O legado de Oswaldo Cruz está na raiz do próprio SUS, atestam estudiosos

No Brasil e no exterior, o sanitarista tem reconhecimento no campo da saúde

Valquiria Lopes
Oswaldo Cruz, debruçado à direita, na biblioteca entre colegas - Foto: Acervo Casa de Oswaldo Cruz

Um homem de prestígio incontestável, que junto a outros sanitaristas como Carlos Chagas, Belisário Penna, Arthur Neiva e Adolfo Lutz saíram dos hospitais e laboratórios e cruzaram as divisas de estados no Brasil não só para prestar atendimento médico, mas para estudar formas de transmissão e vetores das doenças que tanto matavam à época. No Brasil, bem como no mundo científico internacional, Oswaldo Cruz tem reconhecimento imensurável no campo da saúde.

Esteve à frente da Instituto Soroterápico Federal e da Diretoria Geral de Saúde, que no futuro e depois de profundas mudanças se transformou no Ministério da Saúde. Atuou contra a peste bubônica, a varíola e a febre amarela, doença esta que conseguiu derrotar no Rio de Janeiro e no Pará. Realizou a campanha de saneamento da Amazônia e permitiu, também, o término das obras da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, cuja construção havia sido interrompida pelo grande número de mortes entre os operários, provocadas pela malária.

Com tantos feitos, Oswaldo Cruz é visto por especialistas em saúde pública como um grande exemplo de sua época e seu trabalho um legado para a saúde pública que os 100 anos de sua morte – em 11 de fevereiro de 1917 – não deixam esquecer.


A data é para a doutora em história das ciências Ana Luce Girão uma “grande varanda” para observação da obra do sanitarista. A pesquisadora, que atua na Casa de Oswaldo Cruz, unidade que se dedica à memória da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), destaca o valor simbólico e o respeito que o trabalho do médico teve ao longo do tempo, bem como o valor prático e a consolidação das pesquisas feitas em várias áreas que continuam sendo tão importantes dentro da saúde pública brasileira.

“Ele deixou heranças tão ricas que contribuíram para a formação do que hoje é o SUS (Sistema Único de Saúde), que não é só atendimento médico, mas é pesquisa, produção de medicamentos, de vacinas, controle epidemiológico e tantos outros aspectos que nos fazem continuar a batalhar por esse sistema tão importante”, afirma.

Conhecido por um método de trabalho e pesquisa obstinado que se tornou relevante para a época, Oswaldo Cruz também deixou importante feito para a educação em saúde.

A história da Fiocruz, centro de pesquisa que leva seu nome, teve início em 1900, com a criação do Instituto Soroterápico Federal, na bucólica Fazenda de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Inaugurada originalmente para fabricar soros e vacinas contra a peste bubônica, a instituição experimentou, desde então, uma intensa trajetória, que se confunde com o próprio desenvolvimento da saúde pública no país e com a história de vida do sanitarista.

A Fiocruz foi palco de grandes avanços, como o isolamento do vírus HIV pela primeira vez na América Latina e o deciframento do genoma do BCG, bactéria usada na vacina contra a tuberculose. “Oswaldo Cruz foi o maior sanitarista brasileiro e, pelo seu trabalho inicial, temos hoje um dos maiores programas de vacinação do mundo”, afirma o especialista e mestre em saúde pública Kleber Rangel Silva, que é assessor da Diretoria-Geral da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais (ESP-MG).

Kleber explica que o pioneirismo de Oswaldo Cruz foi marcado essencialmente pelo trabalho de descrição dos ciclos das doenças e dos vetores, da forma como elas afetavam as populações e pelo combate, que criou uma consciência sanitária em uma época de condições precárias de saneamento básico, limpeza urbana e abastecimento de água.

EXPEDIÇÕES


O Instituto Oswaldo Cruz também colaborou com a Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Ministério da Viação, promovendo expedições ao interior. Seus principais médicos e cientistas acompanharam obras de infraestrutura, como a construção de ferrovias, a inspeção sanitária de portos e a extração de borracha na Amazônia, com o objetivo de reverter quadros epidêmicos em áreas restritas.

