RUÍNAS DE EIKE

Com derrocada de Eike, Nova Era está dividida entre a vergonha e a comoção

Ruína do ex-bilionário, além de rastro de prejuízo no estado, deixou a terra natal do patriarca da família dividida entre a vergonha, o ressentimento e a solidariedade

Gustavo Werneck
Prisão do empresário é assunto de rodas de conversa da cidade tradicional de 18,9 mil habitantes, na Região Central - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS

Nova Era
– A prisão e a ruína moral de Eike Fuhrken Batista da Silva, de 60 anos, celebrizado como Eike Batista no mundo social e dos negócios bilionários, ecoa numa cidade do interior de Minas: Nova Era, nascida nos tempos coloniais às margens do Rio Piracicaba, na Região Central, e distante 130 quilômetros de Belo Horizonte. Considerado berço da família, terra do ex-ministro e ex-presidente da Vale, Eliezer Batista, de 93 anos, pai de Eike, e onde vivem parentes do agora encrencado empresário, o município de 18,9 mil habitantes tem moradores com opiniões distintas a respeito da situação do recém-ocupante de uma cela na Penitenciária Bandeira Stampa, conhecida como Bangu 9, no Rio de Janeiro (RJ). Uns dizem que é vergonhoso para a cidade; outros acreditam que não há impacto, enquanto há quem confie em Eike e torça para ele se sair bem desse episódio de denúncias de corrupção envolvendo a acusação de pagamento de propinas ao ex-governador fluminense Sérgio Cabral, também preso no Rio.

Mineiro de Governador Valadares, na Região Leste, Eike deixou com suas empresas um rastro de devastação ambiental e prejuízos em Brumadinho, São Joaquim de Bicas e Igarapé, na Grande BH, conforme mostrou ontem o Estado de Minas. Nesses locais, fica a maior área de atuação da MMX Sudeste, braço minerário da EBX, a empresa principal do conglomerado do ex-bilionário preso pela Operação Lava-Jato. Como resultado das atividades e das promessas de progresso, restaram fazendas abandonadas, hoje usadas como refúgio de criminosos, cavernas abaladas e hábitats de fauna e flora silvestres desaparecidos do mapa junto com a paisagem natural que sofreu com o peso do maquinário.

Osvino Rodrigues Sette, diante do casarão onde Eliezer Batista morou, acredita que o pai de Eike poderia ter atuado para ajudar o município em que nasceu - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS
Segundo filho de Eliezer e da alemã Jutta Fuhrken, Eike nasceu em Governador Valadares quando o pai, engenheiro, trabalhava no escritório da Estrada de Ferro Vitória-Minas, da antiga Vale do Rio Doce, hoje Vale. O casal teve sete filhos. Muitas dessas histórias povoam um bem conservado casarão do século 19, pintado de bege e marrom, com verde nas laterais, destaque na Rua Governador Valadares, no Centro de Nova Era. Com um escritório diante da construção, o despachante e bacharel em direito Osvino Rodrigues Sette, de 51, afirma que a família Batista nunca fez nada pelo município.
“Tenho muita mágoa, pois poderiam ter ajudado a comunidade em todos os sentidos. Quando Eliezer estava no auge, muito poderia ter sido feito em prol da população, nos setores de saúde e inclusão social. Nada disso aconteceu”, critica Osvino, conhecido como Nocão.

Diante dos últimos acontecimentos, que puseram Eike na cadeia e no epicentro de um sucessão de escândalos, Osvino não tem dúvidas de que se trata de uma “vergonha” para a cidade, antiga São José da Lagoa, surgida no século 18. De família de políticos – filho de Geraldo Sette, do antigo MDB, depois PMDB, preso em 1964, e com irmão chamado Brizola Rodrigues Sette, batizado aos 19 anos pelo ex-governador do Rio Leonel Brizola (1922-2004) –, Osvino espera que a Justiça seja feita em relação a Eike. “O berço da família dele é aqui, mas ficou um ranço dessa família. Tomara que o empresário honre o que falou na entrevista, na tevê, de querer ajudar a passar o Brasil a limpo, e faça a delação premida.”

BOCA A BOCA O assunto está em todas as bocas, mas muitos nem querem se identificar, devido aos laços de amizade que os unem à família. É o caso de um “amigo do doutor Eliezer”, como se autodeclara, convicto de que a família “fez, sim”, muito por Nova Era. “Foi graças a ele que se instalou na cidade, há cerca de 30 anos, a empresa Nova Era Silicon, de beneficiamento de minério de um grupo japonês, gerando 500 empregos. No período em que foi presidente da Vale, criou dois bairros, o Santana e o São José. E quando era conselheiro da Celulose Nipo-Brasileira S/A (Cenibra), trouxe para cá, há 10 anos, o escritório da empresa”, relata. Eliezer foi presidente da Vale por duas vezes, de 1961 a 1964 e de 1979 a 1986, sendo ainda ministro das Minas e Energia entre 1962 e 1964, no governo do presidente João Goulart, o Jango (1918-1976). Ele comprou dos herdeiros, segundo o “amigo”, todas as partes do casarão, que está vazio, embora “muito bem conservado”.

