De lá para cá, foram muitas as epidemias, até que o desenvolvimento técnico e científico eliminasse a transmissão urbana da doença, em 1942. Mas, em pleno século 21, o tipo silvestre da enfermidade volta a assombrar Minas, estado que registra números que superam os notificados em todos os surtos dos últimos 14 anos no país. Até quinta-feira, eram 486 casos suspeitos, com 84 confirmados. Desses, 97 evoluíram para a morte: 57 dos óbitos estão sendo investigados e em 40 já há resultado positivo para a doença.
Contar a história da febre amarela no Brasil é abrir um arquivo que se confunde com a história da saúde pública no país. É que tanto para se diagnosticar, tratar ou combater a doença, médicos sanitaristas muito contribuíram para a implantação das primeiras políticas de saúde. De acordo com o historiador Rodrigo Cesar Silva Guimarães, doutor em história das ciências e da saúde da Casa de Oswaldo Cruz, unidade de memória histórica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), até o fim do século 19 “não se sabia ao certo o que causava a doença, que era combatida com medidas sanitárias”.
Somente em 1881, o médico cubano Carlos Finlay apontou um pernilongo (Culex) como transmissor da febre amarela e, em 1900, conseguiu convencer a comunidade científica de que era o mosquito Aedes aegypti o transmissor da febre amarela. Mesmo depois de diagnosticada a febre amarela, foi intenso o trabalho de combate à doença, com campanhas capitaneadas pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz.
Surtos Ao longo da história, ainda foram muitos os surtos de febre amarela. Em Minas, região endêmica para a doença, a vacina foi incorporada ao calendário nacional de vacinação em 2000, após a ocorrência de um grande número de casos. Ainda que disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES) mostram como é baixa a adesão à vacina: o percentual médio de cobertura no estado entre 2006 e 2016 era de 49%.
A HISTÓRIA DA DOENÇA
Com o anúncio do surto no Leste de Minas, em 4 de janeiro deste ano, foi grande a corrida aos postos de saúde em busca das doses e cerca de 1,6 milhão de vacinas já foram distribuídas às áreas prioritárias para a doença, sendo que metade foi aplicada. Enquanto o estado corre para dar suporte aos municípios afetados, que já extrapolam o Leste e vão de norte a sul do estado, a SES já vê os casos de dengue, zika e chikungunya aumentarem e se mostrar como mais um desafio para a saúde pública, que já enfrenta tempos de crise orçamentária. Em outra frente de ação, o trabalho é para evitar a reintrodução da febre amarela urbana.
A febre amarela é uma doença infecciosa grave, causada por um arbovírus (vírus transmitidos por mosquitos) da espécie Flavivirus febricis, cujo hospedeiro são os primatas não humanos que habitam florestas e matas tropicais. Estudos genéticos demonstraram que esse vírus surgiu na África, há cerca de três mil anos, e chegou no Brasil nos navios que traziam escravos para trabalhar nas minas e na lavoura, numa época em que as cidades não dispunham de saneamento básico e estavam infestadas de mosquitos. O resultado desse encontro do vírus da febre amarela com os mosquitos urbanos trouxe trágicas consequências para a saúde da população.
1685 – A primeira epidemia de febre amarela no Brasil é descrita em Recife (PE), para onde o vírus teria sido levado em um barco procedente de São Tomé, na África, que fez escala em Santo Domingo, nas Antilhas, local onde a enfermidade dizimava a população. Em Recife, fez vítimas por pelo menos uma década.
1686 – A doença chega a Salvador, na Bahia, e, até meados de 1692, cerca de 25 mil pessoas adoeceram e 900 morreram.
1691 – Até então considerada uma doença contagiosa, a febre amarela foi combatida nesse ano no Recife, com a primeira campanha profilática elaborada com base na "ditadura sanitária", por meio da segregação dos doentes, purificação do ar e das casas.
1881 – O diagnóstico da doença é feito pela primeira vez pelo médico cubano Carlos Finlay, que identificou o Aedes aegypti como vetor responsável pela transmissão da febre amarela. Em seguida, uma comissão médica militar norte-americana bate o martelo sobre essa teoria, dando início às primeiras campanhas de combate à febre amarela no início do século 20, nas Américas.
1903 – O médico sanitarista e diretor-geral de saúde pública Oswaldo Cruz dá início a um plano de combate à epidemia à febre amarela no Rio de Janeiro, então capital do país.
1904 – O então presidente do Brasil Rodrigues Alves assina o plano de reforma urbana do Rio de Janeiro, que permite a primeira aplicação da Teoria do Inseto Vetor para combate à febre amarela na capital. Ao mesmo tempo, o trabalho combateu a peste bubônica (que era transmitida pela pulga do rato) e também a varíola, que já tinha vacina desde o século 18. A campanha de vacinação obrigatória da varíola foi posta em prática em novembro de 1904. Como o Rio passava por um processo de remodelação urbana e sanitária, a campanha enfrenta resistência entre a população. Além de ser por princípios ideológicos, essa recusa ocorreu porque as pessoas não sabiam o que era a vacina e tinham medo de seus efeitos, o que gerou a “Revolta da Vacina”.
