Devastação, abandono, prejuízo...

Trajetória de Eike Batista em Minas Gerais foi do otimismo à ruína

MMX Sudeste, braço minerário da EBX, deixou para trás um roteiro de formações naturais ameaçadas, propriedades-fantasmas e muita incerteza

Mateus Parreiras
Propriedades compradas para dar lugar a usinas e dutos de mineração foram abandonadas, assim como a Mina de Tico-Tico. Cerca de 4 mil trabalhadores se foram e o comércio local foi à bancarrota - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

Hábitats de fauna e flora silvestres protegidas, cavernas de formações de minério de ferro endêmicas de Minas Gerais ruíram abaladas pela vibração dos pesados pneus de caminhões de mineração. Fazendas que seriam usadas para comportar estruturas minerárias como usinas e minerodutos se tornaram propriedades-fantasmas, hoje usadas como refúgios de criminosos, desmanches de carros roubados e abatedouros clandestinos de gado furtado. Paisagens naturais fora aplainadas por máquinas de terraplenagem, expulsando para outras propriedades veados, tamanduás e lobos-guará. Hotéis e restaurantes estruturados para atender a uma força de trabalho de 4 mil pessoas fecharam assim que, ao fim de três anos, essa mão de obra foi demitida. A maior parte desse contingente deixou as casas alugadas e hotéis onde morava e se foi. Se nacionalmente o empresário Eike Batista ficou conhecido pelo escândalo de corrupção que o levou preso pela Operação Lava-Jato, em Minas Gerais as promessas de progresso de suas atividades se tornaram rastros de devastação ambiental e prejuízos, principalmente em Brumadinho, São Joaquim de Bicas e Igarapé, na Grande BH –, maior área de atuação da MMX Sudeste, o braço minerário da EBX, a empresa principal do conglomerado do ex-bilionário.

Ele foi preso pela Polícia Federal no Rio de Janeiro na última segunda-feira, como principal alvo da Operação Eficiência, desmembramento da Lava-Jato, por suspeita de integrar um esquema de corrupção envolvendo o ex-governador fluminense Sérgio Cabral. Já em Minas, o empresário nascido em Governador Valadares saiu de cena pedindo a recuperação judicial da MMX Sudeste, em 2013. Atualmente, a empresa tenta se capitalizar e negociou sua atividade minerária com o grupo holandês Trafigura.
A gigante do ramo de logística e commodities já repassou R$ 65 milhões à empresa que era controlada por Eike e assumiu as operações em Serra Azul, onde a MMX tem as minas de Tico-Tico e Ipê, e também em Bom Sucesso, no Centro-Oeste mineiro.

Mas as marcas deixadas como herança por Eike não passaram. As incertezas e o trauma deixados pela MMX ainda assombram os habitantes dos municípios onde a empresa atuou, trazendo desconfiança sobre a Trafigura. A multinacional foi procurada, mas não informou quando pretende retomar a produção de 6 milhões de toneladas de minério nas minas da Grande BH, onde estão inseridas as grutas, nem se vai assumir a proteção e a recuperação dessas formações rochosas. Em 2014, o Ministério Público abriu um inquérito civil para apurar e determinar a interrupção das atividades da MMX em Serra Azul, visando a impedir a degradação e os “danos irrecuperáveis” que a paulatina expansão da mineração vinham trazendo. Entre as bancadas de terra vermelha, degraus e estradas que talharam a Serra Azul para extrair minério de ferro, resistem nove cavidades frágeis, formadas após milhões de anos de ação das chuvas na região de Brumadinho, São Joaquim de Bicas e Igarapé (veja arte). O que restou delas abriga uma fauna formada por aranhas, morcegos, pássaros e outros exemplares animais e da flora cavernícola. Dessas, oito formações se encontram nos topos de morros da Mina de Tico-Tico, a menos de 100 metros dos degraus e estradas. Uma outra, a Gruta das Formigas, fica a menos de 200 metros da área de impacto. O MP foi procurado, mas não soube informar se o inquérito prossegue ou se medidas adicionais de proteção ao meio ambiente serão tomadas.

- Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

ABANDONO A equipe de reportagem do Estado de Minas foi até a Mina de Tico-Tico e comprovou que a atividade minerária cessou nas instalações. Apenas alguns vigilantes fazem ronda no perímetro das lavras e galpões do complexo. Um caminhão de emergência com logotipo da MMX também circula, fazendo vistorias e manutenções no local. Nenhum tipo de trabalho de recuperação ou vestígio de ação com essa finalidade foi visto na área onde está a Gruta das Formigas, que fica a menos de 200 metros da mina e a 70 metros da estrada da Conquista, entre Igarapé e Brumadinho.

Segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), em 14 de outubro de 2016 a MMX assinou um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o estado, em que se comprometeu a efetuar “o pagamento das multas e da indenização pelos danos causados às cavidades existentes no empreendimento, sendo mantida a penalidade do embargo, a qual deverá ser analisada no âmbito de um novo processo de licenciamento ambiental, com os respectivos estudos pertinentes. O TAC vem sendo cumprido pela empresa”.
Ainda de acordo com a Semad, a empresa Trafigura adquiriu as operações minerárias de titularidade da MMX e ainda não pode funcionar, uma vez que o embargo ainda é válido e a nova controladora “deve observar a legislação ambiental pertinente e a obtenção das licenças ambientais necessárias na eventualidade de retomada das atividades”. A MMX informou que os “eventuais reparos (às cavidades naturais atingidas pela atividade e verificados pela Semad) são de responsabilidade da MMI – Mineração Morro do Ipê, nova empresa criada para operar a mina. Empresa controlada pela Trafigura e Mubadala (51%)”.

A MMX no estado

» Empresa foi criada em 2005 para a indústria e comércio de minérios em geral, pesquisa, lavra, beneficiamento, prestação de serviços geológicos e participação no capital social de outras sociedades

» Nos anos de 2007 e 2008, adquiriu as ações da sociedade AVG Mineração S.A. e as cotas da sociedade Mineração Minas Gerais Ltda. (Minerminas), incorporadas e transformadas na MMX Sudeste

» Os direitos minerários permitem trabalhar nas minas de Tico-Tico e Ipê, em Serra Azul, na Grande BH, e em Bom Sucesso, Centro-Oeste de Minas Gerais

» De 2013 a 2014, o preço do minério caiu quase 50%

» Depois de investimentos da ordem de R$ 700 milhões para expandir a atividade de 6 milhões para 25 milhões de toneladas de minério por ano, a empresa não conseguiu licenciamentos ambientais nem empréstimo de
R$ 4 bilhões que pleiteava junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)

» MMX Sudeste pede sua recuperação judicial em 2013

» O pedido de recuperação judicial foi concedido em 2016, com a venda dos direitos minerários para a Trafigura.