Não é não. Na contramão da alegria do carnaval e do respeito, o assédio marca presença nas ruas. Neste mesmo ano em que mulheres ligadas a diversos blocos e foliãs lançaram a campanha “Tira a mão: é hora de dar um basta”, contra o assédio durante a folia, a prática machista ainda persiste. Foi o caso da jovem F.G., de 24 anos, que foi ferida por um homem durante o desfile Unidos do Samba Queixinho, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste. O episódio foi flagrado pela reportagem do jornal Estado de Minas.
O homem, fantasiado com o rosto pintado de laranja e duas estrelas pretas nos olhos, de aproximadamente 30 anos, insistia em assediar a jovem. “Estava no carnaval com várias amigas e a gente se perdeu. Naquele momento, estávamos em três e percebemos que um homem estava nos seguindo e encostado em nós”, contou a jovem. Ela relata que depois de muita insistência, decidiu pedir para que ele se retirasse.
A jovem afirma que não teve amparo da Polícia Militar (PM) e que eles só a encaminharam para uma ambulância próximo ao bloco. Posteriormente, ela foi para o hospital Hospital João XXIII para tratar do corte do nariz. “Amanhã vou fazer o Boletim de Ocorrência”, disse. A vítima diz que a até então não havia sofrido um assédio violento. “ Acho que não podemos desanimar. Isso não deve serve de desmotivação para as meninas que querem sair do carnaval, se quiserem ir de burca ou pelada”, afirma.
O homem saiu correndo e não tinha sido identificado. Outras duas jovens contaram que foram assedias pelo mesmo homem, minutos antes do ocorrido. “É um absurdo. Poderia ter sido uma nós machucadas, né?”, lamenta Raíssa Nogueira, de 29 anos. “Ele veio falar com a gente, foi extremamente insistente. Desistiu depois que viu que um amigo nosso se aproximou”, contou Raíssa.
Ouvindo foliãs durante os três dias de carnaval, o relato de que homens são invasivos durante a “chegada” é bastante frequente: é um olhar ofensivo ou uma puxada de braço. “Isso acontece a todo o momento.
Uma das organizadoras da campanha “Tira a mão: é hora de dar um basta”, Renata Chamilet, conta que o projeto saiu do Facebook para as ruas. “Esse assunto precisa ser tratado. Os blocos estão lendo a carta e falando sobre isso. Mulheres têm me procurado para relatar casos de assédio, inclusive, violentos”, afirmou Renata.
A jovem Camila Cardoso, de 35 anos, aposta na conscientização por meios de campanhas feministas e denúncias pela internet. “Essa mobilização da campanha ajudou. Ano passado, sofri um assédio pesado. Este ano, ninguém me chegou me puxando. Acho que os homens foram mais respeitosos ao abordar.”
três perguntas para ...
RENATA CHAMILET
O que fazer em casos de assédio?
A primeira coisa talvez seja não se sentir culpada. Nenhum comportamento nosso é responsável pelo assédio. Temos que acreditar em nós até para sermos fortes para enfrentar o assédio. Cada caso deve ser analisado. Em casos de assédios violentos, existem ONGs que podem ajudar a mulher violentada a procurar a polícia, por exemplo. Mas é bom que fique claro que assédio é crime.
E quando a pessoa presenciar algum tipo de assédio? Como proceder?
Infelizmente, o assédio verbal que acontece durante a folia geralmente é classificado como importunação ofensiva ao pudor, que precisa de testemunhas e ainda tem pena muito baixa. No entanto, aquela puxada de cabelo, a tentativa de beijo à força e outras situações que você provavelmente já presenciou são muito mais graves do que as pessoas imaginam. Desde 2009, o estupro engloba beijo à força, toque nas partes genitais e qualquer toque não consentido com finalidade sexual. É gravíssimo, e não importa qual a data, devemos nos lembrar de que a ausência de um não – ou o silêncio – não são sinônimo de sim. Se o consentimento não for claro, é estupro. Precisamos trabalhar a solidariedade. Se você vê uma menina desconfortável ou sendo constrangida é bom intervir e perguntar para ela se está tudo bem. O máximo que vai acontecer é ela te dizer que está, mas, se não estiver, você pode ter ajudado alguém a sair de uma situação difícil.
Como os homens deveriam se comportar no carnaval?
Não nos interessa ditar regras para que os homens vivam suas vidas, desde que isso não invada nossos corpos ou nos ameacem a liberdade. O básico é: “Não é não”, “fantasia, decote, roupa curta não é convite”, “lésbicas não querem a sua participação”, “mulheres trans são mulheres”, “mulher negra não é fantasia”, “respeite o espaço e o corpo do outro”. Não precisamos ditar regras de comportamento masculino se cada um adotar o comportamento simples de respeitar o corpo e o espaço do outro.”