A vítima denunciou o caso à Delegacia Especializada de Plantão de Atendimento à Mulher (Demid) na semana passada – a ocorrência foi registrada como assédio sexual. Ao Estado de Minas, a mulher relatou que, por volta das 20h, foi chamada pelo chefe para ir até o carro dele, estacionado na rua. Ela pensou se tratar de um adiantamento de R$ 500 que havia pedido a ele, por orientação da gerente do estabelecimento. “Nesse dia, ele não havia falado nada comigo. A primeira coisa que fazia era cumprimentar as pessoas e me chamar.
A auxiliar de cozinha diz que, no carro, o homem puxou seu avental, a tocou e a forçou a pôr a mão nas partes íntimas dele. De acordo com a mulher, nesse momento, ela conseguiu abrir a porta do carro, mas foi impedida pele homem de sair. Na sequência, sustenta, ele ordenou que ela fizesse sexo oral, momento no qual conseguiu se desvencilhar e fugir do veículo. Ao chegar ao café, abalada, comentou o fato com um colega da cozinha e outra funcionária e foi embora imediatamente, já que o expediente estava acabando. “Minha vontade era chegar perto de alguma pessoa na rua, pedir um abraço e chorar, porque eu não podia contar para meu marido naquele dia.”
Ainda segundo a auxiliar de cozinha, dois dias depois, ela voltou ao trabalho (regime de 12 por 36 horas) e, sem encontrar o agressor, desempenhou normalmente suas funções. No dia 12, porém, conforme relatado no boletim de ocorrência, o chefe de cozinha lhe deu um tapa nas costas e afirmou: “Você correu do pau, você é lero-lero”. Ela se afastou e caiu em lágrimas. A vítima conta ainda que ele lhe perguntou por que ela estava com cara de choro, ao que respondeu apenas que não estava se sentindo bem. A mesma resposta foi dada à gerente, para quem pediu para sair e ir ao hospital. Apenas no dia 14, encorajada por uma colega que também era assediada, relatou o fato à gerência, que o transmitiu ao dono do Café com Letras.
A funcionária, que não conseguia mais trabalhar por causa do pânico, sustenta que vinha sendo assediada havia quatro meses pelo chefe de cozinha, com tapas nas nádegas, palavras obscenas, convites para ir ao motel e pegadas no pescoço. Ela retomou o trabalho no dia 22, orientada pela psicóloga, para não perder o emprego. Nesse dia, no entanto, recebeu uma advertência verbal e uma punição, que foi ter de voltar para casa e perder o dia. “Aguentei muito tempo, pela necessidade do trabalho.
A situação só mudou quando, no dia 23, encontrou uma mulher num ponto de ônibus que, percebendo sua apreensão, perguntou o que estava ocorrendo. Foi, então, a oportunidade que precisava para desabafar. Ativista dos direitos das mulheres, ela prometeu ajudá-la.
REPERCUSSÃO Na tarde de domingo, ela publicou relato sobre o caso na internet, identificando a vítima pelo nome fictício de “Maria” – no início da tarde de ontem o texto já contava com mais de 1,4 mil compartilhamentos. “Maria, traumatizada, não consegue se alimentar ou levantar da cama. Maria pediu que a demitissem para que ela não perdesse os direitos e a resposta foi ‘você pode voltar a trabalhar, já estamos te dando todo apoio tendo demitido seu agressor’”, diz o texto. “Maria está adoecendo, sente dores por todo o corpo, e entre cuidar de uma filha recém-operada e mais outros três, Maria tentou ir trabalhar, depois de alguns dias. Maria levou advertência da empresa por não ter ido trabalhar nos outros dias.”
A advogada da vítima, Suellen Passos Garcia, afirma que vai aguardar as investigações da Polícia Civil, mas, caso não sejam feitas, vai acionar a esfera judicial.
O Café com Letras publicou duas notas em sua página em uma rede social. A mais recente, de ontem, é assinada pelo dono do estabelecimento, Bruno Golgher.
Ele prossegue: “A partir do momento que a direção soube do acontecido, no dia 15 de janeiro, o processo durou cerca de 48 horas. O chefe de cozinha foi formalmente afastado da empresa para que se pudesse averiguar os fatos em profundidade. Acreditamos que é um dever ouvir todas as pessoas envolvidas em uma acusação. As pessoas têm o direito e o dever de apresentarem o seu ponto de vista e se defender”. Golgher diz que a equipe agendou médicos, prestou apoio à vítima e a acompanhou no hospital. “E, sim, o Café manteve a funcionária em seu quadro por julgar que o melhor caminho a ser tomado era preservar a sua fonte de renda. Se nossa atitude foi incorreta, pedimos desculpas e nos comprometemos a mudar”.
O Estado de Minas fez várias ligações para o chefe de cozinha, mas o celular dele estava desligado. Procurado, o Café com Letras pediu que um e-mail fosse mandado ao dono do estabelecimento. Não houve resposta até o fechamento desta edição.
"Ia me calar, mas decidi não ser mais uma"
Denunciante de tentativa de estupro e assédio, que prefere não se identificar
O Café com Letras deu-lhe algum apoio?
Só hoje (ontem), quando o caso foi para a mídia, o dono me ligou, perguntando como estou e dizendo que está disposto a me receber. Eu tentei por várias vezes falar com ele antes. A empresa não me deu qualquer estrutura.
O que você espera que seja feito?
Acho que vai haver justiça. Ele abalou minha estrutura, o meu psicológico. O que eu mais queria agora é ficar frente a frente com ele para ver a reação dele. Dizer o que ele fez com minha vida. Ele jogou no chão meus sonhos, mas vou conseguir resgatá-los. Tenho até pena de uma pessoa dessa, que não tem amor ao próximo. Minha família está sofrendo. Meu marido e meus filhos estão sofrendo, preocupados com minha saúde. Mas tenho fé que vou conseguir recuperar tudo que ele me tirou. Minha força de vontade é maior que tudo. E para o Deus que sigo nada é impossível aos olhos daquele que crê. Não destruiu só a minha vida, mas os sonhos dos meus filhos. Eu precisava desse dinheiro para ajudar a manter a casa e levar meu filho, que precisa usar aparelho, ao dentista.
Como você está passando por tudo isso?
Estou fazendo tratamento psiquiátrico e tomando remédios, tentando ser forte não por mim, mas pelo meu marido e pelos meus quatro filhos. Se eu me entregar, sei que vou entrar em depressão profunda.
O que lhe deu forças para fazer a denúncia?
Não quero que minhas filhas passem por isso. Pensei em agir com minhas próprias mãos, mas respirei fundo e pensei nos meus filhos. Eu ia pedir conta do café, ia me calar e deixar esta história para lá. Ia me calar, mas decidi não ser mais uma.