Crise no grupo EBX transformou cidades da Grande BH em 'terras de ninguém'

Lugares baldios têm sido usados para atividades criminosas, trazendo preocupação para os vizinhos, antes esperançosos com boom econômico

Mateus Parreiras
Em uma das propriedades é possível observar até uma carcaça de carro, supostamente roubado e desovado - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

Os pastos extensos, coqueirais e matas já foram paisagens de fazendas de produtores rurais da região de São Joaquim de Bicas, Brumadinho e Igarapé, na Grande BH, mas entraram na mira do mais ambicioso plano de expansão da mineradora MMX, parte do grupo EBX, do empresário valadarense Eike Batista. Ao todo, 65 propriedades foram sendo sistematicamente compradas, a valores acima do mercado imobiliário local, somando 2,5 mil hectares de terras que serviriam para que a MMX aumentasse sua extração e processamento de minério, de 6 milhões de toneladas por ano para 25 milhões de toneladas. Mas, com a crise que se abateu sobre as empresas do grupo e que culminou com a prisão na última segunda-feira do empresário, por corrupção em negócios no Rio de Janeiro, essas áreas se tornaram terras de ninguém. Lugares baldios e que têm sido usados para atividades criminosas, trazendo preocupação para os vizinhos, antes esperançosos de que, com a incorporação das propriedades pela empresa, haveria mais seguranças patrulhando suas cercas. Hoje, os terrenos estão inventariados e, pelo cálculo estipulado no plano de recuperação judicial homologado na Justiça, deverão render cerca de R$ 45 milhões.

“A vinda da MMX levou a gente para o céu muito rapidamente, ganhando muito dinheiro com os serviços de que eles precisavam na região, mas depois jogou a gente para o inferno na mesma velocidade, quando se foram e deixaram até dívidas”, afirma Helenita Andrade, dona de uma pousada e restaurante tradicional em São Joaquim de Bicas. Antes, o lugar só abria aos sábados e domingos, mas, com a chegada da MMX, passou a hospedar 14 diretores, gerentes e a servir diariamente em média 200 refeições todos os dias. “Quando eles (da MMX) chegaram, veio muita gente abrindo restaurantes, hotéis, comércio... O dinheiro estava circulando.
Muita gente vendeu suas terras para eles. Em três anos o sonho acabou. Tinha 4 mil funcionários aqui, que sumiram, evaporaram. Foi um quebrando atrás do outro e a maioria de quem investiu foi embora”, afirma Helenita.

Das fazendas compradas para dar caminho aos negócios de Eike sobraram apenas esqueletos, onde hoje são denunciadas atividades criminosas - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A PressNessas fazendas estava prevista a construção de um mineroduto de sete quilômetros, usina de beneficiamento e ampliação do terminal ferroviário existente. O projeto de expansão da MMX custaria R$ 4 bilhões, a serem financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas tal quantia nunca foi repassada, devido a problemas do conglomerado para conseguir licenças ambientais, como a que previa a construção de uma barragem de rejeitos em Itatiaiuçu, não concedida. Depois dos planos arruinados, a empresa espera vender também sua participação, de mais de 22%, nos terminais ferroviários de Sarzedo e Mário Campos, para ajudar a saldar as suas dívidas.

Propriedades ‘depenadas’

O valor que a MMX espera auferir com a venda das fazendas é tido como otimista por vizinhos das propriedades, ainda que poucos queiram comentar abertamente o caso, precaução tradicional do mineiro do campo. “Quando venderam essas fazendas, a MMX disse assim: você tem 1 mês para tirar tudo o que quiser daqui. Só vamos ficar com o terreno. Depois de um mês vamos fechar as porteiras”, lembra o vizinho de uma das propriedades da mineradora, que conversa sobre tudo da época, mas prefere não “meter o dedo na briga de cachorro grande”. “O que teve de caminhão parando ao lado das casas, áreas de churrasqueiras e jardins das fazendas para levar telhas, janelas, portas... Até privada foi embora. Só ficou o esqueleto das casas. Agora, sem nenhuma benfeitoria e com essas casas invadidas por marginais para serem pichadas, usadas para consumo de drogas e orgias, quem é que vai pagar o mesmo preço?”, questiona o fazendeiro.