1908 – As campanhas de combate à febre amarela capitaneadas por Osvaldo Cruz tiveram efeito. Enquanto em 1894 foram registradas quase 5 mil mortes por febre amarela, em 1908, houve apenas quatro casos da doença.
De 1908 a 1928 – A febre amarela permanece combatida como epidemia no Rio de Janeiro.
1923 – A Fundação Rockefeller, instituição norte-americana que em 1918 havia lançado uma campanha mundial para acabar com a febre amarela no mundo, faz um acordo para atuar no Brasil.
1928 e 1929 – A doença volta a assombrar os cariocas em uma grande epidemia de febre amarela no Brasil. Nessa época, descobre-se que outros mosquitos também transmistem a doença.
1932 – Começam os estudos para desenvolvimento da vacina e uma descoberta importante é feita por um grupo de médicos norte-americanos no interior do Espírito Santo: a existência da febre amarela silvestre e a conclusão de que havia outros hospedeiros da doença, que são os primatas não humanos.
1934 – A vacina contra a febre amarela fica pronta e em 1937 ocorre a primeira imunização em massa no país. Foi em 1934 que se conseguiu erradicar pela primeira vez o Aedes aegypti de uma cidade brasileira.
1942 – É registrado o último caso de febre amarela urbana no Brasil.
1947 – Aprovada a Campanha Continental para Erradicação do Aedes e em 1958 o Brasil e mais 10 países são declarados oficialmente livres do mosquito.
1967 – Com o afrouxamento do trabalho de vigilância epidemiológica e de controle de fronteiras, o Brasil volta a sofrer com o retorno do Aedes. Em 1969, foi criada a Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (Sucam) e os programas de erradicação e controle de endemias, entre eles o da febre amarela, continuam.
1973 – O Aedes é erradicado no Brasil pela segunda vez. Mas reaparece no mesmo ano e desde então está presente no ambiente urbano, trazendo no final dos anos 1970 a ameaça da dengue.
1980 – Entre 1980 e 2000, o país continua a registrar casos e mortes por febre amarela. De 1993 a 1999, houve grandes surtos no Brasil.
2016 – Mais duas doenças passam a ser transmitidas pelo Aedes aegypti: a zika e chikungunya
O QUE É A DOENÇA?
Doença infecciosa febril aguda, causada pelo flavivírus, que tem dois ciclos epidemiológicos distintos de transmissão: no ambiente silvestre acomete macacos, que funcionam como hospedeiros do vírus, que é transmitido pela picada dos mosquito Haemagogus e Sabethes a outros macacos ou a seres humanos não vacinados que penetram em seu hábitat. No meio urbano, tem como vetor o Aedes aegypti.
POR QUE É TÃO TEMIDA?
1) Acomete cerca de 200 mil pessoas no mundo a cada ano (OMS)
2) É uma enfermidade grave, com letalidade elevada (50%)
3) Tem alto potencial epidêmico
4) Tem alto potencial de disseminação (transmissão por vetores)
5) Alto custo econômico (hospitalizações – UTI)
6) Causa impacto econômico (turismo, comércio, relações internacionais)
7) Gera ansiedade pública elevada (em situações de surtos)
QUAIS OS SINTOMAS?
Febre alta, calafrios, cansaço, dor de cabeça, dor muscular, náuseas e vômitos por cerca de três dias. A forma mais grave da doença é rara e costuma aparecer após um breve período de bem-estar (até dois dias), quando podem ocorrer insuficiências hepática e renal, icterícia (olhos e pele amarelados), manifestações hemorrágicas e cansaço intenso.
COMO O VÍRUS AGE?
Depois de penetrar no organismo, o vírus circula pelo sangue por dois a cinco dias. Inicialmente, usa as células dos gânglios linfáticos para a replicação e depois chega a diversos órgãos, como baço, medula, fígado e rins, onde são replicados mais uma vez. Todas as células onde a replicação do vírus ocorre são destruídas. O indivíduo apresenta, de início, febre, pulso rápido, inchaço no rosto, vômito, dores musculares. Posteriormente, verifica-se a icterícia, vômitos com sangue de cor negra e até mesmo convulsões e delírios. Casos crônicos podem evoluir para a morte.
TRATAMENTO
O tratamento é apenas nos sintomas, com assistência ao paciente, que deve permanecer em repouso, com reposição de líquidos e das perdas sanguíneas, quando indicado. Nas formas graves, o paciente deve ser atendido em Unidade de Terapia Intensiva, para reduzir complicações e o risco de morte.
COMO PREVENIR?
A medida mais importante para prevenção e controle é a vacinação. O Ministério da Saúde alerta que toda a população que reside ou que se desloque para regiões silvestres e rurais deve se imunizar. Ela está disponível em todas as unidades de saúde, e deve ser administrada pelo menos 10 dias antes do deslocamento para essas áreas. É válida por 10 anos. Quem não estiver com as doses em dia precisa atualizar o cartão de vacina.
Fonte: Ministério da Saúde e Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fundação Oswaldo Cruz