Os dados foram divulgados ontem, dia em que as mulheres se uniram no movimento M8, que luta pela igualdade de gênero e pela segurança, e mostraram que, dos 205 boletins de ocorrência registrados, 95,6% (196) foram de agressões ou lesão corporal. Segundo a delegada Camila Miller, titular da Delegacia de Combate a Violência Sexual, períodos como o carnaval, que aglomeram um grande número de pessoas, em geral alcoolizadas, potencializam casos de violência física. “Isso, aliado ao problema do machismo e da dificuldade de assimilar um ‘não’, que ainda é recorrente, faz com que os números sejam altos”, aponta. Apesar do índice alto registrado durante o período, a policial chama atenção para o fato de que esses crimes são geralmente subnotificados. “Os casos de assédio, em especial, muitas vezes não são denunciados, por tratar-se de um delito que mexe com íntimo da mulher”, explica. No informativo da polícia, nenhum caso desse tipo foi denunciado.
Ativistas ligadas à defesa dos direitos das mulheres acreditam que a subnotificação dos casos esteja ligada a dois fatores: à carência de delegacias especializadas e com atendimento apropriado para as vítimas de violência e ao sentimento de vergonha que, muitas vezes, ocorre devido à culpabilização da vítima. “É muito difícil fazer denúncia, é um processo muito burocrático e muitas vezes inócuo. Às vezes, a mulher tem vergonha e ainda tem a questão de culpabilização, por causa da cultura em que fomos criados, que leva as pessoas a acreditarem que o comportamento da mulher gera ou justifica o abuso”, pontua Renata Chamilet, uma das organizadoras da campanha “Tira a mão: é hora de dar um basta”, lançada este ano com o intuito de reduzir os casos de violência no carnaval, e administradora da página “As Minas do Carnaval de Belô”, que recebe denúncias de assédio.
No entanto, ainda que seja difícil, é preciso que os registros sejam feitos para que esse comportamento não seja naturalizado. “O segundo maior inimigo da violência sexual é o silêncio”, reforça a delegada.
DENÚNCIA L., de 35 anos, foi uma das vítimas de violência durante o carnaval. Ela estava em um bloco no Bairro Floresta, Região Leste de BH, quando um homem se aproximou e a agarrou. “Ele não chegou conversando não, ele chegou me pegando pela cintura. Eu disse que estava acompanhada e meu filho também se dirigiu a ele. Foi quando o homem me deu um soco no olho”, relembrou. Ela disse que ficou desmotivada a registrar o boletim de ocorrência por não ser bem acolhida pela PM. “Eles não estão preparados para fazer esse tipo de atendimento. Eles generalizam e acham que só porque estou no carnaval estou sujeita a esse tipo de coisa. É o machismo no geral, né? E isso vem, inclusive, da própria polícia”, avaliou.
Outro caso de violência que ganhou repercussão durante os dias de folia aocorreu durante o desfile da Unidos do Samba Queixinho, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste. Uma jovem, de 24 anos, foi assediada por um homem que, com uma cabeçada, feriu o nariz dela. Ela registrou ocorrência e o caso está sendo investigado na Delegacia de Mulheres. “A denúncia é parte essencial para que os casos de violência acabem. Quando uma pessoa agredida de fato denuncia seu agressor, isso possibilita que ele não faça outras vítimas. Do mesmo jeito, uma pessoa agredida poderia não ter sido agredida caso outra vítima tivesse feito a denúncia devidamente. A burocracia desanima, mas, mais do que em benefício próprio, a denúncia serve como forma de ajudar ao próximo”, afirma a jovem.
Em relação ao mesmo período de 2016, que teve 235 registros oficiais de casos de violência contra a mulher em Belo Horizonte, os dados deste carnaval apresentam queda. Para a delegada Camila Miller, o fato pode estar ligado às campanhas de conscientização e denúncia, como é o caso da “Tira a mão: é hora de dar um basta”. “Com o empoderamento das mulheres, a expectativa é que as notificações aumentem. Como os relatos diminuíram, acredito que, de modo geral, o índice de violência caiu.”
Como ficou
O homem acusado de assediar e agredir uma jovem de 24 anos, durante o desfile da Unidos do Samba Queixinho, no Bairro Carlos Prates, na Região Noroeste, prestou depoimento na última quinta-feira na Delegacia de Mulheres de Belo Horizonte, quando negou as acusações. Um inquérito foi aberto e o caso segue em investigação. As informações são da delegada Camila Miller, responsável pelo caso. O episódio, que ocorreu no domingo de carnaval, dia 26 de fevereiro, foi flagrado pela reportagem do Estado de Minas. Um homem, fantasiado com o rosto pintado de laranja, de aproximadamente 30 anos, insistia em assediar a jovem, quando, com uma cabeçada, feriu o nariz dela. Com o rosto ensanguentado, ela foi acolhida por amigos. O homem saiu correndo. O caso ganhou rapidamente grande repercussão nas redes sociais. Por meio de mensagens no Facebook, o agressor foi identificado.