Pichação no Museu da Inconfidência pode ter relação com saída de ambulantes da Praça Tiradentes

Prefeitura de Ouro Preto determinou a retirada de cerca de 20 pessoas que atuavam de forma irregular no espaço público. Investigação já mobiliza Polícia Federal e MP estadual e da União

Gustavo Werneck
Técnicos do Iphan e do Museu da Inconfidência vistoriam as pichações para avaliar os danos ao prédio de Ouro Preto construído no século 18 - Foto: Cláudia Klock/Museu da Inconfidência/Divulgação
A pichação do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, um dos mais importantes e visitados centros de cultura do país, pode estar associada à retirada de ambulantes da Praça Tiradentes, no Centro Histórico, reconhecido como patrimônio da humanidade e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Há 10 dias, mais de 20 pessoas que atuavam de forma irregular no espaço público foram obrigadas a sair da área por determinação da prefeitura local, em ação realizada pelo setor de fiscalização municipal. A investigação para descobrir o responsável pelo vandalismo já mobiliza, além da Polícia Civil, o Ministério Público de Minas Gerais, que instaurou inquérito, e a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, por se tratar de bem protegido pela União.

“A situação chegou a um absurdo extremo. De dia, os ambulantes ficavam na Praça Tiradentes e, à noite, dormiam atrás da Igreja de São Francisco de Assis. Ali acendiam fogareiros e cozinhavam, pondo em risco a segurança dos bens históricos. Uma mulher guardava quadros dentro de um chafariz do século 18”, disse uma fonte ouvida pela equipe do Estado de Minas, que preferiu não se identificar. A Polícia Civil investiga o caso, analisando imagens de câmeras de vigilância instaladas na região, mas ainda não identificou o responsável ou responsáveis pelas palavras escritas com spray – “patrimônio da humanidade elitista” – nas pedras de cantaria do paredão do museu.

No início da noite de ontem, o promotor de Justiça da comarca de Ouro Preto, Domingos Ventura de Miranda Júnior, disse que foi instaurado inquérito para reparação dos anos e restauração do prédio. “Tudo está sendo feito para identificar o mais rápido possível o autor.
Queremos punição rigorosa, para que isso nunca mais ocorra em Ouro Preto”, disse Domingos. Ele explicou que se trata de um crime de dano ao patrimônio cultural e à ordem urbanística. Conforme o Código Penal, estão previstas as penas de três anos de detenção (artigo 163, parágrafo único, inciso 3) e mais um ano (artigo 65, parágrafo único da Lei 9.605).

REMOÇÃO Na tarde de ontem, o chefe do escritório do Iphan em Ouro Preto, André Macieira, fez uma vistoria no Museu da Inconfidência para avaliar os danos causados pela pichação que ocupa 20 metros da lateral do prédio, construído no século 18 e que foi Câmara e cadeia de Vila Rica, antigo nome da cidade. Ele explicou que a tinta poderá ser removida com um produto que está sendo providenciado pelo diretor do Museu da Inconfidência, Rui Mourão. Em 2010, quando o local foi pichado, o material foi usado com sucesso. André estava acompanhado da diretora substituta do museu, Rosa Wood, da chefe da divisão técnica da instituição, Margareth Monteiro, e do mestrando do Programa de Especialização Patrimonial do Iphan, Cláudio Zunguene.

Já o secretário de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto, Zaqueu Astoni Moreira, disse que prefere aguardar a apuração dos fatos para se manifestar sobre a pichação ocorrida na madrugada de segunda-feira. O ato de vandalismo revoltou moradores e entristeceu turistas – o Inconfidência é o segundo museu federal mais visitado do país, com 150 mil pessoas/ano, ficando atrás apenas do Museu Imperial de Petrópolis (RJ).

CASA DA LIBERDADE A história do Brasil passa, necessária e vigorosamente, pela Praça Tiradentes, no Centro de Ouro Preto. No edifício erguido em 1785 pelo governador da Capitania de Minas, Luís da Cunha Meneses, para ser Casa de Câmara e Cadeia, está o Museu da Inconfidência, de portas e janelas coloniais abertas para contar a trajetória de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), e conjurados que lutaram pela liberdade, indicar os caminhos do Ciclo do Ouro nas Gerais e destacar as maravilhas do barroco, incluindo peças de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814) e partituras musicais. O acervo compreeende mais de 4 mil objetos, com exemplares de todas as esferas da vida social mineira nos séculos 18 e 19.

Bem em frente ao museu pode-se admirar um dos cartões-postais mais conhecidos do país: o Monumento a Tiradentes, escultura em bronze feita em 1894 por Virgílio Cestari e localizada de costas para o antigo Palácio do Governador, atual Escola de Minas. Depois desse primeiro impacto visual, é hora de subir a escadaria de pedra, visitar salas e colar os olhos nas vitrines do museu para um exercício fascinante: aguçar os sentidos e mergulhar numa longa história. Foi a poucos metros dali que o ato de vandalismo manchou a história dos brasileiros..