Vítimas da febre amarela em Minas falam sobre angústia e solidão nos hospitais

Luta pela sobrevivência de quem teve a doença em Minas Gerais foi bem além do tratamento. Pacientes tiveram que lidar com a solidão nos hospitais, angústia e desconfiança das pessoas

Mateus Parreiras - Enviado especial
"Todo mundo que chegava lá no hospital estava morrendo. Essas eram as notícias que a gente estava tendo. Olhei para meu pai antes de ser transferido e disse para ele: 'Toma conta da minha mulher e da minha filha que não volto não" - Willian Lima Vieira, de 33, autônomo - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press
Caratinga – Depois da despedida das últimas visitas, à tarde, quando as luzes se apagavam, os internos se levantavam e mesmo sofrendo muitas dores pelo corpo começaram a usar lençóis, travesseiros e tapetes da enfermaria para caçar e abater mosquitos consumidores de sangue que infestavam as dependências do Hospital Eduardo de Menezes, no Bairro Bonsucesso, no Barreiro. As lembranças da estada de 12 dias do trabalhador rural Claudinei Rosa Quirino, de 29 anos, na instituição médica de Belo Horizonte para tratar da febre amarela teve momentos de pânico. “Não tinha telas nas janelas naquela época. A gente via aquele tanto de mosquitos e começava a matar. Isso porque muita gente não tinha ainda a confirmação de que estava doente e outros não sabiam também se poderia agravar e matar. Era um desespero depois daquela confusão toda para matar os mosquitos, acordar no meio da noite com zumbidos no ouvido e começar tudo de novo”, lembra.


Histórias como a de Claudinei mostram que a luta pela sobrevivência de quem teve a febre amarela em Minas Gerais não se resumiu ao tratamento, passando pela solidão no isolamento dos hospitais, da desconfiança das pessoas, da angústia por diagnósticos e tratamento.

“Da enfermaria, a gente via as pessoas que morreram sendo levadas nas macas, cobertas pelos lençóis. Aquilo perturbava a gente demais, porque você passa mal o tempo todo e sente que pode ser você que vai morrer a qualquer momento”, conta o trabalhador rural, morador de Caratinga, no Vale do Rio Doce.

A solidão dentro do hospital era grande. “As visitas ficavam pouco e quando iam embora a gente ficava só.

Nem todo mundo conseguia falar, porque passava muito mal com a febre, ficava delirando na cama e os médicos vinham, levavam para dentro depois de um tempo e voltava ou não. Quando me despedia da minha família, ficava pensando se veria eles de novo no outro dia ou se iria embora numa maca, coberto por um lençol”, diz Claudinei. O Hospital Eduardo de Menezes é referência estadual em doenças infectocontagiosas e recebeu muitos doentes de todo o estado para tratar da febre amarela.

Quando foi transferido de Ipanema para Manhuaçu para tratar da febre amarela, o autônomo Willian Lima Vieira, de 33, achou que era o seu fim. “Todo mundo que chegava lá no hospital estava morrendo. Essas eram as notícias que a gente estava tendo. Olhei para meu pai antes de ser transferido e disse para ele: 'Toma conta da minha mulher e da minha filha que não volto não'”, lembra. Os momentos de dor e sofrimento envolveram e mobilizaram toda a família. “Sentia febre, muita dor no corpo, não comia, só queria ficar deitado. Minha mulher é que me dava banho, porque eu não aguentava. Via pelo olhar dela que eu não estava nada bem. Ela tentava me incentivar, mas podia ver que estava todo amarelo, quase um cadáver. Os 10 primeiros dias foram os mais difíceis e depois melhorou, mas a doença pode voltar e eu ir de novo para a UTI. Por isso estou de repouso”, conta.
"Da enfermaria, a gente via as pessoas que morreram sendo levadas nas macas, cobertas pelos lençóis. Aquilo perturbava a gente demais, porque você passa mal o tempo todo e sente que pode ser você que vai morrer a qualquer momento" - Claudinei Rosa Quirino, de 29 anos, trabalhador rural - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press
ABATIMENTO
Até quem não teve a doença sofreu com a perda de amigos e o abatimento da moléstia sobre parentes e colegas, sobretudo nas pequenas comunidades rurais.
“Um amigo meu, Ronilso, morreu. Dois amigos foram internados em Belo Horizonte e um em Ipatinga. Meu pai também, foi internado em Ipatinga. Começou a dar febre, pressão alta no hospital. Foram 15 dias de sofrimento. Vomitando sangue, com sangue saindo também do nariz, da boca e do ouvido. A gente tentava incentivar, mas quando olhava para ele ficava apavorado. Até o preto do olho dele estava amarelo”, lembra Grauciano Mendes Lopes, de 29 anos, trabalhador rural de Caratinga. O pai dele, Manuel Clementino Lopes, de 54, ainda se recupera.

Nas comunidades pequenas e pacatas, como a de Patrocínio e de São João do Jacutinga, em Caratinga, a paz típica foi quebrada pela busca desenfreada pela vacina. No posto de saúde de São João do Jacutinga, a chefe de enfermagem Jaqueline Gomes Soares conta que se vacinava 400 pessoas por dia.
“Gente de comunidades afastadas e até de outros municípios ficavam sabendo que aqui tinha vacina e aparecia aquele tanto de gente. A gente trabalhava até as 20h para dar conta de todo mundo. Enquanto tinha dose a gente atendia”, lembra.

Em Patrocínio, além a vacinação, as pessoas começaram a se mobilizar quando descobriram que havia muitos focos de mosquitos transmissores nos quintais e espaços públicos. Os bancos sob o frondoso pé de saboneteira da entrada do distrito têm as sombras mais disputadas do lugarejo, onde muita gente gosta de conversar, brincar com as crianças e fazer refeições inclusive churrascos. “O pessoal da saúde da prefeitura veio aqui e encontrou uma porção de mosquitos e larvas. Tinha muito copo de plástico e outros lixos que a gente deixava. Foi um susto, porque eu mesma adoro sentar ali com minhas netinhas”, conta a dona de casa Maria das Graças Silva, de 66.

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