Em 1906, Carlos Chagas parte em expedição a São Paulo, para debelar um surto de malária na região em que a Companhia Docas de Santos construía uma usina hidrelétrica. No mesmo ano, ele, Arthur Neiva e Rocha Faria partem para Xerém, na Baixada Fluminense, em campanha contra a malária, onde eram construídos reservatórios de água pela Inspetoria Geral de Obras, para o abastecimento da cidade do Rio de Janeiro.

Em 1907, Arthur Neiva vai a São Paulo, a serviço da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, em expedição de combate à malária, enquanto Carlos Chagas e Belisário Penna seguem para Minas Gerais, também em combate à malária, que dificultava os trabalhos de prolongamento da Estrada de Ferro Central do Brasil. Já em 1910, foi a vez de Oswaldo Cruz seguir para Ribeirão das Lages (RJ), em inspeção sanitária das obras de construção da usina hidrelétrica da Cia. Light and Power. E no mesmo ano, ele e Belisário Penna seguem para a Amazônia, em ação de controle da malária para a Madeira-Mamoré.

Entre outras viagens, os cientistas percorreram lonjuras do interior do país passando ainda pelos rios Solimões, Juruá, Purus, Acre, Iaco, Negro e o Baixo Rio Branco, em expedição requisitada pela Superintendência da Defesa da Borracha. Também percorreram Piauí, Pernambuco, Bahia e Goiás para o reconhecimento topográfico e o levantamento sanitário das regiões secas, por requisição da Inspetoria de Obras Contra as Secas, órgão do Ministério dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas.

 

 Revolta da vacina

- Foto: Reprodução do livro: Só rindo da saúde - Exposição Itinerante/Fundação Oswaldo Cruz
O trabalho de Oswaldo Cruz também foi alvo de reações populares contrárias e não foi poupado por artigos, discursos, charges e poemas satíricos. Em 1903, quando assumia a Diretoria-Geral de Saúde Pública, o médico sanitarista deu início a um programa de modernização do Rio de Janeiro (então capital do país), cujo grande objetivo era a reforma urbana do prefeito Pereira Passos.

Seu objetivo principal era o saneamento, centrado no combate a três doenças – a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Para isso, Oswaldo Cruz adotou brigadas contra mosquitos, polícia sanitária, expurgo de residências sem condições sanitárias adequadas, além de demolição dessas habitações. A reação não tardou, já que o processo de remodelação urbana e sanitária teve impactos sociais e políticos e o trabalho de Oswaldo Cruz enfrentou resistência da população.



Com o lançamento do novo regulamento sanitário, que impunha, entre outras coisas, a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola, em 1904, a resistência contra o sanitarista chega ao ápice. Além de ser por princípios ideológicos, essa recusa em ser vacinado ocorreu porque as pessoas não sabiam o que era a vacina e tinham medo de seus efeitos, o que gerou, em novembro de 1904, o movimento conhecido como a “Revolta da Vacina”.

 

 As hipóteses do surto


No EM.com.br, confira vídeo explicativo sobre como a degradação ambiental e o descuido com a vacinação ajudam a entender o pior surto de febre amarela da história recente do Brasil. O Estado de Minas conversou com infectologistas e primatologistas, que apontam os dois fatores como hipóteses da disseminação da doença, que já matou 68 pessoas apenas em Minas Gerais. Segundo eles, ecossistemas mais frágeis têm mais chances de sofrer com a doença porque têm menor diversidade.

Isso significa menos predadores dos mosquitos que transmitem a febre no meio silvestre – Haemagogus e Sabethes – e menos macacos, que são os primeiros a sofrer com a doença, acendendo o sinal amarelo para os humanos. Falta de cobertura vacinal, que não chega a áreas isoladas, má conservação das vacinas e instabilidade política e econômica das regiões afetadas também contribuíram para o surto, que tem Minas como epicentro. Na noite de ontem, o vídeo tinha 1.985 compartilhamentos, 556 curtidas e seu alcance superava os 49 mil, Confira em https://bit.ly/2ltrtx6.

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