Matheus Prado - Especial para o EM
As luzes da cidade vão se apagando, já passa das 23h.
Saindo de um barracão no Bairro Prado, os buracos e a poeira acompanhavam José até o Centro da recém-fundada capital mineira. Essa era a Belo Horizonte de 1931, em plena expansão, mas cheia de problemas. Juscelino voltaria para BH no mesmo ano, após passar temporada em Paris fazendo especialização em urologia com o renomado médico Maurice Chevassu. Formado pela UFMG em 1927, ele exercia a profissão há poucos anos.
“Certa vez, minha mãe estava passando mal e meu pai saiu de madrugada, a pé, para buscar JK. Aí, o doutor colocou a calça por cima do pijama, chegou lá em casa e examinou minha mãe. Quando o atendimento acabou, meu pai perguntou: ‘E agora, doutor Juscelino, como você vai embora?’. Ele respondeu: ‘Zé, você se esqueceu de que agora tem um bonde Gameleira que passa às 5h? Vou ficar aqui esperando e a dona Maria pode fazer um cafezinho para nós’. E assim ele fez”, relembra Lucy.
Em meio à amizade construída por José e Juscelino, BH crescia. Alessandro Borsagli, geógrafo e historiador, conta que a cidade era um canteiro de obras naquela década. Criação de redes de esgoto, canalização de rios e o início da construção da represa da Pampulha ocorriam simultaneamente. Apesar disso, 70% da população morava fora do cinturão central e ainda tinha pouco acesso a serviços básicos, como saneamento e iluminação. O transporte público, usado pelo médico Juscelino para visitar a adoentada mãe de Lucy, era um dos grandes problemas da capital mineira da época.
VIDA SOBRE TRILHOS Funcionando em horários insuficientes e com poucas linhas para atender a população, os bondes não satisfaziam completamente os belo-horizontinos. O Prado, onde José morava com a família, era uma exceção. Por ser sede do Hipódromo do Prado Mineiro, uma das poucas opções de lazer na cidade, o bairro era melhor abastecido nesse aspecto.
Estabelecido na capital, a vida pública atraía JK. Após ser indicado para o posto de capitão-médico no Hospital Militar, Juscelino é convocado para o front de batalha da Revolução Constitucionalista em 1932. Lá conhece Benedito Valadares, futuro interventor de Minas Gerais durante o Estado Novo, e que daria ao médico, após alguns sobressaltos, o comando de BH, em 1940.
Conhecido como “prefeito furacão”, ele era um dos grandes responsáveis pela verticalização de Belo Horizonte. Além disso, acelera o processo de asfaltamento da cidade e vislumbra o projeto arquitetônico da Pampulha com Oscar Niemeyer (1907-2012). Mantendo-se bem relacionado com as camadas mais humildes e as mais ricas de BH, solidifica sua base eleitoral e é eleito governador. Com a rápida e repentina ascensão, Kubitschek se afasta de José, mas o contrário nunca acontece.
Em uma passagem do primeiro volume de sua obra Meu caminho para Brasília, JK relata: “Aos pobres, que necessitavam de remédios, sempre encontrava um meio para mandar aviar-lhes as receitas. Era como se estivesse saldando dívidas antigas, cujos pagamentos vinham sendo protelados desde a minha infância, em Diamantina. E o resultado é que me tornei estimado pela gente boa e humilde dos subúrbios. Mais tarde, disputando eleições, o grosso de minha votação era obtido justamente nas áreas que eu havia frequentado como médico da Imprensa Oficial.”
ORIENTAÇÃO POR ORDEM MÉDICA
Orgulhoso dos passos trilhados por Juscelino, José se torna seu seguidor assíduo e grande cabo eleitoral. Ildeu, seu filho mais velho, o acompanhava em todos os comícios e aparições públicas do político.
No início da década de 1950, BH continua se expandindo. Nas duas décadas seguintes, a capital passa de 320 mil habitantes para 1,25 milhão, o maior crescimento em todo o país no período. Segundo Borsagli, isso ocorreu devido à criação da Cemig e a consolidação da Cidade Industrial. BH começa a receber muitos imigrantes e a estrutura oferecida pelo estado não apresentava grandes melhoras. Os problemas culminavam na falta quase diária de abastecimento de água na década de 1960.
Nesta época, já cansado, pai de nove filhos e com quase 50 anos, José Morais tinha dificuldade para sustentar a família. Ildeu e Lucy, os mais velhos, já trabalhavam para ajudar na renda, mas a situação ainda era apertada. Durante uma das aparições públicas de JK em BH, o trabalhador, acompanhado de seu primogênito, decidiu conversar com seu velho amigo. Walter, filho de Ildeu, reconta a história. “Meu avô já trabalhava há bastante tempo na Imprensa Oficial e precisava se aposentar, pois já estava cansado e com muitas dificuldades. Em um evento, meu avô teve acesso a JK e explicou a situação. Juscelino deu apoio para ele e, por orientação de JK, as condições de trabalho e de carreira do meu avô foram verificadas. Foi quando ele conseguiu uma remuneração mais justa.”