Em São Joaquim de Bicas, na estrada que liga a BR-381 ao Instituto Inhotim, as ruínas das casas de algumas dessas fazendas se tornaram ponto de encontro de criminosos, segundo afirmação de vizinhos.
A equipe de reportragem do Estado de Minas esteve em algumas dessas propriedades, que ainda detêm placas desbotadas da MMX. Estão todas pichadas e no interior de uma delas havia várias carcaças bovinas espalhadas. Segundo vizinhos ouvidos, sinais de gado roubado e destrinchado dentro do mato. Numa das fazendas é possível observar até uma picape desmanchada e depois incendiada. Ainda segundo moradores do entorno, desovada na propriedade depois de ter sido roubada.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a MMX afirma que “as fazendas estão praticamente todas arrendadas em contratos de curto prazo e aguardando para a realização da venda, conforme previsto no plano (de recuperação judicial)”. Sobre a questão do uso das terras por marginais, a empresa informou: “Nunca recebemos qualquer reclamação nesse sentido”. Quanto às dívidas com pessoas da região que se sentiram lesadas, a assessoria informou que “a MMX já recebeu R$ 65 milhões como parte do pagamento pela venda das minas e transferiu grande parte desse recurso aos credores. Somente não transferiu para aqueles que não informaram dados bancários para a companhia”.

Atoleiro começou em fábrica de jipes


Muita gente não sabe, mas a primeira companhia aberta por Eike Batista foi uma fábrica de veículos fora de estrada em Pouso Alegre, no Sul de Minas. A JPX começou suas atividades em 1993 fabricando jipes de uma plataforma francesa e chegou a atender até a uma encomenda de 400 unidades para o Exército do Brasil. Contudo, a empresa fechou em 2001, devido a inúmeros problemas com partes mecânicas dos carros e a uma superaquecimento de motor que só foi resolvido em 2000, sete anos depois que os primeiros automóveis saíram da linha de montagem.
A alta do dólar também foi apresentada como culpada, já que 30% das peças eram importadas.

Quem tem veículos da marca atualmente sofre para conseguir peças, com muitos proprietários sendo obrigados a recorrer a adaptações. “A empresa era muito boa, pagava em dia, toda semana. O carro também era bom. Acho que o Eike foi mal assessorado. Trouxe uns italianos que indicaram para ele usar diferenciais e outras partes que são comuns de se trocar na Europa, mas que aqui no Brasil são feitas para durar. Com isso, começou a haver muita manutenção e ninguém mais quis o jipe. Se tivesse usado peças nacionais desde o início, teria resolvido o problema”, afirma um ex-trabalhador da JPX, Marcelo Martins Oliveira, hoje proprietário de uma oficina mecânica em Pouso Alegre.

Do tempo em que fazia a regulagem das bombas injetoras dos JPX que não tinham turbo de fábrica, lembra que Eike foi duas vezes apenas até a montadora. “Ele tinha até um apartamento no Centro de Pouso Alegre, mas só veio umas duas vezes à fábrica mesmo. A Luma de Oliveira fazia propaganda do jipe e todo mundo ficou curioso com o Eike aqui. Teve uma vez que ele patrocinou uma expedição na Amazônia com os jipes e um dos motoristas era o ex-piloto Wilson Fittipaldi. Um desses carros voltou aqui para a oficina com o motor cheio de água”, lembra.

No local onde a oficina ficava, às margens da Rodovia Fernão Dias (BR-381), funciona hoje uma fábrica de chicotes elétricos para veículos japoneses. No entanto, essa indústria também não resistiu à crise e está prevista para este ano sua transferência para o Paraguai. “A gente não sabe o que acontece ali, se é uma cabeça de burro que está enterrada, mas a primeira empresa que tinha no lugar foi a primeira do Eike a quebrar também”, comenta Marcelo..