz que não tem visto mais primatas (foto: Beto Novaes/EM/D.A.Press)


Palma da mão

Nascido e criado na comunidade rural do Açude, no distrito de Concórdia do Mucuri, a 20 quilômetros do Centro de Ladainha, o presidente da Associação dos Agricultores da Comunidade do Açude 2, Lélio Antônio Tavares Rodrigues, conhece matas, cachoeiras e outros recantos como a palma da mão. A cada elogio sobre a beleza da região, ele agradece com um sorriso, mas, nesses tempos de surto de febre amarela silvestre, anda sempre alerta. “Estou triste, pois a cada momento ficamos sabendo de mais um caso da doença. Chega alguém e vai perguntando se a gente já sabe que morreu mais um. Só neste mês perdi um tio, um primo e dois amigos”, conta Lélio, que, precavido, mantém o cartão de vacina em dia.

Num giro pela zona rural, acompanhando a equipe do Estado de Minas, Lélio explica que foi o primeiro morador a encontrar macacos mortos na estrada. “Eles estavam nas árvores, iam escorregando pelo tronco. Depois, apareceram outros mortos, nas estradas, e foram recolhidos para pesquisa. Desde então, não tenho visto mais”, diz Lélio. “A situação está muito difícil, o jeito é vacinar”, acredita. O secretário municipal de Saúde, Fábio Peres dos Santos, informou ontem que todos os moradores da zona rural já foram imunizados, numa ação agressiva para evitar o aumento do surto.

Nos sítios, as famílias residentes perto das matas passaram a conviver com realidade bem diferente. E, diante do perigo iminente, é preciso ser receptivo e abrir as portas às equipes de saúde. Moradora do Açude, a dona de casa Nilza Lopes dos Santos Oliveira, casada, mãe de Maísa, de 10, e Maílson, de 7, não vê da sua janela apenas a beleza das árvores e os canarinhos que voam em bando. Agora, vê passar também as equipes do fumacê, empenhadas em pulverizar as casas e as bordas da floresta, de forma a exterminar o inimigo número um: o mosquito. Abraçada às crianças, acostumadas a brincar livremente no terreiro, Nilza mostra que protege a família. “Já nos vacinamos, mas o medo sempre existe. Por isso, com tanta gente morrendo, é importante a aplicação do remédio.”

Desmatamento

A assessoria do Ibama em Brasília (DF) informa que o setor de fiscalização vai tomar as medidas necessárias, de forma a verificar o que está ocorrendo em Ladainha e municípios vizinhos. Já o IEF esclarece que Ladainha, Itaipé e Novo Cruzeiro são três dos municípios mineiros onde mais se encontram desmatamentos, segundo dados do monitoramento da cobertura vegetal realizado pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema). Na região, estão localizadas duas unidades de conservação estaduais, a Área de Proteção Ambiental (APA) Alto Mucuri e a Área de Proteção Especial (APE) Todos os Santos.

A Subsecretaria de Fiscalização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) realiza constantes ações na região, atendendo às denúncias e ao próprio planejamento do setor, que realiza ações pontuais e grandes operações envolvendo fiscais e policiais militares de outras regiões do estado. Ações realizadas na área nos anos de 2014 embargaram 565 hectares de áreas desmatadas e geraram R$ 2,150 milhões em multas.

A chefe do Escritório Regional Nordeste do IEF, a bióloga Janaína Mendonça Pereira, diz que a região sofre grande “pressão antrópica”, o que se traduz por desmatamento, queimadas, erosão e outras agressões à natureza. “Não podemos dizer se isso está relacionado à proliferação do mosquito e morte de primatas, já que a região tem uma cobertura vacinal baixíssima. O IEF tem como meta a prevenção de impactos ambientais, fomento à recuperação das áreas e atividades sustentáveis”, explica a bióloga.

Saiba mais

A pedra e o trem

 

Ladainha tem como destaque o monumento natural Martha Rocha, também conhecido como Pedra de Ladainha – pelo formato, lembra o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro. Muitos dizem que o apelido foi dado quando a baiana Martha Rocha se elegeu Miss Brasil, em 1954, e só não ganhou o título de Miss Universo por causa das duas famosas polegadas. Pelo sim, pelo não, o sobrenome tem tudo a ver. O município tem sua história vinculada à antiga Estrada de Ferro Bahia-Minas: os trens circularam durante mais de oito décadas e deram o apito final em 1966. No Centro da cidade, ficou a estação para contar um pouco dos velhos tempos. De lá para cá, a via-férrea foi cantada em prosa e verso, como na música Ponta de Areia, composta por Fernando Brant e Milton Nascimento. Eis um verso da canção: “Ponta de Areia, ponto final/Da Bahia-Minas estrada natural/Que ligava Minas ao porto, ao mar/Caminho de ferro mandaram arrancar”.


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