Considerado o bloco caricato em atividade mais antigo do país, a agremiação folclórica Zé Pereira Clube dos Lacaios celebra 150 anos e promete levar ao Centro Histórico de Ouro Preto o colorido dos bonecos Catitão, Baiana e Benedito, além de outros incorporados à turma em 2001.
Mesmo com tanto tempo de rua, o grupo tem sangue novo, a exemplo do presidente Arthur Ramos Carneiro, de 20 anos. “A responsabilidade é grande, pois o Zé Pereira tem história e devemos preservá-la”, disse o jovem, na tarde de ontem, enquanto trabalhava com outros integrantes na sede do Clube dos Lacaios, no Bairro Antônio Dias.
Neste domingo, às 20h, o Zé Pereira fará uma demonstração da sua arte, saindo com os bonecões da Rua Santa Efigênia em direção à Praça Tiradentes. Quem não puder ir, terá oportunidade de ver o desfile no carnaval, cuja abertura oficial será no dia 23 de fevereiro. “Estamos arrumando as fantasias e afinando os instrumentos”, contou Arthur, que, nesses dias que antecedem a grande farra nacional, se divide entre os adereços na sede e o celular para resolver os últimos detalhes. “Todo mundo está bem animado e trabalha bem”, afirmou ao lado da rapaziada que faz de tudo, desde tocar tarol e clarim até carregar os bonecos pelas ladeiras históricas da antiga Vila Rica.
“Estou feliz de estar aqui. A gente se diverte e faz amigos”, contou Vinícius Santana, que ajustava a figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, feita de isopor e incorporado ao grupo de bonecos em 2001, após realização de uma oficina na Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop).
Ao lado de Vinícius, bem compenetrados, estavam dedicados ao ofício de “fabricar o mundo de fantasias” os amigos João Vitor Santana e Lucas Félix Francisco. Com 1,93 metro de altura, Lucas brincava que, para ele, é fácil “elevar” as figuras no cortejo pela cidade.
ESTANDARTE Arthur diz que prefere os três bonecos mais antigos, de mais de 100 anos: Catitão confeccionado em taquara, Baiana, com o costumeiro turbante, e Benedito, de estatura menor, em armação de metal, com material aproveitado de antigos tambores. “Eles saem logo atrás da bateria. A turma nova, que inclui homens e mulheres, pede para os outros bonecos saírem também pelas ruas. Aí, não tem jeito”, brinca o jovem presidente. Ele explica que, neste ano escolhido em Ouro Preto como do “Zé Pereira e a cultura popular”, em função dos 150 anos, o bloco mostra sua paixão pelo tríduo momesco. “Eu, pessoalmente, sou louco pelo carnaval. É de família. Minha vó, quando eu era criança, me levava para ver os desfiles em Mariana”, recordou Arthur.
Ao lado do estandarte e da bandeira, orgulhos da agremiação e nas cores preto e amarelo, Arthur diz que o desfile do Zé Pereira é apenas uma das atividades do Clube dos Lacaios. “É por isso que no estandarte está escrito Clube dos Lacaios”. No desfile, a turma sai de cartola, fraque e calça pretos, camisa branca social e gravata borboleta. “No início, os instrumentos eram de couro, mas, com o tempo, foram adaptados”, revela o presidente.
HISTÓRIA O artista plástico e historiador de Ouro Preto José Efigênio Pinto Coelho fez uma pesquisa sobre o Zé Pereira dos Lacaios, que foi publicada na revista Memória Cult. Segundo o trabalho, o Zé Pereira é uma tradição portuguesa, existente em algumas aldeias, e chegou ao Brasil com os imigrantes estabelecidos no Rio de Janeiro (RJ). “Seu ritmo pode ser ouvido também na Índia”, escreveu.
Os primórdios no Brasil estariam nas mãos do português José Nogueira Paredes, que aportou no Rio de Janeiro em 1846 e já participou de um bloco carnavalesco. Em 1876, ao ser transferido para Ouro Preto, então capital mineira, foi trabalhar no Palácio dos Governadores. Animado, criou o bloco dos funcionários, que saiu no carnaval do ano seguinte. “Então, criticando com ironia, chamou o grupo de Zé Pereira dos Lacaios, palavra que significa puxa-saco. Assim, do Império à República, o Clube dos Lacaios sempre esteve no carnaval, com poucas exceções: durante a Primeira e Segunda guerras mundiais”, afirma. De acordo com a Prefeitura de Ouro Preto, trata-se do bloco caricato mais longevo, em atividade, da história da folia brasileira..