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Estado de Minas

Sucessão de falhas permite nova pichação na igrejinha da Pampulha

Criada para evitar vandalismo, vigilância 24 horas fracassa e templo é novamente vandalizado. Ataque revela que câmera tem zona cega e que sistema de rondas deixa local desprotegido justamente nas horas mais vulneráveis


postado em 17/03/2017 06:00 / atualizado em 17/03/2017 07:29

Sujeira foi aplicada na lateral do templo(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Sujeira foi aplicada na lateral do templo (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
O título de Patrimônio Cultural da Humanidade e o anúncio de uma fiscalização mantida pela Guarda Municipal de Belo Horizonte 24 horas por dia não foram suficientes para evitar que o conjunto moderno da Pampulha fosse atingido mais uma vez em seu maior símbolo.

Quase um ano depois de a Igreja de São Francisco de Assis ter sido pichada, o monumento foi novamente emporcalhado, desta vez com duas inscrições da mesma palavra, que sujaram uma área de oito metros lineares revestida com pastilhas, na lateral da igrejinha voltada para o Mineirão. A fachada do coreto da praça onde está o templo idealizado por Oscar Niemeyer também foi pichada. O crime, a primeira agressão depois do título concedido pela Unesco, expôs o fracasso do sistema de patrulhamento anunciado pela Prefeitura de BH e da dupla vigilância no local – eletrônica, com uma câmera do Olho Vivo controlada pela Polícia Militar, e física, com guardas municipais.


E as duas corporações não se entendem em relação à responsabilidade pela falha na segurança. A Guarda Municipal sustenta que não é necessário manter seus agentes 24 horas parados na porta da igrejinha, uma vez que existe uma câmera capaz de monitorar o local de forma ininterrupta. As imagens das câmeras do Olho Vivo são visualizadas apenas pela PM, que por sua vez alega que a câmera cobre apenas uma das laterais e o fundo do monumento, sendo a vigilância do patrimônio de responsabilidade da Guarda.



A brecha no patrulhamento que permitiu a ação dos vândalos é outro mistério. Inicialmente, guardas municipais ouvidos pela equipe do Estado de Minas informaram que o crime foi praticado no momento em que os dois agentes que faziam a ronda no entorno da igrejinha com uma viatura saíram para jantar – ao mesmo tempo. Oficialmente, a Guarda Municipal não confirmou essa informação e deu outra versão. Por meio de sua assessoria, informou que a dupla tinha saído “para fazer uma ronda”, pois apenas dois guardas são responsáveis por esse serviço das 18h às 6h – ou seja, no período de maior vulnerabilidade. E eles atuam, diz a corporação, em todo o conjunto moderno da Pampulha, que inclui a igreja e também outros monumentos, como a Casa do Baile e o Museu de Arte.

Nas horas de maior movimento, durante o dia, das 6h às 18h, diz a assessoria da Guarda, a dupla a bordo de uma viatura ganha o reforço de mais 10 guardas, oito em bicicletas e dois em motos. A corporação defendeu a necessidade de fazer as rondas noturnas  apoiando-se na câmera do Olho Vivo a cerca de 50 metros da igrejinha, que filma 24 horas o entorno do monumento.

Já a capitã Molise Zimmermann, assessora de comunicação do Comando de Policiamento da Capital, disse que a câmera em questão só cobre uma das laterais e o fundo da igreja, e que não registrou o vandalismo. “As câmeras são voltadas para a via pública, que é atribuição da Polícia Militar. Para o patrimônio existe a cautela pela Guarda Municipal. Nós sempre trabalhamos em parceria com a Guarda, mas como a gestão das imagens do Olho Vivo é nossa, temos uma responsabilidade muito grande sobre elas. O próprio COP (Centro de Operações da Prefeitura) pode instalar outras câmeras”, sugere a capitã.

População ficou indignada com o ataque(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
População ficou indignada com o ataque (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)


Diferentemente da noite de quarta-feira, quando falhas na segurança permitiram que a Igreja de São Francisco de Assis fosse pichada, ontem autoridades se espalhavam e se revezavam no entorno do monumento. Guardas municipais e policiais militares passaram boa parte da manhã aguardando a chegada da perícia da Polícia Civil, que também enviou investigadores da delegacia da área do crime e até da Delegacia de Meio Ambiente.