Historiador Elvécio Eustáquio diz que a família nunca se integrou à cidade - Foto: BETO NOVAES/EM/D.A PRESS
Ricaço tem tia que fez voto de pobreza


Os moradores do Centro de Nova Era se acostumaram, durante muitos anos, a ver as irmãs de Eliezer, Marta, já falecida, e Stella, hoje com 89 anos, freira que se encontra recolhida na casa de uma cidade da Região Metropolitana de BH. “Ela estava sempre com um hábito cinza.
Mas as duas sempre foram muito reservadas”, diz um morador. Outro residente, amigo da família, conta que ela está consciente e sabendo de todos os problemas envolvendo o sobrinho. O curioso é que, ao contrário de Eike, que sonhou em ser o homem mais rico do mundo, irmã Stella fez voto de pobreza. Outro nome muito lembrado por todos é do médico José Batista, o “doutor Batista”, irmão de Eliezer, considerado muito bom para os pobres.

A comerciante Nilza Oliveira Caetano, de 62, vizinha do casarão pertencente a Eliezer Batista, conviveu durante duas décadas com as irmãs Marta e Stella. “Elas não gostavam de falar sobre certos assuntos, principalmente sobre essa história de o sobrinho querer ser um dos homens mais ricos do mundo”, conta Nilza. “Sempre foram pessoas de dignidade e reservadas. Há uns 10 anos, fui apresentada ao doutor Eliezer. Dona Stella chegou a me dar um lenço que ela bordou aos 15 anos”, conta a comerciante. A situação atual, ela resume em uma sentença –“É a política” –, para depois acrescentar: “Um dia, a máscara dos políticos e empresários corruptos tinha que cair. Só que a gente não imagina que pode ser tão próximo de nós.
Acho que não é vergonha para Nova Era, o problema é que ficamos chateados”.

Profundo conhecedor da história local e estudioso de seus fatos relevantes, Elvécio Eustáquio da Silva, de 72, crê piamente que a derrocada de Eike não respinga em Nova Era. “Na verdade, não significa nada, mesmo. Afinal, a família nunca foi integrada à cidade. Mesmo que o pai dele tenha nascido aqui, essa ligação é desconhecida de muitos. O próprio doutor Eliezer vinha pouco aqui”, afirma. Elvécio, que faz uma pesquisa sobre a família Batista em Nova Era, se recorda, no entanto, das férias escolares, quando os filhos do ex-presidente da Vale – “crianças louras, de cabelos cacheados” – visitavam a residência dos avós, o casarão com quintal grande e pés de jabuticaba e outras frutas. O avô José Batista da Silva, o Juca Batista, era fazendeiro, um dos donos da “bem estruturada” Selaria Batista e Irmão, e casado com Maria da Natividade Pereira. “O lado paterno, Batista, não é de Nova Era e ninguém sabe a origem. Já o sobrenome Pereira é de uma família tradicional de nossa cidade”, conta o pesquisador e historiador. Nos levantamentos que fez, Elvécio verificou que Eike viveu apenas três dias em Governador Valadares.

SEM ORAÇÕES
Na tarde chuvosa de sexta-feira, os amigos José Antônio de Oliveira, de 66, comerciante aposentado, e Geraldo Cirino da Silva, de 60, zelador voluntário, conversavam na porta da Matriz de São José da Lagoa, templo do século 18. “Pega mal para a cidade, não é mesmo?”, comentou José Antônio, que conheceu o avô de Eike, que “mexia com sela de cavalo, arreio, laços, essas coisas...” e o tio-avô dele, Quincas. Com o jeito mineiro inconfundível, o aposentado ressalta que os avós de Eike eram “trabalhadores, pessoas de muito respeito” e certamente ficariam envergonhados com tudo o que ocorre agora. “É humilhante para qualquer um ficar numa cela minúscula”, acrescenta.

Uma notícia nas redes sociais, de que moradoras estariam fazendo novena para Eike, desperta risadas entre os amigos. “Não tem nada disso aqui, não. Nunca vi”, comentou José Antônio, com a total concordância do zelador Geraldo Cirino. Os dois riram referindo-se a uma piadinha que corre solta na cidade: se no passado o avô trabalhava com “sela”, hoje, o negócio do neto está numa “cela”.

A equipe do Estado de Minas esteve na casa de parentes próximos de Eike e foi informada, pelo interfone, de que os donos não estavam. Depois, pelo telefone, uma pessoa disse que não havia interesse da família em se manifestar na reportagem..