A concessionária da BR informou que, diante da complexidade do acidente, com carga viva, considera normal o tempo de 13 horas para a liberação total da pista. Já o inspetor Aristides Júnior, da PRF, justificou que outros agentes atendiam ocorrências diferentes enquanto dois policiais acompanhavam o acidente com a Sacania e a tentativa de saques. “Enviamos duas viaturas, às 11h45, não só por causa da carga, mas para questão do tráfego e para (render os dois agentes) para que eles pudessem, por exemplo, almoçar”, disse o policial.
A boa notícia é que a Scania, que levava o rebanho de Iapu (Vale do Rio Doce) para Frutal (Triângulo Mineiro), não atingiu nenhum veículo. Ainda por sorte, o motorista, Leandro Agostinho Silva, de 33 anos, deixou a boleia sem ferimento grave. Ele contou que perdeu o controle na descida, passou por cima da mureta de concreto que separa as direções contrárias e invadiu a pista em sentido à capital mineira: “Senti a carreta pendendo para a esquerda e me preocupei em não acertar ninguém”.
Por fim, o acidente jogou holofote na questão dos maus-tratos a animais. Cinco bois morreram e dois fugiram. A desvirada da carreta esteve condicionada à retirada do rebanho da carroceria. Alguns voluntários ajudaram a socorrer os bichos, porém, outros, mesmo com boas intenções, aumentaram o estresse da boiada. Um homem escalou a caçamba para mostrar a uma criança de colo o sofrimento dos animais.
O veterinário Lucas Lucena, que presta serviço à Autopista Fernão Dias, a concessionária que administra o trecho da 381 entre BH e São Paulo, se esforçou para aliviar a dor dos bichos. Alguns tiveram patas amputadas e receberam doses de morfina. A carreta tombou em frente a uma empresa cujo estacionamento para visitantes é cercado por tela. O lugar foi improvisado como curral.
Os voluntários Diogo Henrique Silva, de 28, e Adriano Gonçalves Dias, de 40, ajudaram no resgate do rebanho. Puxaram os animais com cordas enquanto uma retroescavadeira rompia o metal da carroceria para facilitar a saída dos sobreviventes.
“Eu passava de moto e me pediram ajuda. Vários bichos ficaram espremidos”, disse Adriano. Por sua vez, Diogo, que afirmou ter facilidade na lida com animais, se tornou uma espécie de peão boiadeiro, sempre se preocupando em não machucar a criação alheia.
O local já foi palco de vários acidentes. Muitos ocorreram por imprudência ou imperícia dos condutores. Outros, por sua vez, pelas características ultrapassadas do trecho. “Há falhas de geometria seríssimas, com curvas fechadas. Precisam ser corrigidas e não são”, alertou José Aparecido.
Uma das saídas para evitar acidentes envolvendo veículos de carga pode ser o Rodoanel, que aliviaria o trânsito no trecho. A obra completa, contudo, não tem previsão de sair do papel, segundo o poder público. O valor do empreendimento do trecho Norte, por exemplo, foi considerado incompatível, na modalidade parceria público-privada (PPP), com a disponibilidade orçamentária do estado.
Área vira açougue a céu aberto
Moradores da região transformaram a entrada de uma pequena vila de casas simples, a cerca de 300 metros do acidente, numa espécie de açougue a céu aberto. Quatro dos animais mortos foram levados para o local, depois da autorização do dono da carga, segundo os próprios moradores, e cortados com facões e machados.
Havia crianças, adultos e idosos. Homens e mulheres. Alguns levaram carrinhos usados na construção civil. Outros estacionaram os automóveis e encheram o porta-malas. Cada pedaço retirado era comemorado como se fosse um gol de futebol. Apenas as tripas foram deixadas de lado.
As patas, consideradas iguarias para quem saboreia caldo de mocotó, foram disputadas até por crianças. “Meu pai sabe fazer e fará logo mais”, disse um garoto de aproximadamente 12 anos. Já um casal de desempregados conseguiu retirar cerca de 3 quilos, na matemática do próprio marido, de costelas.
“Haverá churrasco hoje e amanhã”, prometeu o homem, enquanto a esposa, sem esconder o sorriso, se apressava para buscar mais um punhado de carne. Outro rapaz levou o rabo e parte do pernil de um dos bois sem se incomodar com o sangue do animal escorrendo em sua camisa.
Os bois só foram picotados no período da tarde, numa cena que chamou a atenção de quem passava pela região. Mas a tentativa de levar os animais que morreram no acidente começou pela manhã.
Aliás, não demorou muito para os primeiros curiosos começarem a dificultar o trabalho da Polícia Rodoviária Federal, o de funcionários da Autopista Fernão Dias e o de voluntários que retiraram os animais da Scania. Muitas pessoas tentaram puxar animais que aparentavam estar mortos para cortar, ainda no asfalto, nacos de carne.
“A maior dificuldade é a aglomeração de pessoas, que, mesmo diante de uma situação caótica, insistem em saquear a carga”, lamentou o policial Christian Costa. Enquanto mais de 50 pessoas tentavam atrapalhar a situação, apenas dois agentes da PRF trabalhavam na ocorrência. Algumas delas subiram na caçamba de um dos caminhões usados para remover os bois mortos.