Também compareceram militares da Companhia de Polícia Militar do Meio Ambiente de Belo Horizonte, responsáveis pelo registro da ocorrência. O tenente Marcos Rodrigues disse que muito provavelmente o autor da pichação já rondava o local e esperou a saída dos guardas para vandalizar a igrejinha. “Mesmo se a câmera não mostrar o responsável agindo, a Polícia Civil vai analisar as imagens para ver se aparece algum suspeito que possa ter ligação com o fato”, afirma o tenente.

A perícia constatou que oito metros de pastilhas da lateral da igreja foram emporcalhados, além de parte da fachada do coreto da praça, onde funciona uma lanchonete. Investigadores que foram até o local recolheram um pedaço de pano sujo de tinta, que pode ter sido usado para tampar o rosto do autor. A Polícia Civil diz ter suspeitos, mas não quis adiantar informações.

O investigador Fernando Diniz, que também tem especialização em segurança pública pela UFMG e esteve colhendo indícios no local, defende um investimento público específico para o monumento em questão. “A igrejinha merece um sistema de filmagem próprio, uma vez que se trata de patrimônio com tanta relevância mundial”, afirma. A palavra pichada faz referência a um tipo de movimento que prega a organização da vida em sociedade, que mantém uma página em rede social e também um site.
Severino Sales ficou decepcionado com a pichação(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Severino Sales ficou decepcionado com a pichação (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)


Apesar de o fato ter ocorrido na noite de quarta-feira, foi na manhã de ontem que o vandalismo surpreendeu e revoltou visitantes que passeavam pela orla da lagoa. “Parei aqui decepcionado, com uma sensação de tristeza. Fico tentando imaginar o porquê disso em um lugar tão importante. É nosso principal símbolo do patrimônio”, desabafou o consultor comercial Severino Sales, de 41 anos, morador de BH. O empresário Felipe Borges, de 30, condenou a atitude. “Isso é um desrespeito. Um lugar tão bonito, feito para a prática de esportes, com essa vista maravilhosa, não pode ser alvo de pichação. Os responsáveis muitas vezes se dizem revoltados, mas destroem o que é de todos”, afirma. A aposentada Ilda Braz, de 63, condenou qualquer tipo de pichação. “Eu já detesto essas coisas, mas em um patrimônio desse porte, me deixa horrorizada.”

Por meio de nota, o Comitê Gestor do Conjunto Moderno da Pampulha, presidido pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), lamentou o episódio. Informou que já está providenciando vistoria para avaliar os danos e definir procedimentos para remover a pichação.

Estrutura de lanchonete também foi pichada na praça da igrejinha(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)
Estrutura de lanchonete também foi pichada na praça da igrejinha (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS)

Como ficou
Prisão de pichador


Há quase uma ano, em 21 de março de 2016, a igreja da Pampulha foi pichada pela primeira vez. Na ocasião, a Polícia Civil desenvolveu uma investigação que apontou três pessoas como responsáveis pelo crime, sendo uma delas autora da pichação e as outras envolvidas na concepção do ato de vandalismo. Mário Augusto Faleiro Neto, o Maru, na época com 25 anos e apontado como o pichador da igrejinha, continua preso. João Marcelo Ferreira Capelão, o Goma, que tinha 33 anos na época, foi solto e responde ao processo em liberdade. Marcelo Augusto de Freitas, o Frek, com 20 anos na época, até hoje está foragido. Segundo a assessoria do Fórum Lafayette, um dos processos, referente a Mário e João Marcelo, aguarda apenas sentença do juiz. O outro, de Marcelo, foi desmembrado e tem vários pedidos de diligências em Ibirité, na Grande BH, onde ele e Mário Faleiro moravam na época. Os três foram denunciados pelo artigo 65, inciso 4, da
Lei 9.605, de 1998 (pichar monumento tombado pelo patrimônio) e pelos artigos 69 (quando o agente pratica dois ou mais crimes), 287 (apologia ao crime) e 288 (formação de quadrilha).

Nossa história
15 anos de espera


A Igreja de São Francisco de Assis, primeira a ser construída no país dentro do espírito moderno, teve início polêmico. Em uma sociedade então tradicional e religiosa, as formas não agradaram ao bispo. Por isso, erguido em 1944, o templo só foi consagrado em 1959, pelas mãos do arcebispo de Belo Horizonte dom João Resende Costa (1910-2007). Na edificação, em que as curvas de Oscar Niemeyer são mais evidentes, a entrada da luz destaca a pintura de Cândido Portinari, ao fundo.


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