Jornal Estado de Minas

TJMG permite alteração de nome e gênero em documentos de mulher trans

Um juiz da 2ª Vara de Família do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) publicou duas decisões que determinam a mudança de registros civis em função da realidade social. Em uma delas, proferida em 22 de fevereiro, o juiz José Eustáquio Lucas Pereira determinou a alteração do nome e do gênero de uma mulher que passou por cirurgia de redesignação de sexo, nas certidões de registro público. Em outra decisão, em dezembro de 2016, o magistrado concedeu a uma mulher o direito de acrescentar o nome dos pais afetivos ao seu registro original, mantendo o nome da mãe biológica, falecida, e excluindo o do pai biológico, que não esteve presente na criação da jovem.

Na ação de alteração de registro civil para a substituição de prenome e mudança de gênero, M.G.S. argumentou que seu registro era incompatível com sua realidade física e psíquica. Ela contou que, tendo nascido sob o sexo masculino, aos 7 anos de idade percebeu que psicologicamente pertencia ao sexo feminino, passando a usar roupas de mulher e sentir atração por homens. M.G.S informou também que passou a ingerir hormônios para se assemelhar às mulheres.

A mulher declarou ainda que sofreu diversos problemas psicológicos por conta do preconceito sofrido, mas que, tendo realizado a cirurgia de re-especificação de sexo, se sente mulher e assim se apresenta perante a sociedade. No entanto, todas as vezes que precisava apresentar seus documentos, onde constam o nome e o sexo masculinos, acabava sofrendo constrangimentos degradantes.

Ao analisar o pedido, o juiz José Eustáquio Lucas Pereira destacou que a cirurgia de redesignação sexual ocorreu em agosto de 2003 quando estava vigente uma resolução que exigia criteriosa avaliação de uma equipe constituída por psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social para a seleção dos pacientes para a cirurgia de transgenitalismo. Dessa forma, ele entendeu que não há dúvidas quanto ao diagnóstico e à condição de transexualidade, reconhecendo ainda os constrangimentos a que ela era submetida ao apresentar os documentos, que não condizem com sua realidade física e psíquica.

“Afinal, de que adianta realizar uma cirurgia de mudança de sexo, tida pelo Conselho Federal de Medicina como uma solução terapêutica para um transtorno de identidade sexual, se o paciente tem de lidar com os olhares de repúdio das pessoas ao se depararem com documentos que desmentem sua realidade existencial feminina?”, questionou.

O juiz determinou então a retificação do prenome da solicitante para o que ela já usa socialmente há anos, mantendo sem alteração seus sobrenomes, bem como a alteração da anotação quanto ao sexo.
Na decisão, definiu também a expedição de mandado de averbação para o cartório, advertindo que o histórico das mudanças deve constar apenas nos livros cartorários, ressaltando que é vedada qualquer menção nas certidões de registro público. 

Multiparentalidade


O mesmo juiz, ao analisar o pedido de alteração da certidão de nascimento para inclusão dos nomes dos pais afetivos, fundamentou-se no reconhecimento judicial de multiparentalidade.  Entre várias jurisprudências e dispositivos legais, ele destacou “a superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos”, princípio consequente da proteção da dignidade humana.

Também motivaram a decisão os estudos sociais forenses juntados pelos autores, um datado de 1992 e o outro de 2015, que ratificaram existência daqueles laços familiares. Destacando não ser o caráter biológico o critério exclusivo na formação de vínculo familiar, o magistrado concluiu pelo reconhecimento judicial da "multiparentalidade", com a publicidade decorrente do registro público de nascimento.

A jovem J.S.C. e o casal Z.R.F. e P.A.F. requereram o reconhecimento da paternidade socioafetiva deles, que se tornaram responsáveis pela jovem ainda na maternidade, por ocasião do falecimento de sua mãe em 1989.

Ao decidir pelas alterações no registro, o juiz afirmou que a mulher reconheceu como pais aqueles que, afetiva e efetivamente, a criaram, bem como a mãe biológica que, em virtude de seu falecimento, não teve a oportunidade de exercer a maternidade. Eles reafimaram não ter havido vínculos entre ela e o pai biológico.
RB
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